sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

O sopro do vento

 

Não peças ao vento

Que o vento te traga o vento,

Quando o vento

É o alimento,

No alimento do vento.

 

Não peças ao vento

Que o vento beije o outro vento…

Porque o outro vento,

Neste momento,

É o vento do vento.

 

E se o vento

A quem pedes o vento,

Não for o teu vento,

E o vento do outro vento…

For o veneno do teu vento.

 

 

Alijó, 13/01/2023

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

 

Ter fé (acreditar muito) que algo estranho, invisível e externo me vai ajudar na luta para me curar de uma doença muito grave, é igual a ter um automóvel (sem bateria) e eu tentar pô-lo a trabalhar.

É claro que é impossível pôr um automóvel a trabalhar sem bateria (estando este por exemplo dentro da garagem num plano horizontal e imobilizado).

Por muita fé que eu tenha, o automóvel nunca irá trabalhar.

 

 

Francisco

11/01/2023

O assassino de telas

 

Conheci o Alfredo numa noite de copos e charros, conversávamos de literatura e poesia, e logo que o olhei percebi que além de estar todo vestido de negro com uma estrela branca no peito, era tímido.

No final da noite levei-o para casa, acomodei-o e dei-lhe comida, e quando o questionava sobre este ou aquele assunto, o Alfredo apenas me respondia que sim ou que não, e confesso que me é muito difícil conversar com alguém que quando questionado apenas responde, sim ou não.

Às vezes, acordava maldisposto, muito triste, mas sempre pensei que se devia ao facto de ele estar ausente da família e daqueles que amava.

Nunca percebi a tristeza do Alfredo.

Hoje, enquanto assassino telas em branco com os riscos de merda que lá coloco, o Alfredo olha-me como se me estivesse a dizer…

Oh meu rapaz, deixa-te de pincelares e assassinares telas porque não tens jeito nenhum para isso,

E quando olho as telas assassinadas por mim, percebo que o Alfredo tem toda a razão.

O Alfredo é um gatinho, é invisível e todas as noites me visita enquanto eu assassino telas e folhas de desenho.

Coitado do Alfredo; ter que conviver e coabitar com um assassino de telas e de folhas de desenho.

 

 

Alijó, 12/01/2023

Francisco Luís Fontinha

(ficção)

Sombra do mar

 

Enquanto a noite dorme

(porque a noite também dorme)

Oiço o silêncio das lágrimas que se desprendem do teu rosto

Que se transformam em lâminas afiadas

E cortam em pedacinhos

A sombra do mar,

 

E se a noite dorme

E demora a acordar

Quando desespera nos braços do mar

Os teus olhos de estrela Polar,

Também elas, a sombra do mar.

 

 

 

Alijó, 12/01/2023

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Muros de insónia

 Converso com as palavras deste pobre rio

Onde se afunda o barco da minha vida,

E todas as noites

Uma nuvem de sono foge de mim pela janela,

Aquele barco sem braços

Sem mãos para acariciar o meu rosto desassossegado,

Uma vida entre muros de insónia

E inocentes sorrisos de amanhecer,

 

Quando acordo,

Trago comigo a noite

Onde me visitas

E me repreendes,

 

Depois vêm a mim as roupas negras

Que transportas sobre os ombros

Mas sei que és apenas poeira

E pequenas sombras de embriaguez,

 

Como eu queria estar nos teus braços

Como quando em menino

Me levavas a ver as estrelas…

 

E se estou vivo…

Se estou vivo

Devo-o a ti,

E junto às palavras deste pobre rio com quem converso

Troco a noite por pequenas bugigangas

Coisas poucas

Coisas de quase nada,

Enquanto viajas pelo Universo.

 

 

 

 

Alijó, 11/01/2023

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Um negro quadro de uma manhã de Sol

 

Se eu fosse uma obra de arte, qualquer que ela seja, gostava de ser um quadro negro; talvez porque o negro represente a noite, talvez porque o negro represente a tristeza.

Depois, depois imagino-me pendurado numa parede, uma parede sem janelas, uma parede, também ela, tal como a obra de arte, negra.

Quem vai olhar para uma obra de arte, um quadro pincelado de negro?

Quem vai olhar para uma parede, pintada de negro onde está pendurado uma quadro negro?

Claro que ninguém.

Assim vejo as minhas telas; negras, noite e tristeza.

Ninguém me faz triste. Nasci triste, cresci triste.

Mas será que toda a noite é triste?

Os meus pais, ambos falecidos por cancro, morreram durante a noite; ambos às 1:00h da madrugada. Concluo que para eles, a noite e devido ao elevado sofrimento, não foi de tristeza, mas de uma enorme alegria.

Para mim, essas noites foram de tristeza.

Mas acredito que em biliões de pessoas que habitam o planeta Terra, uma pelo menos, uma só, acha que um negro quadro é uma manhã recheada de Sol.

 

 

Alijó, 10/01/2023

Francisco

Tempestade

 

Escuta,

Acredita que depois de uma tempestade,

Uma grande tempestade,

O Sol brilhará nos olhos da madrugada,

 

A lua crescerá nos lábios da noite,

E há uma criança que nos sorri…

Porque as crianças,

As crianças são o Sol de cada dia

E a lua de cada noite,

 

Escuta,

Não deixes que as tuas lágrimas

Sejam a rega daqueles que ficam felizes com a tua tristeza…

 

Escuta,

Ouve,

Caminha junto ao mar,

E quando perceberes,

O mar…

O mar estará poisado na tua mão.

 

 

Alijó, 10/01/2023

Francisco Luís Fontinha