domingo, 14 de agosto de 2022

Gladíolos


 Percebia que nos teus braços

Habitavam as andorinhas da Primavera,

Como habitam em mim,

As palavras que os teus lábios

Vomitavam na triste alvorada;

 

Percebia que nos teus braços

Brincavam as sílabas cansadas do luar,

Enquanto nas ribeiras,

Nas palavras do infinito,

Existiam as manhãs cansadas,

 

Que nas primeiras horas da madrugada

Desciam às vozes roucas da solidão.

Hoje, percebo que o corpo em dor

É um pedacinho de nada

Em direcção mar,

 

Em perpétuo silêncio.

Percebia que nos teus braços

Um menino traquino sonhava

Com as marés de um jardim

Construído sobre a sombra das mangueiras endiabradas…

 

E percebia que nos teus braços

Eu bebia todos os poemas

Que nas árvores dançavam,

Como dançaram num quarto escuro

Os gladíolos das tuas mãos.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 14/08/2022

domingo, 7 de agosto de 2022

Do silêncio voar

 Ergue-te do silêncio de voar,

Ergue-te das palavras que semeias

No corpo da tua amada;

Ergue-te das sombras da madrugada

E das marés onde vagueias…

Ergue-te, ergue-te do sorriso mar.

 

Ergue-te das planícies de adormecer,

Ergue-te da noite e do luar

E das estrelas cansadas,

Ergue-te das tristes madrugadas

Onde escreves as palavras de amar…

Ergue-te enquanto o amor viver.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 07/08/2022

sábado, 6 de agosto de 2022

Da saudade os abraços teus

 Se me morres

Eu morro de saudade,

Se partires

Eu voo em direcção ao mar,

 

Se olhares o luar

Eu escrevo no teu corpo de bálsamo adormecido,

E se me abraçares…

Bom…

 

Eu finjo ter morrido.

Se me morres

Eu desenho na tua sombra

O infinito adormecer,

 

Se me beijares

Eu serei o teu poeta das manhãs envenenadas pelo silêncio…

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 06/08/2022

quinta-feira, 4 de agosto de 2022

O arco-íris dos peixes

 Tão triste,

As paisagens que poisam na tua mão e desconhecem as palavras da madrugada; tão triste, quando percebo que no teu olhar habitam as primeiras chuvas invisíveis das noites escondidas pelas nuvens em poesia,

E do teu sorriso, a tristeza dos Invernos quando descia pelas sombras do amanhecer a penugem manhã, quando sabíamos que lá fora, junto ao rio, existiam as palavras desenhadas pela tua mão cansada, existiam as palavras inventadas pela tua boca sonolenta e, no entanto, as cinzas dos teus ossos vagueavam pelo corredor apilhado de livros, revistas e vinis…, tão triste, mãe,

As músicas envenenadas nas telas desmaiadas, as palavras cintilantes dos vinhedos sombreados, tão triste, mãe

As paisagens.

Que poisam na tua mão e desconhecem as palavras da madrugada, tão triste, a masturbação intelectual dos pássaros, tão triste mãe,

A morte,

Quando vínhamos das silenciadas montanhas e não sabíamos que sobre as árvores, e não sabíamos que junto à lua, tão triste, mãe,

Viviam todas as cores do arco-íris e que todos os peixes sofriam nas tuas lágrimas. O poema, aos poucos, suicidava-se nos teus cabelos, mas do outro lado da rua, pertinho da pequena árvore da solidão, brincavam os meninos de papel que ainda ontem eram apenas cadernos quadriculados,

Tão triste, mãe,

O vento quando se enforca nas árvores, tão triste,

O pai não saber voar.

E quando poisavam na tua mão, desconheciam as palavras da madrugada, tão triste, a masturbação intelectual dos pássaros, tão triste, mãe, as tristes madrugadas de insónia,

Porque eramos apenas invenção do sono.

Do rio, os barcos cinzentos das esplanadas avançavam contras os rochedos e ouvíamos as palavras das pequenas pirâmides de areia. A maré, entre saudades e sonos trocados, estacionava-se juntinho á tua lápide…

Até que o rio desparecia no horizonte. Tão triste, mãe

Quando um filho pinta as lágrimas da noite nas pequenas vidraças da saudade.

Assim sendo, que chova e te leve até ao distante luar; tão triste, as palavras inventadas pela tua boca.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 04/08/2022

quarta-feira, 3 de agosto de 2022

O zincado medo das sanzalas de prata

  

Finíssimas lâminas de luz atravessavam o teu corpo habitado pelas gotículas incineradas que a madrugada poisava e num ápice silencioso, à velocidade do desejo, voavam depois sobre as marés lindas de Inverno; um barco apaixonado rodopiava nos teus seios que da tela acabada de acordar, pincelada pela noite anterior, escrevia na fina areia da saudade…

Amo-te.

Amo-te, não percebendo o infame desejo que nas mãos do artista vive a insónia construída de luz e fogo. Não sabíamos que nos candeeiros a petróleo que brincavam no atelier, alguns deles, perfeitos anormais, existiam as cansadas estrelas da alvorada, quando lá longe, alguém pestanejava ao silêncio teu corpo quando ainda menino, inventava corridas á volta da lareira.

Tínhamos a fome do desejo e a dor do prazer; as palavras desciam pela tua pele como se fossem pedacinhos de chuva sobre o zincado medo das sanzalas de prata, e mesmo assim, amavas-me, e mesmo assim, tínhamos entre mãos todos os poemas da cidade.

Pincelada pela noite anterior, escrevia na fina areia da saudade os gemidos magnânimos dos pássaros em cio, quando sabíamos que um dia a saudade seria apenas algumas folhas em papel, cansadas pelas tempestades dos tristes sorrisos de Primavera, distantes dos infelizes abraços que a noite transportava para o rio.

Amanhã, a sanzala grita

Das lágrimas invisíveis dos tons de oiro que poisavam no teu cabelo, percebia-se que a cidade fervilhava como fervilham os sexos junto ao mar, assim que acordávamos, ouvíamos os belos socalcos do Doiro, entre rabelos e sombras de enxada nas mãos calejadas da madrugada.

Amanhã, a sanzala grita como gritam os teus braços quando se alicerçam aos distantes luares que uma infância aprisionou antes do nascer do sol. A vontade de correr ficou estacionada perto da ponte metálica que servia de esconderijo quando eramos atacados pelos famintos pássaros que transportavam os desejados poemas em pequenas quadriculas num qualquer papel de parede; morríamos.

Hoje, somos pedaços de nada.

Que da tela acabada de acordar, pincelada pela noite anterior, escrevia na fina areia da saudade…

Amo-te, sabendo que ontem tinham morrido todos os riscos deixados sobre a areia da infância.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 03/08/2022