terça-feira, 6 de setembro de 2022

Lábios madrugar

 

Percebo que nas cores dos meus desenhos

Habitam os teus lábios madrugar,

Que em cada palavra que escrevo

Há um barco sem marinheiro,

Há um marujo sem destino,

 

Percebo que neste mar

Onde habito,

Suicidam-se algas

E erguem-se as sonâmbulas sombras da insónia…

Percebo que nas cores dos meus desenhos

 

Escondem-se as paisagens da minha infância,

Com gaivotas, com papagaios em papel…

Percebo que estes desenhos

São as cores da morte,

São esqueletos em movimento,

 

São a manhã em despedida.

Percebo que estas cores

Transportam a montanha aprisionada

Na mão de uma criança,

Percebo que nos teus lábios madrugar

 

Há desenhos sem nome,

Há rios que não correm para o mar,

Percebo que nas cores dos meus desenhos

Há um Deus cruel,

Um Deus…

 

 

 

Alijó, 06/09/2022

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Os beijos da tempestade

 

Setembro é um mês triste.

Julho é um mês triste.

As pétalas das minhas flores

Caíram como caem os beijos

Depois da tempestade,

 

Como caem as palavras

Quando morre o poema e acorda a saudade;

Setembro é triste,

Julho é triste…

Mas a vida não é feita de meses,

 

De anos ou horários.

Depois, dou graças porque estou vivo,

Porque escrevo,

Porque desenho,

Enquanto as pétalas das minhas flores… caíram,

 

Restaram-me as fotografias,

Lugares imaginários,

O mar.

Setembro é triste.

Julho é triste.

 

Setembro é triste,

Como poderia ser Janeiro,

No entanto,

Continuo a semear as palavras

Nas sombras da tua mão.

 

 

Alijó, 05/09/2022

Francisco Luís Fontinha

sábado, 3 de setembro de 2022

Rio Douro

 

Por este rio doirado,

Entre rochedos e socalcos de perder o olhar,

Entre sombras e vinhedos,

Por este rio amado,

Afugentando enxadas e medos

No silêncio madrugar,

 

Por este rio cansado,

Onde o horizonte se esquece de acordar

E os homens labutam até à morte,

Por este rio apaixonado,

Onde crianças sem sorte

Foram condenadas a trabalhar,

 

Por este rio doirado,

Que a alma não esquece…

E o corpo sente o cansaço,

Por este rio embriagado

Pelo sol aquece

E dorme num pequeno abraço.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 03/09/2022

sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Livro

 

Enquanto lês,

Desenhas na planície

As amendoeiras em flor,

Enquanto beijas,

 

Escreves na alvorada

Suspiros de amor,

Enquanto danças,

Abraças-te à madrugada…

 

E percebes que a vida é uma fotografia de nada,

E percebes que enquanto lês,

O teu corpo voa…

Os teus cabelos voam,

 

Os teus olhos voam…

E enquanto lês,

O teu corpo é a almofada

Que apenas o poeta sabe deitar a cabeça…e adormecer.

 

 

Alijó, 02/09/2022

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Não sei

 Não sei o que dizem as palavras da madrugada,

Não sei porque dança sobre o mar a insónia,

Não sei porque morrem as flores na Primavera,

Não sei porque brinca no poema a saudade,

 

Não sei porque o teu cabelo se escondeu no pôr-do-sol,

Não sei porque os pássaros se suicidam na minha sombra,

Não sei porque morreste…

Não sei porque voaste como uma gaivota,

 

Não sei porque escrevo o meu nome,

Não sei porque durmo acordado,

Não sei porque dizem que não valho nada…

Não sei porque brinca no poema a saudade,

 

Não sei porque desenho estas merdas sem nexo,

Não sei porque vagueio entre os parêntesis da alvorada,

Não sei porque sei que esta cidade é uma jangada,

Não sei porque vivem as árvores,

 

Não sei porque sorri esta criança,

Não sei porque há nuvens em papel

E pequenos silêncios de nada,

Não sei porque semeio palavras,

 

Não sei porque as sombras da noite

São pequenas sílabas soltas no vento,

Não sei porque são os sonhos alimento,

Não sei porque são as estrelas negros pontos de medo…

 

Não sei.

 

 

Alijó, 1/09/2022

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 31 de agosto de 2022

Entre parêntesis

 Entre parêntesis,

Este corpo desgovernado,

Entre parêntesis,

Estas mãos à procura de pão,

Entre parêntesis,

Este sonho cansado,

Entre parêntesis,

Esta mão

Que não chora,

Entre parêntesis,

Entre o vento mal-amanhado,

Descendo a calçada,

Subindo às montanhas em delírio…

Entre parêntesis,

Este corpo desgovernado,

Neste silêncio inventado,

Entre parêntesis,

Este poema enforcado,

Antes de acordar o luar,

Antes de acordar a madrugada…

Entre parêntesis,

Esta mão que não chora,

Porque esta mão de pintar…

Dorme em ti, como dormem os peixinhos do mar.

 

 

Alijó, 31/08/2022

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 30 de agosto de 2022

As sete esferas da saudade

 (de todos os meus professores, guardo saudade e amizade; mas o professor Mário Abrantes, conseguia aliar a arte ao cálculo, e as suas aulas eram um poço de cultura geral. Grande abraço, professor)

 

Tínhamos na mão

As sete esferas da saudade,

E sabíamos que dentro do cubo de vidro,

(a prisão das palavras)

Havia uma janela com fotografia para o mar.

Depois, acordávamos abraçados às sete espadas da liberdade

Que guardávamos dentro de um caderno quadriculado.

Víamos a nossa imagem no espelho da madrugada,

Quando nas frestas em gesso, um crucifixo sorria…

E dávamos conta que este sorriso pertencia

À criança mais feliz da aldeia.

As palavras chegavam-nos através da velha alvorada,

 

Enquanto sobre as mangueiras,

No distante quadrado, víamos as gaivotas em cio,

E não percebíamos o que era a paixão.

Escrevíamos.

Dançava-mos sobre os pequenos charcos

Que pela manhã acordavam e ainda transportavam no olhar

O desejo preguiçoso que só o poema consegue descrever.

Tínhamos na mão

As sete esferas da saudade,

E como crianças que éramos, das palavras

Inventávamos asas

Como inventam os pássaros antes de morrer,

 

E não sabíamos que os peixes,

Entre parêntesis sonâmbulos,

Resolviam equações complexas,

Que apenas o professor Mário Abrantes percebe,

E nós, apenas percebemos de desejo.

E nunca sabíamos se as sete esferas da saudade

Sabiam o que é o mar…

O que é o mar?

Perguntava-me um pedacinho de sombra

Quando descia o pôr-do-sol e junto a mim,

Sem o saber… um pedacinho de luz beijava-me,

E eu tinha medo do sono.

 

Acordava a manhã,

No quadro uma mistura e letras e números…

Quando perguntam o que era…

Eu…

Série de Taylor;

Como se isso interessasse para dois cubos apaixonados.

Não sei o que é a chuva!

Apenas recordo os longos lábios de cacimbo

Sobre os meus frágeis ombros,

E mesmo assim,

Um barco deitava-se no meu colo,

E das suas coxas, ouviam-se os apitos da solidão.

 

 

 

Alijó, 30/08/2022

Francisco Luís Fontinha