domingo, 2 de outubro de 2022
Os machimbombos do avô domingos
Pego neste cigarro que brevemente se vai extinguir nas minhas mãos;
Como tudo o que me
pertence, deixa de me pertencer…
E extingue-se nas minhas
mãos.
As palavras morrem.
As imagens que habitam em
mim,
Morrem ou ficam amuadas
como uma criança mimada,
Se toco numa árvore,
morre.
Se toco em alguém… fica doente
e morre,
E até estes livros que me
pertencem…
Todos eles, mortos.
Morreram as imagens da
minha infância,
Morreram as fotografias
da minha infância…
Morreram as minhas
flores,
E todos os meus
brinquedos…
E até o meu grande amigo “chapelhudo”
morreu
Numa tarde qualquer, em
Luanda.
Morreram todos os barcos
da minha infância,
Morreram as gaivotas da
minha infância…
… e pego neste cigarro
que brevemente se vai extinguir nas minhas mãos,
Sabendo que também ele
será a morte.
Morreu o avô Domingos.
Morreu o meu pai.
Morreu a minha mãe.
E até a merda dos
machimbombos morreram…
E hoje não passam de
sucata.
Como eu.
Sucata amarrotada sentado
num jardim invisível.
Alijó, 2/10/2022
Francisco Luís Fontinha
sábado, 1 de outubro de 2022
Palavras em flor
Trazes a mim
Os ruídos silenciados das
palavras em flor,
Como um triste jardim
Que se esconde na dor,
Como um triste luar
Quando dança sob as
nuvens da madrugada.
Trazes a mim o triste mar
E todas as tristes palavras
da alvorada,
E todos os tristes rostos
das tardes em delírio…
Porque somos apenas
pequenos instantes em construção,
Porque somos apenas um
pequeno rio
Na mão dos aciprestes enforcados;
Trazes a mim esta canção
Onde poiso os meus olhos
amarrotados.
Alijó, 1/10/2022
Francisco Luís Fontinha
sexta-feira, 30 de setembro de 2022
Instante
Cada instante
É uma estrela em
movimento,
Nesse instante
Há um corpo que poisa
sobre o silêncio,
Em cada silêncio,
Há um pequeno instante,
E um corpo que se ergue
Contra medo,
Em cada instante
Desperdiço o instante
anterior,
Aquele em que o meu corpo
Poisava sobre o silêncio,
Mas agora que deixei de
ter instantes,
E tenho movimento,
Posso dizer que sou uma
velha estrela…
De cada instante.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 30/09/2022
Pedra cinzenta
Somos
árvores que tombam no chão,
Somos
o silêncio que rompe a madrugada,
Somos
letra de canção,
E
não somos nada…
Somos
a guerra em poema,
Espelho
no quarto abandonado,
Somos
a voz em chama
Num
corpo ancorado,
Somos
árvores, somos a saudade…
Somos
as lágrimas do mar,
Somos
as ruas da cidade
Que
a manhã alimenta,
Somos
raiva, somos luar,
Somos
esta triste pedra cinzenta.
Alijó,
30/09/2022
Francisco
Luís Fontinha
quinta-feira, 29 de setembro de 2022
O tempo enquanto há tempo
Somos pequenos farrapos junto á lareira,
Inúmeras folhas
amarrotadas,
Somos palavras,
Somos corpos em poeira,
Somos fotografias
poisadas no nada,
Somos espelhos que
habitam a noite cansada,
Abraça o teu filho
Enquanto o tempo te
pertence,
Somos um rio sempre a
correr,
Somos músicas das paisagens
lunares,
Somos a maré e todos os
mares…
Somos corpos a
envelhecer,
Somos árvores que tombam
no chão,
Somos guerra, somos
canção,
Somos pedacinhos de mar,
Barcos aprisionados,
Somos esqueletos, uns
amados, outros… desamados,
Somos livro, somos o
silêncio de amar,
Somos nuvem, somos
foguetão…
Somos pequenos farrapos
na palma da mão,
E se não abraçares hoje o
teu filho…
Amanhã, ele, pode ser apenas
um pedacinho de saudade.
Alijó, 29/09/2022
Francisco Luís Fontinha
Cadáveres em fotografia
Converso
com estes cadáveres em fotografia
Que
durante a noite poisam sobre o meu peito,
Olho-os
e percebo que são poeira
E
que voam sobre o mar,
E
que nos seus lábios
Transportam
o Outono,
Converso
e escondo as minhas palavras
Nas
ardósias negras da manhã,
É
tão triste,
Que
os pássaros que deixaram de voar,
Hoje,
Sejam
apenas sombras suspensas nas árvores da saudade,
Converso
e sinto a luz que ilumina o sonho,
E
estes cadáveres são pequenos nada…
Olha…
Nem
flores conseguem ser,
Que
depois de cadáveres…
Habitam
nelas o lindo perfume da madrugada,
Nem
pedras sabem ser,
Porque
são apenas cadáveres em fotografia.
Alijó,
29/09/2022
Francisco
Luís Fontinha