terça-feira, 1 de novembro de 2022

Esta folha em branco

 Escrevo-te nesta folha em branco,

Triste, frágil e só,

Nesta folha de onde oiço as tuas lágrimas,

Desta folha onde crescem as palavras…

Escrevo-te, enquanto o sol sorri

 

E a lua não cessa de chorar.

Escrevo-te nesta pobre folha em papel cansado,

Nesta folha lapidada pelo silêncio da madrugada,

Escrevo-te, sabendo que no teu peito de menina

Dormem as flores das noites de insónia,

 

E brincam todas as pedras cinzentas da alvorada.

Escrevo-te, enquanto as sanzalas da minha infância

Ardem nas mãos de um louco,

Enquanto as sanzalas da minha infância são apenas

A saudade de um menino suspenso nos calcões de uma tarde de chuva.

 

Escrevo, nesta frágil folha,

Escrevo-te sabendo que jamais irás ler estas rasuradas palavras

Que deixei morrer junto ao mar;

E junto ao mar

Acredito que ressuscitarás,

 

Como um qualquer Jesus Cristo.

Escrevo-te, hoje, porque apenas tinha esta pobre folha

Que andava esquecida na minha algibeira,

Nesta pobre algibeira

Onde dormem os cigarros que me irão matar.

 

 

 

Alijó, 1/11/2022

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Tardes sem poesia

 Os braços morreram, enquanto estes parvos pássaros

Parecem felizes e contentes,

Os rios secaram, mas quanto aos peixes, brincam

Nos teus olhos de milhafre,

E do mar,

 

As pobres geadas das manhãs de Inverno.

Os barcos minguam sob o luar dos teus lábios,

As palavras que vêm a mim…

Tal como os braços, também elas morreram,

E ficou apenas uma velha caneta de tinta permanente

 

Esquecida sobre a secretária da insónia.

Os papeis, todos os desenhos e todas as sombras…

Ardem na tua boca infestada de desejo;

Os braços morreram, as palavras morreram,

Apenas restam as pequenas janelas do sótão

 

Onde habitam ratazanas, árvores e desejos…

Os braços morreram, os pássaros contentes

Escondem-se nas pequenas sílabas do inferno,

E uma sanzala de medo diverte-se nas tristes manhãs

Onde poisam os socalcos da saudade,

 

E as enxadas do silêncio.

Ergo-te as mãos enquanto oiço a morte dos braços

E as brincadeiras dos parvos pássaros,

Invento-me e escondo o mar

Na algibeira das tardes sem poesia.

 

 

 

Alijó, 31/10/2022

Francisco Luís Fontinha

As lágrimas de uma espada de sombra

 

Todas as noites

Cortas-me a cabeça com as tuas mãos de sono,

Acorrentas-me às esplanadas da insónia,

Enquanto no meu peito, uma lâmina de luz, morre.

Já sem cabeça, sento-me nesta pedra

Que chora sempre que a olho,

E também eu, choro quando lhe toco.

Nos meus olhos, um assassino de palavras

Brinca como se fosse uma criança inocente,

Como todas as crianças inocentes,

E eu, impávido, acredito no assassino de palavras;

Verto lágrimas sobre esta pequena folha em papel

Que apenas serve para que esta espada de sombra

Se limpe e purifique do crime cometido.

E o meu corpo jamais será comestível pela espada de sombra.

 

 

Alijó, 31/10/2022

Francisco Luís Fontinha

Os seios do mar

 


Pego na tua mão

E escrevo nos teus olhos

As lágrimas palavras da manhã,

Pego nos teus lábios

E desenho o silêncio

 

Que se abraça ao beijo,

Pego no teu sorriso

E bebo o veneno

Que cresce na paixão…

E um livro acorda nos seios do mar.

 

 

Alijó, 31/10/2022

(palavras e quadros de Francisco Luís Fontinha)


domingo, 30 de outubro de 2022

Terra sonâmbula dos parêntesis em lágrimas

 Naquela terra de ninguém, num corredor frio e escuro, minúsculo, habitava uma janela para o quintal, do outro lado, uma criança semeava o teu rosto na terra agreste e recheada de pedregulhos onde existiam algumas árvores com folhas em papel e arbustos com sorriso de prata, depois, sem perceber porque tínhamos uma pequena jarra com flores, onde te sentavas junto a ela, via-te desenhar círculos de luz na terra sonâmbula dos parêntesis em lágrimas; e voaste abraçada aos pássaros da noite.

Quantos barcos cabem no mar, meu querido.

Depende.

Depende de quê, meu querido.

Do tamanho dos barcos.

Como assim?

Se os barcos forem magros, cabem muitos. Se os barcos forem gordos, cabem menos.

Não percebo.

Naquela tarde, depois da despedida, fui para o quarto, cerrei a porta e, chorei muito. Peguei num livro com poemas de AL Berto, abri-o na página quinze e percebi que o mar poderia entrar pela janela, não tive medo, pois a minha janela era tão pequenina que seria impossível que este entrasse e se abraçasse ao meu peito.

Trago no peito o silêncio da noite, um porto de acolhimento abraça todos os barcos, mas aqueles que eu mais gosto de abraçar, são os petroleiros com olhos pincelados de rímel, e que nas mãos transportam telegramas sem remetente. Afundo-me nos teus braços, meu amor.

Porque todos os poços têm uma saída, porque todos os braços têm um ramo de flores, ergui-me da cama, abri a minúscula janela e lancei-me contra os rochedos das lágrimas em combustão, depois, abri os braços e comecei a voar…

E fui semeando flores sobre o rio.

Depende.

Depende de quê, meu querido.

Do tamanho dos barcos.

Como assim?

Esquece, nunca irás perceber.

 

 

 

Alijó, 30/10/2022

Francisco Luís Fontinha

(ficção)

Monstro

 

Este monstro que sou

Que cresceu dentro do meu peito

Este monstro que fui

E voa como voam os sonhos

E morre como morrem todos os sonhos

 

Este monstro que sou

E semeia as palavras nas tuas mãos

Que desenha monstros no teu olhar

Este monstro

Que sou e fui

 

E serei

Enquanto o mar se despe e envenena a noite

Este monstro

O meu monstro

Que fui que serei que monstro será eternamente enquanto houver luz

 

 

 

Alijó, 30/10/2022

(palavras e quadro de Francisco Luís Fontinha)

Lágrimas de uma fotografia

 

Porque dormem estas fotografias

Que hoje são poeira

Porque choram estas fotografias

Que ontem eram alegria

E hoje

São pedacinhos de saudade.

 

Porque brincam estas fotografias

Na sombra da minha biblioteca

Onde habitam livros

Homens e mulheres

Crianças e palhaços

Deste circo que é a vida.

 

Porque guardo estas fotografias

Dentro do meu silêncio

Porque escrevo na parte de trás destas fotografias

As palavras envenenadas das tristes tardes de Outono

Quando eu era criança

E hoje sou apenas uma árvore que tomba sobre o mar…

 

 

 

Alijó, 30/10/2022

(palavras e quadro de Francisco Luís Fontinha)