segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021
domingo, 14 de fevereiro de 2021
A paixão dos beijos
Tínhamos nas mãos a
paixão
Dos beijos.
A clorofila entre
silêncios e insónias
Das palavras desertas,
Nos rochedos, oiço a voz
da madrugada
Resiliente,
Cansada.
Tínhamos no olhar
O eterno clarão
Dos desejos,
Os poemas envenenados pela
paixão
Começam a dormir,
Docemente,
Sobre a secretária da
solidão.
Tínhamos nas mãos
O corpo molhado do mar,
Todas as marés e,
Todos os barcos em papel.
Tínhamos nas mãos o vento
Que trazia o Norte,
A fadiga
A má-sorte.
Tínhamos o cansaço dos
abraços e,
Dos pincelados beijos
sombreados
Uma fotografia tua,
Dançando nos meus lábios.
Tínhamos os dedos
entrelaçados,
Como duas crianças a
brincar,
Deitávamo-nos na areia
envergonhada
Até que a noite nos vinha
buscar.
Tínhamos tudo e,
Não sabíamos que o mar
É a nossa casa.
O amor escreve-se nos
teus lábios,
Como uma cancela a boiar
no rio…
Pego-te; amanhã saberás
que as palavras
São poemas. Amanhã saberás
que as palavras
São mãos absorvidas pela
paixão.
E, mesmo assim, estas palavras,
esta paixão,
São poemas que saem da
minha mão.
Tínhamos o Sol,
As nuvens que governam a
terra,
Tínhamos as palavras,
Nas palavras teus beijos.
Francisco Luís Fontinha,
Alijó 14/02/2021
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021
Insónia de viver
Escrevo o teu nome
Nas arcadas do
pensamento,
Grito. Fico com fome
Das palavras alimento.
Os beijos desenhados
Na tua perfeita mão,
São abraços cansados
Que ardem no coração.
Tenho nas palavras abençoadas
A insónia de viver;
Do medo às caminhadas,
Quando o teu perfume
Me obriga a escrever.
Meu amor! Salva-me deste
maldito lume,
Onde eu tenho de adormecer.
Francisco Luís Fontinha,
Alijó 12/02/2021
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021
Sábado
Sabíamos que era Sábado
porque estava escrito na parede da sala. Os gonzos pareciam envenenados pelo
silêncio e, uma sombra ténue projectava a insónia da pilha de livros junto à
janela. O rio durante a noite tinha galgado o quintal, ao menos, apenas as
árvores ficaram submersas, como se fossem corpos embalsamados dentro do tumulo.
Ia à janela, puxava de um
cigarro e, desenhava palavras na vertente norte da solidão, poisava a minha mão
na mão dela, acariciava-lhe o sorriso com um pequeníssimo olhar e, percebi que
tenho mais jeito para escrever do que ser engenheiro; às vezes sinto o peso dos
retractos nos ombros, uma sensação estranha que só percebo depois de acontecer.
Entre momentos, pequenos instantes, pincelava-a com o meu olhar de transeunte desnorteado
à procura de um milagre. Precisava mesmo de um milagre, segredava-lhe ele ao ouvido.
Era um gajo antipático
com um feitio de merda, não gostava de multidões e, sempre que era Sábado,
religiosamente como quem vai à missa das dezoito horas, dava-lhe na telha de
pegar nos álbuns de fotografias e, entre silêncio, manuseava cada retracto como
se fossem simples flor. ,
Hoje o rio estava
cansado; tal como ele se sentia todos os Sábados ao acordar.
Prisioneiro das sombras do
Além.
Escrevo cartas a Deus.
Envio-as para o endereço mais curto que conheço; Avenida das Almas, nº 5 –
Lisboa. Nunca obtive resposta. As palavras, quando escritas para ele, adornavam-se
em cima de uma secretária bolorenta, carcomida pela ferrugem dos sonhos, que
durante a noite, boiavam nos socalcos do medo.
Nunca me levas a passear.
E, é hoje que vamos
passear. Levamos umas laranjas, alguns poemas e, fazemos um piquenique
literário.
Como assim?
A ponte, meu amor.
As coisas boas, meu amor.
Este gajo é insuportável.
Pronto, disse.
Sabíamos que era Sábado
porque estava escrito na parede da sala. Os gonzos pareciam envenenados pelo
silêncio e, uma sombra ténue projectava a insónia da pilha de livros junto à
janela. O rio tinha acordado com uma tremenda dor de costas, ora bem, a idade
também não ajuda e, o caminho é tumultuoso, de pedra entre pedra, contando
pontes e pontões, já tinha caminhado por baixo cerca de trinta e cinco, não
esquecendo o lixo que tem de transportar até à Foz.
Tudo é lindo quando acaba
bem, segredava-lhe ela ao ouvido.
Sabes, dizia ele, até
parece que hoje é Sábado.
Sábado, hoje?
Sim, fui ao cemitério e
vi muita gente para um normal dia. Coloquei-lhes flores, velas e, conversei com
eles. Têm sempre uma palavra carinhosa para comigo, não admira, sou filho.
A ponte, meu amor.
Nunca me levas a passear.
Sábado, meu amor. Sábado.
Francisco Luís Fontinha,
Alijó 10/02/2021
terça-feira, 9 de fevereiro de 2021
O machimbombo é apenas uma fotografia em silêncio
Navego no teu corpo
inflamado pelo silêncio da noite. Amar o oiro que poisa nos teus lábios, saber
que todas as manhãs acordas na infinita insónia, és visitada durante a noite
pelas tempestades marítimas dos livros, trazes na boca todas as palavras, as
simples, as complicadas e, as órfãs da minha mão.
Escrevo-te, meu amor.
Hoje a manhã estava
cansada de ter brincado com o teu corpo durante a noite, sabes, todas as noites
são uma passagem secreta para a liberdade, lá fora tínhamos a chuva que iluminava
o pequeníssimo quatro onde dois pássaros se abraçavam, sabiam que no final da
tarde, por volta das dezassete horas, vinham até nós as garças, os corvos e,
todas as correntes marítimas onde ontem à noite deixe o meu veleiro aportado. Tenho
pena das brincadeiras junto às mangueiras.
As flores da tua
sepultura sabem que a água jorra de dentro do poema, redopia nas rochas
inanimadas que só a noite consegue despertar. É proibido tomar café; os livros
tornaram-se bens não acessíveis às mãos do homem com o chapéu de palha, o miúdo
pelidava-o de “chapelhudo”, tonto.
Os meninos sabiam que no
quintal havia sempre um papagaio em papel, a mãe, carinhosamente, desenhava-lhe
sombras e pequenas argolas, sabendo que ele, o menino dos calções, quase nunca
comia fruta. “Tem bicho”. Pobre miúdo.
Tínhamos um machimbombo
que era conduzido pelo avô Domingos e, todos os Domingos, junto à tarde,
percorria amorosamente todas as ruas de Luanda; íamos à praia, fazíamos brincadeiras
debaixo das mangueiras, às vezes cansadas, outras, distantes das marés de
granito que assombrava a casa. Hoje, o machimbombo é apenas uma fotografia em
silêncio na parede da sala.
Acordei pensando que te
abraçava e, de tantas palavras escrever durante a noite, abraçava-te mesmo, de
verdade, como o miúdo dos calções quando se agarrava às pernas da mãe; estás
tão grande, meu menino.
Cresci. Vomitei palavras
numa Lisboa incandescente, anos oitenta, cidade prometida e das canções, que
fabricavam em mim um grandioso livro de poesia. Sentava-me no rio, não
imaginava que tantos anos depois te abraçava e dormia na tua cama camuflada
pelas sanzalas desconhecidas e, sabes, tenho saudades do cheiro do capim,
depois da chuva.
Navego no teu corpo
inflamado pelo silêncio da noite. Amar o oiro que poisa nos teus lábios,
saborear a tua boca de amêndoa das janelas em flor, quando o jardim acorda e
todos os pássaros parem loucos pela simples razão de ser dia. A boca, o beijo
do narciso quando junto ao mar, ela e ele, parecem dois corpos suspensos na
alvorada. Os corpos incham, ganham forma e crescem como as plantas em papel.
Amanhã saberei a razão de hoje não estar triste, mas triste porquê? Se todas as
flores são belas e todos os pássaros regressaram de Luanda comigo…
Há café?
Proibido.
Livros, vende?
Simplesmente proibido.
Sabe, eles não gostam de livros. Posso comprar um aquecedor para aquecer os
tomates. Posso comprar uma torradeira para magoar o pão com o calor; já
imaginaram o sofrimento de uma fatia de pão, quando está prisioneira numa torradeira?
Um terror, meu amigo, um derradeiro terror.
A cidade fervilha, o
restaurante está encerrado, férias, dizem eles, mas desconfio que nunca mais
abrirá; viva a literatura.
Visito uma loja de
velharias, pequenos objectos de adorno que servem para me recordar que ainda
ontem, pela calada da noite, uma livraria foi assaltada; roubaram todos os
livros de poesia.
Tem café?
Proibido.
Vendem livros?
É proibido.
E, meus senhores. Apenas
um imbecil é capaz de proibir a venda de livros.
Podem comprar um
aquecedor para aquecer os tomates. Pois podemos.
Vivam os tomates.
Vivam.
Hoje há sardinha assada,
batata cozida e pimentos.
Assim seja.
Proibido.
Proibido, meus senhores. Tudo
é proibido.
Tragam as espingardas de
papel e os lenços de metal. Tragam as janelas do presídio e o mar que está
acantonado junto ao entardecer. Tragam os livros de poesia; os canalhas odeiam
poesia.
Proibido.
O mar?
Sabe-se lá, meu amor.
Francisco Luís Fontinha,
Alijó 09/02/2021
domingo, 7 de fevereiro de 2021
As horas de dormir
As horas de dormir,
pareço que finjo, quando acordo embrulhado nas palavras do adeus, uma
pequeníssima gota de silêncio absorve a madrugada, agarro-me ao teu corpo
suspenso no cortinado da insónia e, há sempre uma criança que brinca na enxada
da tarde.
Soltam-se as amarras de
todos os barcos, acordam dos oceanos todas as tormentas e, sabe-se lá, quando
vem a terra a solidão de um dia sem memória. Os homens sofrem, quando do granítico
silêncio, as palavras do poema, inventam-se, redopiam nas redondezas da cidade,
quando um grito silencioso cai sobre todos os jardins.
A fragância das flores
adormecidas, as horas de dormir, pareço um fantasma dançando sob a tenda do
circo imaginário, há palhaços de calcário, meninos de farrapos, junto ao mar,
em cio, o corvo, as pirâmides embebidas em shots de nada e, no final da tarde,
começa a descer a noite porta adentro.
Ponho à janela na
esperança de olhar o sol, quando a noite está doente, cansada de brincar,
quando depois de se evaporar a tarde, o teu corpo docemente se alicerça nas
minhas mãos, as horas, os silêncios depois das horas e, dizes-me que a cada fim
de tarde há uma janela que se encerra.
Tenho na minha mão o teu
perfume, a cânfora manhã do sítio inanimado quando sei que lá fora um pingo de
inveja sobeja das multidões em fúria. Discretamente, aos poucos, desenho-te na
sombra dos livros ainda não escritos, gatafunhos acomodados às tristes margens
deste rio sem nome, uma cabeça transparente, imunda, no nojento corpo das
cidades da mendicidade e, imagino-me à procura de uma fina folha de papel onde
escrever o meu testamento.
Tenho medo que amanhã não
pertenças mais à cidade.
Que amanhã sejas apenas
uma estátua de areia junto ao mar, trazes contigo as fotografias, as flores dos
livros perdidos e, sabe-se lá porquê, as horas de dormir, são pedacinhos de
silêncio nas tuas mãos.
Francisco Luís Fontinha,
Alijó/07/02/2021
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021
Um grama de sono
Guardo o teu nome
No granito sonolento da
noite,
E, sabes? Oiço os
pássaros
Que brincam nos teus
lábios.
Caminho velozmente na
solidão do entardecer
Como se fosse uma flecha
Ou uma espingarda preguiçosa.
As palavras que a espingarda
preguiçosa
Dispara, são murmúrios,
Vozes em papel
Que descansam nas planícies
do poema.
Apetecia-me suicidar o
poema.
Matar todas as palavras
escritas no poema,
Como fazem os ditadores aos
seus opositores.
Guardo o teu nome
Na algibeira da insónia,
Lugar onde habitam as
minhas memórias
E todas as minhas
fotografias;
Tal como o cansaço, a
solidão
É o alimento das flores
sem nome.
A paixão,
O amor que dorme nas
janelas transparente e,
Onde vivem os cérebros
inadaptados do meu jardim.
Um pequeno passeio,
Uma lâmpada dispersa,
Na sepultura do adeus.
Tal como ontem,
Sessenta anos passara
sobre a revolta,
O cansaço das armas
Nas palavras dos homens.
A covardia de não acordar,
Deitar-me sem sono,
Fingir que durmo numa
sombra imaginária,
Onde brincou o meu pai.
E, uma cabana de sono
Sabe que nas minhas
palavras,
Há um livro que se
revolta
E pergunta; para quê?
O telegrama regressou,
Trazia na mão uma côdea
de sangue,
Alguns pertences e,
Uma malga de nada;
ninguém come nesta casa
Até a aldeia se libertar
do cansaço dos pobres.
Oiço tiros de canhão,
Granadas importadas,
Lança-chamas improvisados
e,
Esta maldita guerra não
termina nunca.
A refeição chegou na
marmita,
Um pedaço de pão é
lançado aos crocodilos
Como se de pedras se
tratasse.
O Rossio é lindo, mãe!
Cai a neblina sobre a
cidade,
Das palmeiras veem-se as
gaivotas em cio
Que disputam o campeonato
nos musseques perdidos,
As pedras, achados de cerâmica,
Pássaros e abelhas,
Almotolias que
transportam o salgado azeite da escuridão diurna,
Que apenas o soba sabia
para que servia.
Hoje, depois de acordar,
Todos os sonhos são
tristes palavras
Nos braços do mar.
Sabeis vós quanto custa
um grama de sono?
- Meu rapaz; aqui é
proibido ter sono.
E, adormeceu eternamente
até se cansar de gritar.
Francisco Luís Fontinha,
04/02/2021