As horas de dormir,
pareço que finjo, quando acordo embrulhado nas palavras do adeus, uma
pequeníssima gota de silêncio absorve a madrugada, agarro-me ao teu corpo
suspenso no cortinado da insónia e, há sempre uma criança que brinca na enxada
da tarde.
Soltam-se as amarras de
todos os barcos, acordam dos oceanos todas as tormentas e, sabe-se lá, quando
vem a terra a solidão de um dia sem memória. Os homens sofrem, quando do granítico
silêncio, as palavras do poema, inventam-se, redopiam nas redondezas da cidade,
quando um grito silencioso cai sobre todos os jardins.
A fragância das flores
adormecidas, as horas de dormir, pareço um fantasma dançando sob a tenda do
circo imaginário, há palhaços de calcário, meninos de farrapos, junto ao mar,
em cio, o corvo, as pirâmides embebidas em shots de nada e, no final da tarde,
começa a descer a noite porta adentro.
Ponho à janela na
esperança de olhar o sol, quando a noite está doente, cansada de brincar,
quando depois de se evaporar a tarde, o teu corpo docemente se alicerça nas
minhas mãos, as horas, os silêncios depois das horas e, dizes-me que a cada fim
de tarde há uma janela que se encerra.
Tenho na minha mão o teu
perfume, a cânfora manhã do sítio inanimado quando sei que lá fora um pingo de
inveja sobeja das multidões em fúria. Discretamente, aos poucos, desenho-te na
sombra dos livros ainda não escritos, gatafunhos acomodados às tristes margens
deste rio sem nome, uma cabeça transparente, imunda, no nojento corpo das
cidades da mendicidade e, imagino-me à procura de uma fina folha de papel onde
escrever o meu testamento.
Tenho medo que amanhã não
pertenças mais à cidade.
Que amanhã sejas apenas
uma estátua de areia junto ao mar, trazes contigo as fotografias, as flores dos
livros perdidos e, sabe-se lá porquê, as horas de dormir, são pedacinhos de
silêncio nas tuas mãos.
Francisco Luís Fontinha,
Alijó/07/02/2021