Das asas pigmentadas de silêncio,
ouviam-se os uivos apitos que voavam sobre os socalcos pincelados de sombras e
sonoras alegrias, que de vez em quando, ao longe, de um barco, às vezes assombrado,
alicerçava a tristeza da partida,
Começa o dia na mão dele, de entre
os dedos carrancudos, o cigarro avermelhava-se entre cinzas e lágrimas,
chamavam-lhe; a saudade.
Partiu sem dizer adeus, nem um
beijo, nenhum amigo presente na fala da sua sombra, quando se adivinhava que a
morte é apenas uma viagem até ao infinito, de voos baixos, de ziguezague em
ziguezague, de socalco a socalco, uma mísera nuvem de espuma brincava na sua
mão,
Tinha medo,
Às vezes travestia-se de homem,
outras, nem muitas, aparecia nas estantes amorfas dos livros de poesia,
O poema morrer e, ele nem sempre
sabia o que significava a morte.
A morte é uma merda, dizia-lhe o
pai pássaro, outro, o espantalho, costumava escrever nas rochas do Douro,
sabes, meu filho, o cancro é uma merda,
A viagem, o vento levava-o pelas
sanzalas da infância, num orgulho que só ele sabia descrever, sentava-se junto
ao mar, puxava de um cigarro reutilizado do dia anterior e, em pequenos silêncios
segredava ao pássaro alegria; sabes? Sou a criança mais feliz de Luanda.
Todos tínhamos nas mãos o cansaço
das equações, das ínfimas matrizes que sobre o caderno adormeciam como crianças
pintadas na tela da Mutamba,
Às vezes dá-me sono as palavras
tuas,
Nunca soube voar.
Vestia uns calções, sentava-se nas
sandálias de couro e, começava a correr até ao Mussulo, desagregado da saliva
entre apitos e rumores; um dia vou regressar, um dia,
Nunca regressei.
Hoje, acordei abraçado à mangueira
da minha infância, junto a mim, o triciclo da saudade e, mais além, as cartas
que nunca tive coragem de te escrever, sabes, meu amor, as palavras parecem-me
falsas alegrias, arrotos anónimos nas mãos do carrasco.
As espingardas vomitavam sílabas de
azoto, o soldado-menino, escondia-se debaixo do embondeiro mais velho da planície,
algures, outro menino-soldado, deslaço devido à preguiça, rebolava-se
ribanceira abaixo, até que alguém lhe dizia; oh menino, a espingarda? E, ele,
timidamente, respondia,
Fugiu, meu senhor, fugiu como uma
bala em direcção ao nada.
Nunca soube voar. Aprendi as
primeiras letras e números debaixo de um zincado telho telhado, talvez hoje,
seja apenas uma igreja imaginária, apenas sombra, apenas nada.
O poema voava na sua mão. Entre os
dedos, desenhava-lhe os seios colocando-lhes pequenas aspas, ou inúmeras saliências,
ou apenas nada.
Nada tudo dentro de uma louca
equação de areia. O barco recheado de fumo, levante e de um outro adeus; amanhã
saberei o seu nome.
Amanhã, meu amor.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 24/07/2021