quinta-feira, 16 de agosto de 2012

A preto e branco nas equações do amor...

Uma mulher de vidro poisou nas minhas palavras
sobre a secretária de madeira
invento-lhe história com fotografias a preto e branco
que trouxe de Angola
os barcos ainda vivem
e navegam entre paredes de limão
e o fumo dos cachimbos ensonados junto aos livros desassossegados
uma mulher

no meu álbum de fotografias
uma mulher que hoje é uma menina
e ontem
e ontem galopava no cavalo branco com sílabas de cetim

perdi-lhes o nome
olho-as e quase desconheço os lugares
e os cheiros
e todos os nomes do caderno preto

vejo o mar
e o mar parece um amontado de ruínas de cimento
vejo as árvores
e todas as árvores mortas nas janelas dos pássaros sem cabeça
perdidos no meu álbum de fotografias
vejo o mar
e todos os barcos são pedaços de madeira
dentro dos dias ensanguentados de insónia
e princípios de solidão
os calafrios da morte
a preto e branco
nas equações do amor...

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

e à noite deixei de ouvir-te

deixei de sentir o peso do meu corpo
e o vento levou-me o coração de silício
que eu transportava nas palavras
e escondia dentro do meu peito

escondo-me na tua voz invisível
e inaudível
que também ela se esconde nas tardes junto ao Tejo

deixei de sentir os abraços do inverno
e o beijos da primavera
deixei de sentir o peso do meu corpo
sobre a água salgada onde se suicidam os barcos do verão
com a voz cansada dos pedaços de cigarros em decomposição
na sepultura do amor

escrevo-te

despeço-me dos teus lábios antes de cair a noite
dentro dos lençóis da loucura
despeço-me com justa causa
ausência
infinitamente entre paredes e veredas de xisto
escrevo-te

e despeço-me

e será que me ouves quando abres a janela da torre do teu castelo de algodão?
Deixei de sentir as nuvens
e os finíssimos gemidos dos grãos de areia das brincadeiras no Mussulo
e deixei de ouvir as lanternas mágicas na rua com escadas para o sótão dos enganos
hoje timidamente ausente de ti e de mim e do próprio vento
e despeço-me
escrevo-te
da ausência do peso...

sou um pássaro de papel
que voa em direcção ao buraco da solidão

escondo-me
escrevo-te
da ausência do peso das palavras
que escreves nas paredes do meu esconderijo
a noite
e à noite deixei de ouvir-te

terça-feira, 14 de agosto de 2012

eternamente só dentro dos silêncios da noite

madrugada
hoje
sem encontro marcado
com a alvorada transparente

hoje
eternamente só dentro dos silêncios da noite

madrugada
hoje
sem flores na algibeira
o néon agoniado pelo balançar da calçada
a maré cresce
e leva todos os corpos para longe

gaivotas com asas de beijos
mergulham nos púbis felizes dos poemas entre mãos
madrugada
hoje
entre mãos
e os dias que desapareceram do calendário suspenso na parede do amor

viagem
hoje
eternamente só dentro dos silêncios da noite

madrugadas
de papel
entre mãos
e flores queimadas sobre o soalho da tristeza
vem a solidão
vem o mar sem espuma
e leva todos os corpos filhos da madrugada
hoje.

Estrelas sem coração

Este meu destino
de sobriamente abandonado pelas aves das trevas
quando do relógio das pálpebras
emergem as candeias e
e deus desce pelas escadas de cartão
e o meu corpo transforma-se em vento ensanguentado
entre papeis
e mulheres de porcelana

amores risíveis
mas não
ou então

das ruas miseráveis da plenitude madrugada
um homem sem cabeça
apaixonadamente ama
ama verdadeiramente o quê?
Se o céu é de fogo
e da terra
oiço as frestas cansadas das estrelas sem coração
o amor?

E da terra
se o céu é de fogo
ama verdadeiramente o quê?
o amor?

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

As noites sem paixão

O amor
é uma coisa defecada
numa esplanada
junto ao rio,

sem palavras
entre coisas loucas
e poucas loiças coisas apaixonadas

sem cabeça
as flores do amor defecado

as malditas flores
dos coisos
coisos amores loucos
poucos em ti
as noites sem paixão

O amor
é uma coisa defecada
numa esplanada
junto ao rio,

(um rio que nunca foi rio
numa cidade com prédios de plasticina
e amêndoas doces
um rio construído na amargura
sem barcos
nome
ou um simples número de polícia
um barco sem braços e sem pernas devorado pelos livros da aldeia em ruínas
sem cabeça
as flores do amor defecado
poucos em ti
as noites sem paixão)

só existe uma forma de ser feliz;
voar como os pássaros
e ser louco como os poetas
e ser livre
livre dentro da noite
como todos os travestis invisíveis da cidade.
http://cachimbodeagua.blogs.sapo.ao

Nuvens de vidro


Uma nuvem de vidro
em lábios amores
à procura de palavras
e tenras flores

uma nuvem sem sentido
de vidro cansado e triste
às palavras sem sorriso
na maré que resiste

uma nuvem de vidro
à janela da madrugada
em lábios amores
amores de nada.

domingo, 12 de agosto de 2012

Eternamente belas as flores de papel

Eternamente belas
as flores de papel
que pintei no tecto do bairro (Madame Berman, Luanda)
entre as mangueiras solitárias
e o triciclo de madeira
suspenso nas frestas da saudade
e todas as noites regresso
e do portão de entrada
oiço as garças em silêncio no estuário do Tejo
e os barcos de xisto em desassossego para me encontrarem
e não percebem que morri
porque desisti das flores de papel

desisti do tecto do céu
e das esquinas onde me sento na cidade sem nome

desisti das portas invisíveis
onde todas as noites
construo milhares de flores de papel

desisti dos cigarros
e das garrafas de vodka
e vivo numa seara de livros
velho
entre quatro paredes em ruínas
nas crateras dos quintais do bairro sem sossego
das noites de abelhas sem desejo
nas clarabóias da insónia...

sábado, 11 de agosto de 2012

As tardes de papel

Dentro do medo
os legumes incisivos do orvalho
na rua do silêncio
olho o suicídio do rio
de encontro ao petroleiro desgovernado

cansado
com frio
dentro do medo
o ar-condicionado com escutas
para escutar o medo
e os legumes incisivos do orvalho
entre o cio de uma louca suspensa na copa de uma árvore
e LUDO (do livro Teoria Geral do Esquecimento, J E Agualusa)
dentro das paredes invisíveis do apartamento de Luanda
e aos poucos esqueço-me que estive em Luanda
inventei meninos e meninas da areia do Mussulo
quando a tarde era de papel

hoje
hoje sou um velho com olhos de vidro
e que vive dentro do buraco do medo
em busca dos legumes incisivos do orvalho

(Tenho saudades do SABALU, do livro Teoria Geral do Esquecimento, J E Agualusa)

quando eu galgava as mangueiras
e LUDO
e LUDO inventava um abraço só para mim...

e tudo morreu.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Livros sem nome

Acorrentado às palavras do amor
oiço da janela da solidão
os silêncios pigmentados na tela do desejo
procuro-te incessantemente nos livros sem nome
e apenas pequeníssimas migalhas de suor
minguam pela esplanada da insónia,

Ela hoje não vem.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Dizem que é uma pedra fina e rija

Dizem que a solidão
é uma pedra fina e rija
e vive nas montanhas da insónia

que é uma pedra com esqueleto de faca
para cortar os corações
e as flores que dormem nos jardins sem poesia

dizem que a solidão
uma noite
entrou dentro do corpo dele
que anda vestido de tristeza
e às vezes vêem-se lágrimas de papel
com pequeníssimos pingos de amanhecer.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Estar só

Estar só
entre a chuva odiada
quando derramada
dentro dos alicerces do cansaço
à espera do sono
perdido na memória
estar só
sentado numa pedra sem nome
sem destino
sem futuro
sem caminho
entre a chuva odiada

estar só
no silêncio das palavras aparvalhadas
quando derramadas
nos canteiros com flores adormecidas
cansadas
fodidas
como eu
sem janelas
nem portas para o céu
estar só
como eu
sem tecto para poisar o meu esqueleto ensanguentado de insónia...

Algures em pleno deserto...

terça-feira, 7 de agosto de 2012

as carícias do homem morto

Estas coisas são patéticas
como o amor
o sol
e as nuvens
a paixão é patética
e às palavras faltam-lhes as carícias do homem morto

sou patético
e sem significado

(ALBERTÔ)

sinto nas minhas palavras
as palavras de “merda”
patéticas
sou patético
e sem significado

(NÃO TENHO SONHOS
NEM ACREDITO NO FUTURO)

Estas coisas são patéticas
como o amor
o sol
e as nuvens

e não tenho jeito para a meteorologia da poesia.

domingo, 5 de agosto de 2012

As paredes da insónia

Eu acreditava
nas palavras de ti
sem perceber que em cada noite
desaparecia uma estrela no céu

hoje as palavras de ti
são fantasmas...

néons em magras sepulturas
que procuram a noite
nos caixotes de lixo da cidade
entre os parêntesis do entulho
e a vaidade
entre a saia bordalesa
e a vodka em beijos silenciosos aos cigarros proibidos
e deixei de acreditar nas palavras de ti

hoje as palavras de ti
são fantasmas...

imagens desfocadas
nas paredes da insónia.