Sentamo-nos. Rezamos.
Dormia dentro dos lençóis
desesperados da madrugada, sentia-se perfumado pelas palavras encontradas,
noite adentro, quando da saída abrupta dela; magoavam-no, aquelas palavras poisadas
em cima da mesa-de-cabeceira e, entre adeus parciais, eis o último, numa pensão
caquéctica numa rua sem nome, na cidade dos mortos.
Abraçava-o, beijava-o,
sabendo que seria o último beijo, sabendo que seria o último abraço.
Horas antes, tinha-lhe
feito um poema num bar esquecido junto ao rio. O cheiro a sexo dos petroleiros
em delírio, avizinhavam que pouco a pouca a saudade regressaria como regressam
os soldados vindos da guerra; até aqui, só tinha pegado na espingarda sombria
do desejo, como se de dentro das palavras, algumas ocas, habitassem pássaros e
flores em papel adormecido.
Sentamo-nos e rezamos;
percebia-se pelo cheiro dos petroleiros, que brevemente as palavras fluiriam
como água salgada na ferida em revolução numa qualquer parte do corpo
envenenado pelos cigarros embebidos em uísque barato e silêncios que falavam ao
acordar.
Até ele, tinham chegado
as canetas de tinta permanente pertencentes ao padrinho, avô e pai, com elas
desenhou um coração em forma triangular, calculou a hipotenusa, obtendo a
equação do desejo e, pela duração do beijo, percebeu que este, seria certamente
o seu último encontro. As equações também morrem, como morrem todos os seres
vivos.
Erguia-se a luz nos
cortinados da manhã. Descerrando o olhar entre pedacinhos de suor, percebeu que
ela já tinha partido há muito e, provavelmente até nunca tenha estado presente
na sua vida. Ficou triste, deixou de comer as palavras que todas as manhãs o
entretinham até à entrada do pequeno-almoço e, dizem, dizem que nunca mais foi
o mesmo.
Agradecia-se pela
liberdade alcançada, sentia-se pássaro com cabeça de poeta e na mão, passou a
transportar um ramo de flores.
Sentamo-nos. Rezamos.
Dormia dentro dos lençóis
desesperados da madrugada, sentia-se perfumado pelas palavras encontradas,
noite adentro, na espelunca desarrumada onde habitava desde criança. Trazia na
algibeira o manuscrito que ela tinha deixado sobre a mesinha-de-cabeceira,
junto à máquina de escrever, também tinha deixado uma fotografia onde se podia
ler: eternamente tua.
Na noite seguinte,
decidiram por unanimidade, suicidarem o amor numa cidade sem nome, numa ponte
sem nome, que sobrevoava um rio sem nome; hoje, sentamo-nos e rezamos.
E sentados ficaram para
sempre.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 28/11/2021