terça-feira, 17 de março de 2015

Sítios comuns


Os sítios comuns
sempre a mesma rua
o mesmo cigarro
o senhor da esquina
jornais
sapatos
trapos
livros
velhos
o mesmo fumo
todos os dias
o horário nocturno,

as filas invisíveis para ancorar o sono
a cama
o sofá
velhos
iguais
feios
imundos como os meus poemas
os sítios comuns
em círculos de espuma
uma janela doente
o reumático
nunca se abre,

os ossos em papel
ardem
desassossegadas palavras
na algibeira do senhor da esquina
o corpo que se vende
e as estátuas que se compram
ninharias
coisas pequenas
pedras
barcos
cidades a apodrecer
sexos complexos nas montras do abismo,

acreditar
e desacreditar
nos livros
dos livros
e das jangadas de silêncio...
a mão poisa no ombro da manhã
afaga-lhe a cabeça
desenha-lhe no olhar a solidão dos panfletos adormecidos
publicidade
vende-se apartamento junto ao mar...
e sempre a mesma rua
sempre o mesmo cigarro.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 17 de Março de 2015

segunda-feira, 16 de março de 2015

Apaixonado, os búfalos alicerçados ao poema, o eterno perdido, navegando pelas linhas transversais da paixão, a guerra
Nunca conheci o meu pai,
Fotografias, uma velha espingarda... e
A guerra dentro do meu sangue, o meu irmão clandestinamente afogado no medo de não acordar, e todos os dias
Pai?
Em combate, os dias espelhados numa pequena folha em papel, ouviam-me os espirros das espingardas, ao longe, distante, o capim dormindo, cigarros incendiando os sonhos da adolescência, os textos confusos, as ditas fotocópias das fotografias... assassinadas,
Por um louco,
Miguel?
Margarida acredita no amor depois da morte,
Ele
“Foda-se”,
Ele sentado numa cadeira de praia, lia o jornal, olhava-me
Um dia
Regressarmos?
Nunca, pensava eu, ele sabia que um dia
Morto em combate,
“Filho da puta”...
Amor de mãe.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 16 de Março de 2015

Esteios


A melodia nocturna da aventura
os esteios do silêncio abraçados ao cansaço
desespero
e espero
que acorde o dia
sem amargura
sem... sem cortinados de penumbra
baloiçando no pescoço da saudade
os cigarros entre as estrelas
os dedos mergulhados nos teus seios
acesos
em espuma
palavras
números
portas
e ruas
despidas
nuas
e sinto do outro lado do rio
os guindastes da solidão
voando como gaivotas
livres
como os barcos
sem marinheiros
sem...
acesos
os ossos em papel
das migalhas invisíveis do voo
o infinito
destino
das mãos
quando alguém desiste do luar
e sem... acesos
os ossos
o infinito destino
das mãos no leito do sono...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 16 de Março de 2015

domingo, 15 de março de 2015


A guerra,
Perdemos tudo, o meu pai morto em combate,
Amor de mãe,
Pai,
Não o conheci, apenas algumas fotografias de espingarda na mão, António sabia que seria a sua última noite, e mesmo assim, escreveu o seu último poema,
Dedicado a “Deus”,
Um Ateu, Pai?
Perdemos tudo, a fala, as palavras e os abraços do cacimbo, os cacilheiros em cio redopiando como cobras amestradas, o circo, a aldeia colorida de sapatos e sandálias de couro, os calções e o triciclo, ele
Dedicado a “Deus”,
Não guardo rancor, o ditador morto, felizmente cessaram as espingardas do ciume, vagamente oiço o teu respirar, ele
Pai,
Não o conheci, e ele embrulhado em quatro pedras de espuma, o cachimbo da solidão, partilhávamos todas as carícias do abismo, e ele
Louco,
Apaixonado.



(ficção)
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 15 de Março de 2015

farrapos de vidro...


o engate suspenso nos anzóis da tarde
à mão
regressa a caneta da solidão
e há nuvens de papel nos olhos do poema
és livre
de voar
sobre os corações de xisto
que habitam as imagens a preto e branco
do Douro
navegar
subir ao luar
e,

e abraçar-se aos vulcões de areia
dos homens
e das mulheres
de sombra,

imaginar
desenhar nas entranhas pálpebras de amar
o silêncio do beijo
à janela
o mar avança e nos leva
somos dois
talvez...
três
o engate
à mão
suspenso nos anzóis da tarde
a tarde... a tarde dos farrapos de vidro...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 15 de Março de 2015

Árvore


Árvore
que cai no lamacento pavimento do sorriso
se deita
e fica
imóvel
tranquila
na árvore
a conquista não conquistada
o fervoroso sono da alquimia
o centro
o ponto imaginado pela mão do regresso
e fica

árvore
caída na circunferência do amor
e a paixão
imóvel
corre
corre...
porque a terra é um poço invisível
porque há nas palavras pequenos silêncios
a humidade
dos corpos
no chão
o cheiro

que parte
e não volta
o teu perfume secreto
nas pálpebras da manhã
e fica
árvore
sofrida
perdida nas pedras da calçada
desce e sobe
e senta-se...
no chão
dos narcisos em putrefacto esqueleto da escuridão nocturna...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 15 de Março de 2015
“Fodes comigo ou não...” o poeta para o poema, embrulhado nas sílabas da ira, o medo, a fome construída em cartão, um sonho de luz abrigado nos teus olhos, e ele
Pai, o que é “foder”?
E ele, pincelado de mendigo
Filho,
Sim, pai,
As palavras...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 15 de Março de 2015