terça-feira, 16 de agosto de 2022
domingo, 14 de agosto de 2022
Gladíolos
Percebia que nos teus braços
Habitavam as andorinhas
da Primavera,
Como habitam em mim,
As palavras que os teus
lábios
Vomitavam na triste
alvorada;
Percebia que nos teus
braços
Brincavam as sílabas
cansadas do luar,
Enquanto nas ribeiras,
Nas palavras do infinito,
Existiam as manhãs
cansadas,
Que nas primeiras horas
da madrugada
Desciam às vozes roucas
da solidão.
Hoje, percebo que o corpo
em dor
É um pedacinho de nada
Em direcção mar,
Em perpétuo silêncio.
Percebia que nos teus
braços
Um menino traquino
sonhava
Com as marés de um jardim
Construído sobre a sombra
das mangueiras endiabradas…
E percebia que nos teus braços
Eu bebia todos os poemas
Que nas árvores dançavam,
Como dançaram num quarto
escuro
Os gladíolos das tuas
mãos.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 14/08/2022
quarta-feira, 10 de agosto de 2022
domingo, 7 de agosto de 2022
Do silêncio voar
Ergue-te do silêncio de voar,
Ergue-te das palavras que
semeias
No corpo da tua amada;
Ergue-te das sombras da
madrugada
E das marés onde vagueias…
Ergue-te, ergue-te do
sorriso mar.
Ergue-te das planícies de
adormecer,
Ergue-te da noite e do
luar
E das estrelas cansadas,
Ergue-te das tristes madrugadas
Onde escreves as palavras
de amar…
Ergue-te enquanto o amor
viver.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 07/08/2022
sábado, 6 de agosto de 2022
Da saudade os abraços teus
Se me morres
Eu morro de saudade,
Se partires
Eu voo em direcção ao
mar,
Se olhares o luar
Eu escrevo no teu corpo
de bálsamo adormecido,
E se me abraçares…
Bom…
Eu finjo ter morrido.
Se me morres
Eu desenho na tua sombra
O infinito adormecer,
Se me beijares
Eu serei o teu poeta das
manhãs envenenadas pelo silêncio…
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 06/08/2022
quinta-feira, 4 de agosto de 2022
O arco-íris dos peixes
Tão triste,
As paisagens que poisam
na tua mão e desconhecem as palavras da madrugada; tão triste, quando percebo
que no teu olhar habitam as primeiras chuvas invisíveis das noites escondidas
pelas nuvens em poesia,
E do teu sorriso, a
tristeza dos Invernos quando descia pelas sombras do amanhecer a penugem manhã,
quando sabíamos que lá fora, junto ao rio, existiam as palavras desenhadas pela
tua mão cansada, existiam as palavras inventadas pela tua boca sonolenta e, no
entanto, as cinzas dos teus ossos vagueavam pelo corredor apilhado de livros,
revistas e vinis…, tão triste, mãe,
As músicas envenenadas nas
telas desmaiadas, as palavras cintilantes dos vinhedos sombreados, tão triste,
mãe
As paisagens.
Que poisam na tua mão e
desconhecem as palavras da madrugada, tão triste, a masturbação intelectual dos
pássaros, tão triste mãe,
A morte,
Quando vínhamos das
silenciadas montanhas e não sabíamos que sobre as árvores, e não sabíamos que
junto à lua, tão triste, mãe,
Viviam todas as cores do arco-íris
e que todos os peixes sofriam nas tuas lágrimas. O poema, aos poucos,
suicidava-se nos teus cabelos, mas do outro lado da rua, pertinho da pequena
árvore da solidão, brincavam os meninos de papel que ainda ontem eram apenas
cadernos quadriculados,
Tão triste, mãe,
O vento quando se enforca
nas árvores, tão triste,
O pai não saber voar.
E quando poisavam na tua
mão, desconheciam as palavras da madrugada, tão triste, a masturbação
intelectual dos pássaros, tão triste, mãe, as tristes madrugadas de insónia,
Porque eramos apenas
invenção do sono.
Do rio, os barcos
cinzentos das esplanadas avançavam contras os rochedos e ouvíamos as palavras
das pequenas pirâmides de areia. A maré, entre saudades e sonos trocados,
estacionava-se juntinho á tua lápide…
Até que o rio desparecia
no horizonte. Tão triste, mãe
Quando um filho pinta as
lágrimas da noite nas pequenas vidraças da saudade.
Assim sendo, que chova e
te leve até ao distante luar; tão triste, as palavras inventadas pela tua boca.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 04/08/2022
quarta-feira, 3 de agosto de 2022
O zincado medo das sanzalas de prata
Finíssimas lâminas de luz
atravessavam o teu corpo habitado pelas gotículas incineradas que a madrugada
poisava e num ápice silencioso, à velocidade do desejo, voavam depois sobre as
marés lindas de Inverno; um barco apaixonado rodopiava nos teus seios que da
tela acabada de acordar, pincelada pela noite anterior, escrevia na fina areia
da saudade…
Amo-te.
Amo-te, não percebendo o
infame desejo que nas mãos do artista vive a insónia construída de luz e fogo.
Não sabíamos que nos candeeiros a petróleo que brincavam no atelier, alguns
deles, perfeitos anormais, existiam as cansadas estrelas da alvorada, quando lá
longe, alguém pestanejava ao silêncio teu corpo quando ainda menino, inventava
corridas á volta da lareira.
Tínhamos a fome do desejo
e a dor do prazer; as palavras desciam pela tua pele como se fossem pedacinhos
de chuva sobre o zincado medo das sanzalas de prata, e mesmo assim, amavas-me,
e mesmo assim, tínhamos entre mãos todos os poemas da cidade.
Pincelada pela noite
anterior, escrevia na fina areia da saudade os gemidos magnânimos dos pássaros
em cio, quando sabíamos que um dia a saudade seria apenas algumas folhas em
papel, cansadas pelas tempestades dos tristes sorrisos de Primavera, distantes
dos infelizes abraços que a noite transportava para o rio.
Amanhã, a sanzala grita
Das lágrimas invisíveis
dos tons de oiro que poisavam no teu cabelo, percebia-se que a cidade
fervilhava como fervilham os sexos junto ao mar, assim que acordávamos,
ouvíamos os belos socalcos do Doiro, entre rabelos e sombras de enxada nas mãos
calejadas da madrugada.
Amanhã, a sanzala grita
como gritam os teus braços quando se alicerçam aos distantes luares que uma
infância aprisionou antes do nascer do sol. A vontade de correr ficou
estacionada perto da ponte metálica que servia de esconderijo quando eramos
atacados pelos famintos pássaros que transportavam os desejados poemas em
pequenas quadriculas num qualquer papel de parede; morríamos.
Hoje, somos pedaços de
nada.
Que da tela acabada de
acordar, pincelada pela noite anterior, escrevia na fina areia da saudade…
Amo-te, sabendo que ontem
tinham morrido todos os riscos deixados sobre a areia da infância.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 03/08/2022