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sábado, 14 de janeiro de 2023

À janela da erecção

(o autor deste blog pede desculpa aos seus leitores pelos poemas, texto e pinturas/desenhos de merda, sem nexo, que vai publicando)

 

 

Foi à janela, correu o cortinado e quando procurava um cigarro na algibeira para desassossegar as palavras que trazia aprisionadas no pequeno bolso da camisa, junto ao peito, percebeu que durante a noite alguém tinha furtado a estátua que sempre conheceu em frente à sua casa.

Quem seria o autor de tal acto, pensou ele. Quem queria ter em casa, se esta estátua depois de furtada foi transportada para uma casa, a estátua de um poeta.

Eu por exemplo, não queria.

E se ao menos fosse uma estátua de carne e osso, de uma mulher… agora uma estátua em bronze, com um tipo sentado numa pedra, segurando a cabeça para não cair devido à força da gravidade,

E no vácuo, um pedregulho e uma pena, deixados cair da mesma altura, caem ambos ao mesmo tempo.

Tal como a erecção, o poeta enforcado descobriu, enquanto da janela, além de perceber que faltava a estátua do poeta e ao longe se aproximava um grande paquete carregado de almas em desejo, o poeta enforcado descobriu que Deus não percebia nada de matemática, mas também para que Deus precisa de saber matemática se Deus não trabalha, nada faz; trabalhou seis dias, descansou ao Domingo e de lá para cá… vai andando por aí.

Correu os cortinados, foi até à secretária, sentou-se e depois de abrir o portátil começou a desenhar em palavras o poema da Erecção,

 

Erecção

 

 

Passeio os meus doces dedos

Na fina e lívida tua pele cerâmica.

Sinto nos meus dedos o sono da manhã

Que abraçados aos teus seios

Transportam o desejo em direcção à lua.

 

Passeio os meus dedos

No teu corpo,

Nos teus lábios,

E desenho no teu ventre o silêncio gemido

Das acácias em flor.

 

Passeio os meus dedos

Nas palavras que gritas,

Que gritas quando estás embrulhada

Nos lençóis do prazer;

E do teu sorriso acorda uma nova madrugada.

 

Porque Deus criou a saudade, pergunto-me enquanto olho para a janela e nela aparece a sombra cintilante da maré.

Ausento-me deste velho corpo recheado de silvas, urtigas e lágrimas de sono, ausento-me das manhãs de todos os dias e em todos os dias afogo as manhãs, das manhãs dos dias, escondo a noite nas tuas coxas e sei que a saudade sempre estará à janela.

A lareira está a morrer, como morrem todas as coisas; as visíveis e as invisíveis, as palavras, também elas morrer, também elas sofrem dentro do cubo camuflado do desejo.

A erecção acorda, ergue-se e levita nas margens cinzentas deste rio, e às vezes, a erecção do sono que desce sobre as planícies que ditam ao silêncio esconde-se na mão de Deus todo-poderoso, criador do céu e da terra, criador do pénis e da vagina, criador do silêncio e da solidão, Deus, Deus criador da maçã e que fez com que mais tarde Newton percebesse a existência da gravidade, e de gravidade em gravidade, todos os dias, todas as noites, a erecção acorda; existirá erecção no vácuo?

E a maçã?

Que tem a maçã, meu parvalhão?

Comeu-a.

Comeu-a enquanto Adão teve uma erecção.

 

(eis as merdas que escrevo, eis as merdas que faço)

 

 

 

 

 

Alijó, 14/01/2023

Francisco Luís Fontinha