sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Criança de porcelana

(desenho de Francisco Luís Fontinha)


preciso das tuas asas para sorrir
vivi numa casa que apelidaram de “borboleta”
nada tinha
às janelas faltavam os vidros
os cobertores tinham partido em viagem silenciosa
e nunca mais regressaram
quando ia à janela via o mar
e a Baía de Luanda
não mar
não asas para sorrir...
a “borboleta” tinha medo das minhas mãos
e quando encostava a cabeça às frestas do gesso cansado
sentia um barco atrapalhado descendo as escadas
correndo
como uma gaivota
que nunca
nunca... quis entrar dentro da “borboleta”...
porque ela era filha de um papagaio imaginado pela criança de porcelana.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 23 de Janeiro de 2015


quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Infâmia


A maré que chora
e
grita
o esperma emancipado da poesia adormecida
a lágrima
o sorriso de uma ferida
a maré que inventa meninos ao amanhecer
o mar endurecido
o mar... o mar a morrer
a sílaba
e
grita
a palavra
na vagina do silêncio...
a maré
cinzenta
a ratazana dos armários de vidro
a infâmia quando acorda o mendigo.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 22 de Janeiro de 2015

O que é o amor?

(desenho de Francisco Luís Fontinha)


quando o corpo se despe das palavras
e os ossos se vestem de sombras
o amor existe ou não existe dentro de um copo com água...
o que é o amor?
uma palavra
um sorriso
ou... um transeunte olhar reflectido no espelho da madrugada
com asas em papel flamejante...

não respondas!
não pronuncies a minha alvorada
quando eu nunca tive uma alvorada só minha...
nada
nem cidades
nem nomes
abstracto este retracto esculpido no tronco da árvore dorida
que só o silêncio consegue abraçar,

e o amor
amar...
mar
barcos com lábios de azimute embriagado
a água que habita o vidro sulfuroso... dorme
inventa plataformas de vinil
e a corda transparente do desejo
enfestada de vírgulas e traços e riscos e... e pontos de interrogação...

O que é o amor?


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 22 de Janeiro de 2015


quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Poema de luz

(desenho de Francisco Luís Fontinha)


a náusea palavra aprisionada nos lábios da dor
trazes nas veias o poema de luz
que dorme nas raízes do medo
o silêncio do teu sofrimento
folheando um livro sem imagens
melancólico
abstracto
a ilha
sem árvores
sem casas de pano
como tínhamos no Inverno
sem percebermos o que era a saudade...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 21 de Janeiro de 2015


Clandestino


(desenho de Francisco Luís Fontinha)


não imagino a tua ausência
meu amor
sou o espelho do sofrimento
da tua luta
imagino as tuas lágrimas de silêncio
no pergaminho sono da clandestinidade
vais morrer
e nada tenho para escrever na tua lápide....


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 20 de Janeiro de 2015

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Jardim de pedra


Esta paixão não arde
não termina
não existe,

e teima em suicidar-se...

ausente
sinto-me
árvore
pássaro doente
sinfonia
caixão...
melodia enfaixada nas palavras do Adeus
não pensa
e não quer
beijar o mar
como se o mar fosse os lábios de uma mulher
sem nome

e teima em suicidar-se...

o poema
o poeta
e todas as flores do jardim de pedra.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 20 de Janeiro de 2015

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

O cansaço da noite

(desenho de Francisco Luís Fontinha)


Encosto-me a este infeliz candeeiro
com sorriso de néones,
percebe-se do seu esqueleto enferrujado
o cansaço da noite,
há nele as carícias invisíveis do pavimento térreo
e das flores aprisionadas aos seus braços,
uma corda acorda
e passeia-se junto ao rio,
fumam-se cigarros nas sombreadas alvenarias de verniz
que o vento transportará para o silêncio dos teus seios,
uma lágrima de enxofre cai suavemente sobre o meu peito...
e amanhã não haverá alvorada,
encosto-me...
e escondo-me das tuas garras,
dos teus lábios com sabor a palavras,
e...
e encosto-me ao teu corpo
das canções à lareira,
hoje... hoje é Domingo?
não sei... meu amor!
uma corda acorda
e dança dentro da madrugada cinzenta
como uma balança...
velha e rabugenta.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 19 de Janeiro de 2015