Onde
estão os grãos de areia da minha infância, esqueço-me enquanto me olho no
espelho da saudade,
Em
criança, desenhava nas tardes límpidas e sonolentas, os barcos da minha
infância, procurava pelas sombras da minha infância, sem perceber, que um dia,
junto ao tejo, morreria engasgado com uma tigela de caldo.
Couves,
coma muitas couves. Dizem que durante a noite conversam com o intestino e,
fazem-se passear pelas avenidas desertas da cidade.
Nunca
acreditei nas tuas palavras; disseste-me, algures numa cidade que já nem recordo
o seu nome que
Um
dia vamos regressar,
Um
dia peguei num punhado de grãos de areia, lancei-os ao mar, estava feliz. Muito
feliz.
Tinha
galinhas e pombas. Enquanto desenhava no sorriso das galinhas os socalcos que
um dia me ia apaixonar, escrevia nos lábios das pombas, gatafunhos, coisas que
só eu percebia. Diziam-me que todos os barcos tinham no coração uma cancela e,
apenas os meninos que comiam a sopa lá entravam; mentira. Nunca consegui lá
entrar.
O
meu pai, quando havia treinos de hóquei, levava-me aos Coqueiros, nunca entendi
a razão de ter alguma simpatia por este desporto, pois paixão por desporto
tenho nenhuma.
Havia
pássaros em papel no meu quintal, todas as noites, silêncio de assobios
telintavam no zinco do galinheiro, depois das chuvas torrenciais, um pedacinho
de capim saltitava junto ao meu triciclo, nada de novo, como ontem, nas mãos de
um soldado. Vi muito. Eram todos meninos como eu; tinham pai, mãe, irmãos,
irmãs, filhos, filhas, mulher e, muitas cartas sem remetente. A guerra foi uma
merda, pai. Uma merda.
Comecei
a coleccionar palavras e desenhos nas paredes de nossa casa. Comecei a
acreditar que cá, também habitavam mangueiras e, que uma Bedford amarela se
passeava pelas ruas, mas o tempo foi passando, a Bedford, aos poucos, foi sucumbindo
às tempestades de areia e, morreu numa noite de geada.
Hoje
percebo porque passava horas intermináveis, no portão do quintal, à espera de
uma Bedford amarela, era a saudade que se embrulhava no meu cabelo, o avô Domingos
dizia-me logo logo ela estava ao virar da esquina, mas com o tempo, com as
lágrima da alegre infância, deixou de aparecer na rua.
Dizem-me
hoje que morreu de cansaço.
O
Domingo de Janeiro estava escaldante, e já nessa altura, acreditava que
existiam papagaios em papel, que mais tarde, muito mais tarde, a minha mãe construía
para mim. Trapos. Farrapos que eu aproveitava para vestir um velho amigo e algo
estúpido, um boneco que baptizei num dia de neblinas matinais e, junto ao porto
de mar, um paquete olhava-me, parecia que me queria comer, mas, não
Nunca
entrei no coração de um barco.
Hoje,
aqui sentado, olhando esta belíssima Baia, recordo os calções vestidos de
menino e, um menino vomitando línguas de gato, enquanto aos poucos, o avô Domingos
deixava a cidade levando pelas mãos o velho machimbombo: gosto de ti.
Assim.
Como
esta Lua que nos separa.
Pudera.
Francisco
Luís Fontinha, Alijó – 27/07/2021