segunda-feira, 16 de janeiro de 2023
domingo, 15 de janeiro de 2023
Coitado do Alfredo
No quarto ao lado, o senhor Álvaro de Campos preocupado com o Esteves à porta da Tabacaria e com a pequena se come ou não come os chocolates, porque comer chocolates é a melhor coisa do mundo; metafisica pura.
No meu quarto, nada.
Nem o Esteves à porta da
Tabacaria, nem a pequena a comer chocolates, no meu quarto apenas tenho uma
jarra com flores, flores muito velhas, flores sem nome, flores…
No meu quarto, ao lado do
quarto do senhor Álvaro de Campos, em frente à Tabacaria, vejo-me no espelho do
guarda-fatos, e não vejo nada, nem vejo o mar, nem vejo os filhos do mar e os
irmãos do mar e os irmãos dos filhos do irmão do mar, no meu quarto, este
quarto, oiço o senhor Álvaro de Campos,
oiço-o e percebo que do outro lado da rua, da minha rua, rua que nunca tive,
porque nunca tive uma rua na minha vida, percebo que na minha rua há um gato, o
Alfredo, um gato negro com uma estrela branca no peito, neste quarto, no meu
quarto, o Alfredo olha-me e eu olho-o, e a única diferença entre o Alfredo e o
crucifixo pendurado na parede, é que ambos gostam de mim; ao menos isso.
No quarto ao lado, neste
quarto, este meu quarto, tenho sentado na cama um Pacheco descontente com a
vida, descontente com o senhor Álvaro de Campos, descontente com todos os
chocolates e com todas as pequenas que comem chocolates; quer lá saber o
Pacheco dos chocolates do senhor Álvaro de Campos, enfim sós, ambos, os dois,
os três, os quatro, nada.
No quarto ao lado do
senhor Álvaro de Campos, o meu, o meu quarto, há uma janela virada para o
Oceano, uma janela de sono, uma janela com lábios de espuma e nos olhos traz as
estrelas deitadas fora pelo senhor Álvaro de Campos, coitado, coitado dele e de
mim, coitado…
Poiso a cabeça no teu
beijo, deixo-me ficar por lá e por cá, levanto a cabeça, poiso a cabeça sobre o
teu seio direito, não porque o teu seio direito seja mais belo de que o teu
seio esquerdo, mas porque o teu seio direito está perto da janela virada para o
Oceano, beijo-o ferozmente, beijo-o como se apenas tivesse segundos de vida e
fosse esta a minha despedida, depois abro a janela, lá fora começa a erguer-se
o nosso último pôr-do-sol, pego nele, prendo todos os barcos ao pôr-do-sol,
depois, depois acaricio o teu seio esquerdo, e puxo todos os barcos para este
pobre quarto, ao lado do quarto do senhor Álvaro de Campos.
O Pacheco está cá, não se
importa se eu beijo o teu seio direito, não se importa se eu acaricio o teu
seio esquerdo e tão pouco se puxo todos os barcos para dentro do quarto.
Tão pouco se importa se
eu poiso a cabeça no teu beijo, quer lá saber o Pacheco do teu beijo…
Abro as gavetas que há em
mim, deito lá os barcos e adormeço-os; tão felizes que eles estão, tão felizes,
meu amor.
Beijo o teu ventre, e com
o rio que trago nas mãos, um rio sem nome e muito pequenino, escrevo todas as
palavras do amanhecer,
Coitado, coitado do
senhor Álvaro de Campos, coitado,
E não sabíamos que o
crucifixo nos olhava.
Coitado do Pacheco, coitado…
Tão tristes, tão tristes
estes barcos dentro das minhas gavetas, muitas, poucas, gavetas, gavetas onde
escondo o silêncio do décimo terceiro andar.
Desenho no teu peito,
desenho no teu peito um quadrado, um círculo, desenho no teu peito a primeira
manhã de Inverno, na terceira rua, vire à esquerda, à esquerda do teu seio
direito, uma nuvem, um silêncio, o beijo que se esquece no teu doce seio
direito.
À porta da Tabacaria, o
Esteves, coitado do Esteves. Coitado.
Coitado de mim.
Coitado do Pacheco.
Coitado dele.
Coitado de mim.
E coitada da pequena que
tem de comer os chocolates. Coitada ela.
Coitado de mim.
Coitada.
Coitada dela.
Um grito. A voz
alicerça-se às tuas mãos, mãos finas e débeis, mãos de árvore ensonada, mãos
que também elas, também elas, elas gritam, gritam, gritam como gritam os teus
uivos nas vidraças desta janela, e sabes meu amor, vivemos neste complexo Universo
criado por Deus, Deus todo-poderoso, criador de todas as coisas visíveis e
invisíveis, pai do Alfredo, que num ápice resolveu descansar ao Domingo, mas ao
Domingo já não há descanso de pessoal, ao Domingo, que o Domingo seja a
primeira canção da manhã.
Poderia ser, não o é, mas
enquanto o teu seio direito é loucamente beijado, os meus lábios caminham em
direcção ao sono. Fumo um cigarro. Olho-te nua, perdida nas minhas mãos… e
todos os corpos ressuscitam ao terceiro dia.
Nos dedos, finos, magros,
na ponta dos dedos uma gaivota, uma árvore, os suspiros do senhor Álvaro de
Campos, os gritos do senhor Pacheco, gritos, gritos, urros, gemidos, porra, foi
bom, foi maravilhoso, um poema, um adeus.
E enquanto a pequena come os chocolates, tu,
meu amor, tu escondes-te também, tal como os barcos, numa das gavetas que há em
mim.
Coitado do senhor Álvaro
de Campos.
Coitado do Pacheco.
Coitada da pequena que
deixou de comer os chocolates.
Coitados.
Coitado de mim e do
crucifixo que sempre nos olhou; tenho pena…
E o que pensará este crucifixo
enquanto beijo o teu seio direito?
Alijó, 15/01/2023
Francisco Luís Fontinha
(ficção)
Deus da ausência
Do lápis negro
Carvão da ínfima linha do
horizonte
Manhã que se suicida nas umbreiras
do mar
Pedaço de rio
Quando na saudade
Um pequeno livro
Dentro do teu livro
Às palavras que grito
Quando o sono de inveja
Poisa no teu corpo.
Somo duas
Éramos três flores com
espinhos
Quando a alma diz ao
Diabo
Que do dia nada de bom
Porque só a noite te
envenena
Na noite que te lamenta.
Verga-te
Deita-te dentro do sono
Quando uma laranja
Fica esquecida na tua
mesinha-de-cabeceira.
O despertador acorda-te
Tu ergues-te
Tu vives
Enquanto dentro de ti
Em mim
Que sou eu
Morre.
Um docinho.
Poiso a cabeça
Sobre o teu peito
Teu seio direito
Beijo-o
Beijo-o porque está
pertinho da janela
Da janela com vista para
o Oceano
Abro-a
Beijo-o
Pego no pôr-do-sol
Ato-o a todos os barcos
Beijo-o
Puxo-os e acomodo-os no
meu quarto
Volto ao teu seio direito
Beijo-o
Puxo-os
Eles dormem
Elas dormem
Morrem
Fumam
Deitam-se nas tuas coxas
de incenso
E também eles
E também elas
Morrem.
Com o lápis escrevo
Apagas com a borracha
O que escrevo
Dos meus beijos
Às minhas mãos.
Grito.
Sinto-o dentro deste
silêncio
Quando dentro das
sanzalas
Uma criança
Pede pão
E um não
Pão
Quando o tempo
Se mata aos teus olhos
Dentro dos olhos
O querido Deus da
ausência.
Fecho a janela
Deito a cabeça
Beijo o teu seio esquerdo
Deixo em poiso o teu seio
direito…
E vou adormecer todos
estes barcos.
Alijó, 15/01/2023
Francisco Luís Fontinha
“come chocolates, pequena, come chocolates… olha que não há coisa melhor no mundo de que comer chocolates…”
Coitado do senhor Álvaro
de Campos, como se não houvesse coisa melhor no mundo de que comer chocolates,
Olhe, por exemplo, fazer
amor com a mulher que se ama, abraçar a mulher que se ama, olhar os olhos da
mulher que se ama, olhar as estrelas que a mulher que se ama semeia no nosso
olhar,
Coitado, coitado do
senhor Álvaro de Campos,
Olhe, por exemplo, dar um
tiro nos miolos aos vinte e seis anos como o senhor Mário de Sá-Carneiro,
Ou…
Tanta coisa, coisas boas,
de que comer chocolates.
Alijó, 15/01/2023
Francisco Luís Fontinha
sábado, 14 de janeiro de 2023
À janela da erecção
(o autor deste blog pede
desculpa aos seus leitores pelos poemas, texto e pinturas/desenhos de merda,
sem nexo, que vai publicando)
Foi à janela, correu o
cortinado e quando procurava um cigarro na algibeira para desassossegar as
palavras que trazia aprisionadas no pequeno bolso da camisa, junto ao peito,
percebeu que durante a noite alguém tinha furtado a estátua que sempre conheceu
em frente à sua casa.
Quem seria o autor de tal
acto, pensou ele. Quem queria ter em casa, se esta estátua depois de furtada
foi transportada para uma casa, a estátua de um poeta.
Eu por exemplo, não
queria.
E se ao menos fosse uma
estátua de carne e osso, de uma mulher… agora uma estátua em bronze, com um
tipo sentado numa pedra, segurando a cabeça para não cair devido à força da
gravidade,
E no vácuo, um pedregulho
e uma pena, deixados cair da mesma altura, caem ambos ao mesmo tempo.
Tal como a erecção, o
poeta enforcado descobriu, enquanto da janela, além de perceber que faltava a
estátua do poeta e ao longe se aproximava um grande paquete carregado de almas
em desejo, o poeta enforcado descobriu que Deus não percebia nada de
matemática, mas também para que Deus precisa de saber matemática se Deus não
trabalha, nada faz; trabalhou seis dias, descansou ao Domingo e de lá para cá…
vai andando por aí.
Correu os cortinados, foi
até à secretária, sentou-se e depois de abrir o portátil começou a desenhar em
palavras o poema da Erecção,
Erecção
Passeio os meus doces
dedos
Na fina e lívida tua pele
cerâmica.
Sinto nos meus dedos o
sono da manhã
Que abraçados aos teus
seios
Transportam o desejo em
direcção à lua.
Passeio os meus dedos
No teu corpo,
Nos teus lábios,
E desenho no teu ventre o
silêncio gemido
Das acácias em flor.
Passeio os meus dedos
Nas palavras que gritas,
Que gritas quando estás
embrulhada
Nos lençóis do prazer;
E do teu sorriso acorda
uma nova madrugada.
Porque Deus criou a
saudade, pergunto-me enquanto olho para a janela e nela aparece a sombra
cintilante da maré.
Ausento-me deste velho
corpo recheado de silvas, urtigas e lágrimas de sono, ausento-me das manhãs de
todos os dias e em todos os dias afogo as manhãs, das manhãs dos dias, escondo
a noite nas tuas coxas e sei que a saudade sempre estará à janela.
A lareira está a morrer,
como morrem todas as coisas; as visíveis e as invisíveis, as palavras, também
elas morrer, também elas sofrem dentro do cubo camuflado do desejo.
A erecção acorda,
ergue-se e levita nas margens cinzentas deste rio, e às vezes, a erecção do
sono que desce sobre as planícies que ditam ao silêncio esconde-se na mão de
Deus todo-poderoso, criador do céu e da terra, criador do pénis e da vagina,
criador do silêncio e da solidão, Deus, Deus criador da maçã e que fez com que
mais tarde Newton percebesse a existência da gravidade, e de gravidade em
gravidade, todos os dias, todas as noites, a erecção acorda; existirá erecção
no vácuo?
E a maçã?
Que tem a maçã, meu
parvalhão?
Comeu-a.
Comeu-a enquanto Adão
teve uma erecção.
(eis as merdas que
escrevo, eis as merdas que faço)
Alijó, 14/01/2023
Francisco Luís Fontinha