quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Maré dos enganos


(desenho de Francisco Luís Fontinha)


Este caixote sem janelas
que habita o meu cérebro cinzento
as palavras belas
que sinto
quando acorda o amanhecer
e não encontro o teu corpo na minha cama,

As imagens do silêncio
reescritas na tua mão de porcelana
regressar é impossível
viver...
sonhar
sem saber que amanhã não existe mar,

Maré dos enganos
sílabas assassinadas pela caneta negra...
um desenho
(uma porcaria de desenho...)
suspenso na forca da idade
como serpentes em pedacinhos descendo a montanha,

As sombreadas verrugas do Adeus
quando o caixote arde na cinza madrugada
o meu cérebro morre
e leva as minhas palavras...
o meu cérebro morre...
e leva o meu corpo.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 28 de Janeiro de 2015

Sem sentido – O Amor -

(desenho de Francisco Luís Fontinha)


O amor é uma noite escura, imagens tridimensionais vagueiam nos teus seios de Inverno, a geometria do prazer inventa-se,
E transforma-se em películas de desejo, o corpo vacila, sente a tempestade íngreme do desespero, amanhã não há madrugada, amanhecer, horas, sorrisos... e beijos,
O amor?
Uma parábola esquecida no mural de xisto junto ao rio, lá longe os barcos embalsados, aqueles que ninguém ama, quer...
Geometria, equações trigonométricas com odor a poesia
Possível
E no entanto o amor é uma noite escura, sombria, habitada pelo medo da paixão, uma rua, uma avenida... e embriagados transeuntes olhando monstras desertas, as insinuações acomodadas do dia, sentado, de pé... correndo,
Escrevo palavras para não morrer, e o amor é uma noite escura, imagens, retratos, e... e quadros desconexos,
Avenida,
Sem sentido,
Correndo
Possível?
Correndo sobre as tempestades de areia, e acordo sobre a imensidão do impossível, dos amargos lábios do poema,
Palavras,
Mortas... encaixotadas nos teus lábios...


(…)


(texto de ficção)
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 28 de Janeiro de 2015


terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Orvalho de ossos


Porto, 27 de Janeiro de 2015


Não te oiço
olho os pássaros suspensos nas árvores
e imagino-te um poema em construção
não te oiço
mas sinto o ranger do teu corpo
como um comboio descontrolado
triste...
tão triste que não sabe o significado da dor
tão triste... que se aprisiona no silêncio de um longínquo corredor
tens nos olhos a noite estampada
e não existem estrelas nas tuas mãos...
nem luar no teu sorriso
não te oiço
invento horas num relógio imaginário
os dias
as manhãs
tudo não passa de um sonho
e não te oiço
meu querido
porque imagino-me nos teus braços
passeando as ruas de Luanda
víamos os barcos
e as sanzalas...
sem que eu percebesse o que era a morte.


Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

O encontro


O frio entranhava-se-lhe nos ossos fictícios de pequenas partículas de desejo, António inventava fogueiras no olhar, esfregava as mãos como se de um reza se tratasse, mas não, a rua deserta deixava-lhe suspenso nos ombros um fino silêncio de noite, imaginava vãos de escada em cada esquina, desenhava na geada pequenos quadrados, depois, de pé ente pé saltitava como a queda de uma folha,
Um cigarro adormecia-me a alma, reclamava ele quando dois adolescentes se abraçaram a ele
E ele?
Incrédulo,
Vocês. Aqui?
Sim, pá, nós aqui,
António florescia, António corria calçada abaixo até ao rio, sorria... e regressava,
Não,
Não acredito que os meus irmãos estejam aqui, comigo, só nós,
Não,
Um cigarro, tem lume? Que não, que não,
Vocês aqui...
Meus Deus, tanta solidão, frio, fome...,
Foste tu que quiseste, ou não?
E António fulminava o irmão Miguel com as pálpebras inchadas,
Eu é que quis...!
Quase como lâminas afiadas, depois, o acordar da cidade, os primeiros automóveis do dia, depois os últimos bêbados da noite, e depois
Não, não acredito,
Os Primeiros cheiros de Lisboa,
O fumo argamassou todas as palavras... Meus Deus, vocês aqui...


(…)


(Texto ficção)
25/01/2015
Francisco Luís Fontinha – Alijó

Viajante secreto – o homem sombreado

(desenho de Francisco Luís Fontinha)


O desejo cansado do solstício envenenado
das palavras o ranger da porta sem habitantes
que a noite comeu
o desejado corpo nos pindéricos rochedos de papel
voando sobre a cidade dos machimbombos
o entardecer não regressa nunca
o viajante secreto enlatado num caixote em madeira
o homem sombreado dos alicerces de prata
afogado num pedaço de terra...
hoje
hoje não vi o mar
nem os barcos de esferovite construídos por crianças junto à ribeira...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 26 de Janeiro de 2015


domingo, 25 de janeiro de 2015

Poemas escritos debaixo da embriaguez


Nunca soube o que era o amor, acreditava nas gaivotas em papel da minha infância, recordo o triciclo enferrujado, o boneco estúpido que apelidei de “chapelhudo”..., que parvalhão apelidava o seu fiel amigo de “chapelhudo”, eu, claro,
As palavras misturados entre orgasmos e flores, gemidos cirílicos suspensos nas andorinhas em flor,
Eu?
Nunca,
O amor,
Poemas escritos debaixo da embriaguez
Freguês?
Nem uma modinha habita na minha algibeira, e o amor sossegado debaixo de uma mangueira, crescia, brincava e...
Nunca,
E embrulhava-se na timidez de um novo dia, e lentamente, os meus ossos alimentados pelos sulcos solitários da noite, a barriga crescia-lhe, é menino? Menina?
Freguês?
Eu, simulador de voo quando as estrelas dormem, e habita na minha algibeira uma película fina de desejo,
O que é o desejo...!
Não
Nunca soube o que era o amor,
Não pai, não pode ser,
A vida é viver, um dia, dois dias, um quatro de dia..., percebes?
VIVER...
E amar?
Não sei, meu pai, não... sei.

(…)


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 25 de Janeiro de 2015

O suicídio do amor


(desenho de Francisco Luís Fontinha)


Trazíamos no corpo as feridas da luz,
havia silêncio nos teus olhos
e na pedra fulminante da paixão,
tínhamos nas estrelas o cansaço das palavras
roubadas do jardim sem coração,
desenhávamos o amor na areia fria da insónia,
como se houvessem lençóis de prata nos teus ombros...
equações,
geometria invisível galgando a ardósia da tarde,
e sabíamos que o suicídio do amor
aconteceria um dia,
como acorrentadas mãos a uma caneta,
uma corda em lágrimas imaginada pelo abstracto objecto das arcadas envergonhadas,
as rochas frias que alimentavam o desassossego do poema,
e nos teus braços...
as sílabas que sentiam as tristes pontes metálicas
e os animais enraivecidos,
trazíamos no corpo as feridas da luz,
o poço da morte iluminado pela tua pele em pedaços de suor...
o desejo de ti quando lá fora alguém gritava pela alvorada,
e não tínhamos horário para navegar nas ondas secretas do mar,
vadiávamos a cidade,
comíamos sombras de nada...
e amávamos a literatura.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 25 de Janeiro de 2015