sábado, 5 de setembro de 2015

Pensão ruína



(desenho de Francisco Luís Fontinha – Setembro/2015)
 
 
Mastigava as palavras nocturnas do sono,
Enquanto do outro lado da rua,
Alguém,
Alguém gemia,
Uma rosa nua?
Uma pétala de rosa tua?
Alguém,
Enquanto eu dormia,
Alimentava-se dos meus sonhos entre círculos e triângulos rectângulos,
Acariciava os catetos,
Beijava a hipotenusa,
E enquanto eu dormia,
Alguém,
Alguém vestido de musa…
Nua a rosa,
Pétala a tua,
Mastigava as palavras nocturnas do sono,
Desenhava na ardósia negra do sentido proibido
Os teus seios mendigando o meu peito,
Nunca,
Nunca tive jeito,
Vontade…
E alguém,
Sem eu saber,
Entranhava-se nos meus tristes ossos,
Alguém,
Alguém gemia,
Do outro lado da rua,
E eu,
E eu sentia,
A lua,
O mar agachado nas tuas coxas silenciadas pela amargura,
Tanto tempo perdido,
Em pequeníssimas folhas de papel quadriculado,
Chorava e gemia,
Do outro lado da rua…
O poeta suicidado,
Uma rosa nua?
Uma pétala de rosa tua?
Alguém,
Enquanto eu dormia,
Roubava-me a tela da agonia…
Acorrentava-me às paredes pinceladas de bolor…
Colocava sobre as minhas pálpebras um cubo de gelo,
No meu cabelo,
Uma rosa,
Tua,
Uma tua rosa nua,
Sem sentido,
Os livros que li,
As palavras que escrevo e escrevi,
Não,
Não eram para ti,
Porque alguém,
Não sei quem,
Injectava-me nas veias finas lâminas de saudade,
Cerrava os olhos, fingia estar vivo quando os barcos da alvorada subiam as escadas da sufocada pensão,
E eu,
E alguém…
Gritava,
Chorava,
Sem saber a razão,
Do poeta suicidado
Subir e descer as escadas da pensão,
Quando a pensão estava deserta,
Morta,
Sem janelas,
Sem cortinados nas janelas…
E todas as portas,
Também elas,
Todas,
Todas mortas,
E alguém,
Não sei quem,
Inventava fotografias para eu folhear…
Enquanto a pensão,
Enquanto a pensão se afundava no meio da rua,
Mesmo em frente ao meu cadáver descarnado pelo tempo,
Havia vento,
Havia lágrimas nos lábios do vento,
E alguém,
Sem saber porquê…
Ou razão…
Deixava o meu nome nas ruinas de uma pensão.
 
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 5 de Setembro de 2015
 


sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Bala de tinta florescente



(desenho de Francisco Luís Fontinha – Setembro/2015)
 
 
“Sábados,
Domingos…
… E feriados,
Lamentamos,
Estamos encerrados”,
 
No pólen amanhecer
Cresce uma abelha em flor,
É disparada contra o coração
Uma bala de tinta florescente,
E de espingarda na mão,
Aquele louco transeunte…
Senta-se sobre a invisível espuma do mar,
Lamentamos,
O amor encontra-se encerrado para remodelação…
A paixão…
Afogada numa caixa em cartão,
Segue viagem, e não regressa a este cais ambulante,
 
“Sábados,
Domingos…
… E feriados,
Lamentamos,
Estamos encerrados”,
 
Apaixonados!
 
Não sei se vos diga o que sinto…
Porque nada sinto,
É estranho,
Saber que amanhã não vai acordar a madrugada,
É estranho,
Perceber que amanhã uma rosa embalsamada…
Acordará no estômago de um velho livro,
E o amor… e o amor é um gajo “fodido”.
 
 
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 4 de Setembro de 2015
 



Francisco Luís Fontinha - Setembro/2015

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Calçada da Ajuda


(Francisco Luís Fontinha – Setembro/2015)
 
 
Habito numa cidade de abutres,
Manhã cedo, ao acordar, percebo que sou apenas uma sombra misturada com outras sombras como eu,
Não sei se dormi, não sei se estive toda a noite a sonhar,
Perdi o cheiro do mar,
E a paisagem dos Oceanos de vidro,
Olho, olho para o Céu…
E todas as estrelas de papel… voam em direcção ao Luar,
Peço às abelhas entranhadas no mel, ajuda,
Desço a Calçada,
E Ajuda, não ajuda…
A regressar a noite aos meus braços pincelados de ferrugem,
E Ajuda, não ajuda… sobe um Cacilheiro a dita Calçada.
 
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 3 de Setembro de 2015
 
 
 

O ausentado


(desenho de Francisco Luís Fontinha – Setembro/2015)
 
 
Este labirinto de asas entranhadas na soalheira tarde sem ninguém,
O corpo mergulha na eira granítica, ouvem-se os sussurros das paredes lapidadas pela mão do humilhado,
O sol deixou de sorrir,
Cerrou a boca,
Trocou o olhar com o luar,
Trocou a solidão pelo cansaço da náusea ambígua da claridade,
É fina a sua pele,
Gotículas de suor sobrevivem à chuva miudinha da noite,
As palavras escritas nas pálpebras da saudade…
Envelhecem,
E escondem-se no cinzento amanhecer sem horário,
Este labirinto de asas… sem ninguém,
Ausentes da madrugada,
Tristes como as folhas de uma árvore em busca da morte,
O vento leva-as para o outro lado da cidade,
Escurecem em ti os meus lábios viciados,
O humilhado deserto…
Acorrentado aos vapores do silêncio amedrontado pelas tardes sem ninguém,
Não preciso de nada…
Humilhado,
Ausentado,
Estou vivo,
Respiro…
E fumo os cigarros absorvidos pela paixão.
 
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 3 de Setembro de 2015
 

quarta-feira, 2 de setembro de 2015


Francisco Luís Fontinha - Setembro/2015 

Gruta da paixão


A paixão é uma estrada sem saída,

Masturba-se nas sílabas do poema,

Desce cansada a Calçada da Ajuda,

Sobe as escadas, deita-se na doce cama…

Adormece,

Esquece,

A fama,

E… e ninguém a ajuda,

A paixão é uma prostituta,

Anda de coração em coração,

Luta,

E grita,

Amo-te…

Ai a paixão!

Sempre à escuta,

Como os pregos do meu caixão,

A paixão,

O que é a paixão?

Quando a vida é um amontoado de silêncios escondidos dentro de uma gruta…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quarta-feira, 2 de Setembro de 2015

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

O dardo do silêncio


Tão só meu amor

Com este dardo de silêncio cravado no meu peito,

Ouvido o grito da madrugada

Embriagada pelo saber,

Escrevendo no teu corpo as palavras de envelhecer,

Tão triste meu amor

A manhã antes de acordar,

O soalheiro abdómen da sílaba embriagada mergulhando no suicídio,

O mar

Correndo nas tuas veias,

Circunferências de prata brincando nos teus seios,

Meu amor,

Tão triste estar só,

Tão triste sentar-me numa esplanada e perceber que estou só…

Eu e aminha sombra,

Imaginando o rio junto aos meus pés brincando com as minhas palavras,

Inventando crianças alicerçadas a um passeio da cidade imaginária,

Viver não vivendo as cúbicas gotículas de suor descendo o teu púbis…

Tenho medo meu amor,

Tenho medo de encerrar o meu coração

E fazer dele uma monta não acessível,

Tenho medo meu amor

De abraçar-te sabendo que não é possível abraçar-te…

Tão só meu amor

Com este dardo de silêncio cravado no meu peito,

Os engates fictícios num livro de ficção,

Um poema masturbado olhando um murro de xisto cansado,

E eu

Meu amor

Aqui… tão só… cansado,

Acaricio-te na tela da solidão,

Pego na tua mão,

Desenho os teus lábios no meu peito,

Aquele… cravado com um dardo de silêncio,

E nunca estou feliz

Meu amor,

E nunca estou vivo

Meu amor,

Pareço um petroleiro desajeitado não encontrado o Oceano da paixão,

Sou um marinheiro solitário,

De cachimbo na mão…

Gritando,

Meu amor

Meu amor,

O mar,

Correndo nas tuas veias,

A maré saltitando nos teus seios,

E sabes

Meu amor,

A prata é uma cânfora manhã desejada,

Envaideces-te e escondes-te,

Corres e não regressas mais à minha janela…

Porque não tenho casa…

Porque não tenho janela.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Segunda-feira, 31 de Agosto de 2015

domingo, 30 de agosto de 2015


Francisco Luís Fontinha - Agosto/2015

Próximo amanhecer


Não espero nada do próximo amanhecer,

Não sei se amanhã haverá amanhecer…

Não sei se estarei acordado para o ver,

No próximo amanhecer

Quero estar junto ao mar,

Desenhar na maré o rosto do silêncio,

E escrever,

Sentar-me sobre uma pedra imaginária,

Olhar-te sem te ver…

No próximo amanhecer,

Escreverei palavras no teu olhar?

Não o sei…

Não o sei sem sofrer,

Não o sei…

Não o sei sem te amar!



Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 30 de Agosto de 2015

Francisco Luís Fontinha - Agosto/2015