sábado, 19 de abril de 2014

se o teu corpo falasse


se o teu corpo fosse apenas uma palavra
uma flor solitária no jardim dos jasmins
uma estátua sem nome
sexo
ou idade...
se o teu corpo fosse a noite enfeitada com lantejoulas e alecrim
desconexo melódico das músicas sem anoitecer
conforme os sonhos da insónia
se o teu corpo fosse uma guitarra
uma bateria prisioneira num quinto andar com janelas para o Tejo...
um cacilheiro em combustão
procurando poemas

inventando livros nas mãos do silêncio
se o teu corpo fosse uma sinfonia de fotografias a preto-e-branco
nua
sexo
ou idade...
se o teu corpo habitasse na ponte do incenso
mergulhada na tristeza de um olhar pintado de verde
nua
sexo
ou... idade
se o teu corpo fosse um livro de ler
a lareira do Inverno recordando a saudade...

se o teu corpo existisse
tivesse vida como a vida das minhas personagens
se ele me dissesse que me amava
se o teu corpo fosse a jangada
a livraria enfeitada com o pó envenenado das sanzalas perdidas no Oceano...
nua
sexo
ou... idade
se o teu corpo falasse
gritasse
- eu estou apaixonada...
e eu acorrentava-me ao teu corpo com o nome de “palavra”...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 19 de Abril de 2014

sexta-feira, 18 de abril de 2014

candeeiros com braços de prata


quatro bancos em madeira
um jardim em desassossego
três árvores
… duas belas mulheres
uma Primavera
com plátanos de brincar
quatro bancos em madeira
dois corpos em translação
quatro seios em rotação
… e duas belas mulheres
duas mulheres em solidão
quatro bancos em madeira e uma gaivota em papel

um barco com pálpebras de chocolate
um marinheiro vestido de vampiro
duas belas mulheres
e quatro bancos em madeira
percebem na insónia a sinfonia dos candeeiros com braços de prata
um jardim em desassossego
um Oceano desgostoso
triste...
tão triste como os fios de nylon que aprisionam o sexo dos pássaros
uma Primavera inventada pelo poeta dos farrapos amanhecer
senta-se nos quatro bancos em madeira...
… acaricia as duas belas mulheres e as três árvores


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 18 de Abril de 2014

Noites embriagadas


A bateria balança sobre o palco da tempestade
o baterista entra-se no meu silêncio
e absorve-me,
os sons melódicos do Jazz correm nas minhas veias desconexas
há marinheiros na minha mão que procuram o Oceano da loucura
e absorvem-me,
e sinto-os como se fossem a Primavera
correndo
caminhando sobre a límpida areia de veludo,

A música acorrenta-se aos meus braços de porcelana
choram as cordas da guitarra friorenta dentro de um cubículo sem janelas
e eu, eu transformo-me em palavras,
há poemas no meu peito com sabor a clandestinidade
beijos em pergaminhos que sobejaram da saudade...
e absorvem-me...
pequenas réstias de limalhas de aço
brincam nos meus sonhos...
e absorvem-me,

A bateria não se cansa dos meus fantasmas
o baterista suspenso no arame de papel que constrói a madurada
e absorvem-me as sonoras lágrimas da manhã,
sei que no teu rosto de madeira habitam fotografias a preto-e-branco
e outros suspiro sem nome,
homens desejando a morte
e a morte que não cessa de gritar...
absorvo-te enquanto desenhas nos seios da literatura sons geométricos das noites embriagadas.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 18 de Abril de 2014

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Texto de Francisco Luís Fontinha – Divulga Escritor


os tentáculos do meu sonho


oiço os tentáculos do meu sonho
quase que lhes toco
acaricio-os como se fossem o rosto negro da mulher com asas de saudade
converso com eles... mas existe um cortinado de estanho que ofusca o fumo da solidão
sei que do outro lado do cortinado vives e tentas agarrar-me
mas eu voo sobre os telhados de vidro que tens no teu cabelo
oiço-os
quase que lhes toco...
e acordo e percebo que apenas há noite e pedacinhos de sombra acorrentando o meu corpo...
sou ou não sou um corpo navegante?
um corpo... em busca do cais do sossego
oiço-os e toco-lhes oiço-os e toco-lhes oiço-os e toco-lhes


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 17 de Abril de 2014

quarta-feira, 16 de abril de 2014

corrente em aço


porque choram as pedras entranhadas na pele da tua mão?
pergunto-me e não percebo porque há círculos com olhos verdes,
quadrados com sorriso de gaivota sem nome,
pergunto-me...
porque existe no teu pulso a corrente em aço,
a dor, o sacrifício de um simples abraço,
porque escreves o teu poema nos meus olhos,
se eu,
cego... não o consigo ler,
gritas-me e sussurras-me palavras...
e eu, eu não as quero ouvir,
porque tenho a certeza que choram as pedras entranhadas na pele da tua mão.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 16 de Abril de 2014

terça-feira, 15 de abril de 2014

sonhos com sabor a papel...


nos teus lábios habita o solstício da paixão
sinto o odor cansado do teu cabelo voando sobre as sombras da solidão
há lágrimas no teu sorriso
há insónia na tua noite construída de trapos e cortinados negros
e dos teus olhos
o silêncio das caricias desenhadas pela mão de um coração
sinto-o
e oiço-o
como os sonhos que vivem dentro de mim
nos teus lábios habita o sofrimento envenenado
e lá fora alguém grita o teu nome
sons metálicos cambaleando sobre a dor
traços
triângulos
círculos com olhos verdes
nos teus lábios a imagem da criança em pequenas viagens
espera pelo machimbombo
um homem puxa-o com um cordel imaginário
e de rua em rua
e de casa em casa
leva mangas e cacimbo e capim
tem nas mãos a dócil fotografia de uma cidade perdida
o mar alicerça-se às pernas do menino...
a criança vê nos zincos telhados outros meninos
meninas
e sonhos como os dele...
sonhos com sabor a papel...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 15 de Abril de 2014