A sanzala, aos poucos,
adormeceu na tua mão. O cheiro da voz térrea depois das chuvas, ainda hoje,
habita dentro de nós.
Tínhamos no quintal um
velho triciclo com assento em madeira que apenas o meu amigo Chapelhudo, quando
acordava das noites loucas de Luanda, levava a passear junto à marginal.
As gaivotas suicidavam-se
contra os sonhos cansados das tardes de Domingo e, entre Cucas e sombras, o Chapelhudo
inventava estórias de adormecer, que apenas as flores do quintal sabiam ouvir
e, me transmitiam antes que a alvorada partisse para o Mussulo.
Tínhamos gaivotas em
papel; alguma, ainda hoje, brincam na minha mão, como brincam as tuas palavras
e o cheiro do teu sorriso.
A sanzala, aos poucos,
voava em direcção ao mar, e eu com um velhíssimo cordel, lançava papagaios em
papel como anos mais tarde, lancei sonhos para o poço da saudade. O Chapelhudo
gostava de passear pelas invisíveis sombras da sanzala como hoje, o menino dos
calções faz todas as manhãs antes de adormecer.
Tínhamos medo do mar. o
Chapelhudo tinha medo do mar. O velhinho triciclo também ele, tinha medo do
mar; e hoje, todos nós amamos o mar, desejamos o mar, brincamos com o mar.
A sanzala, aos poucos,
adormeceu na tua mão. O cheiro da voz térrea depois das chuvas, ainda hoje,
habita dentro de nós, como habitam as chapas zincadas da Primavera, onde todos
os pássaros se enforcam nas ardósias manhãs da infância. Tínhamos as mangueiras
que pertenciam ao avô Domingos, depois de um recheado dia a passear
machimbombos nas ruas de Luanda. Depois, regressava o silêncio, regressava a
morte que hoje, que ontem, nos transportou para o improvável poema que o poeta
enforcado deixou esquecido na algibeira; tão pequenino, o meu filho. Tão pequenino!
Mãe, onde fica o mar?
Pai, falta muito?
Luisinho, não tenhas medo
do mar…
Sim, mãe!
Sim.
Prometo.
E aos poucos a sanzala,
adormeceu na tua mão… como adormecem todos os nomes e cheiros de Luanda.
Alijó, 3/07/2022
Francisco Luís Fontinha