segunda-feira, 3 de junho de 2013

Coloridas madrugadas em bolhas de insónia

foto: A&M ART and Photos

Sou um corpo de tinta em movimento circular uniformemente acelerado, voo como os pássaros e sonho como os homens, sinto o prazer do vento no meu rosto como as mulheres, tenho desejos, tenho palavras crispadas nas planícies do meu silêncio, trago em mim o sorriso do mar que me abraçou quando eu criança, sem saber que a distância se iria um dia entranhar no meu cansado peito de rocha granítica, tinha nas mãos o invisível sossego das tarde de Domingo, ouvíamos o relato de futebol, confesso que nunca fui fã, mas entretinha-me a desenhar vestidos em papel vegetal, utilizava lápis de cor, todos, menos o azul, na altura era proibido, depois escolhia os tecidos, as linhas e as agulhas, e de dedal no dedo, construía... destruía, cosia, descosia, e quando a noite se preparava para nos invadir o quintal, eis que o vestido estava prontíssimo a ser utilizado pelo meu amigo chapelhudo,
Um corpo submerso na tinta transparente do solstício de verão, nuvens de algodão saboreavam a boca das crianças depois do espectáculo de circo, sentávamos-nos no Baleizão, havia frescura como se cada noite fosse diferente da interior, como se cada noite fosse única, una, cancelas de palhaços voando entre as cadeiras da esplanada, eu sonhava como uma gaivota à espera de sossego para me erguer das ventosas linhas ínfimas dos paralelos da calçada em direcção à cidade adormecida, todos dormiam, uns snifavam coca, outros, fumavam heroína, outros... brincavam na areia imaginária do largo dos aflitos corações de ardósia,
Coisas, ruins, coisas de homens e coisas de mulheres, não coisas minhas, porque eu mergulhava em pedaços de tinta, transformavam-me em tela, e um gajo sobejava-me traços a carvão, ao poucos crescia em mim uma cidade de Inverno, frio, o corpo transpirava, havia vómitos como havia flores nos jardins por onde passava, olhava, e vinham-me as saudades dos livros de poemas que deixei sobre a casa de penhores, uma máquina de calcular, uma máquina fotográfica, tudo, pouco
Quanto me dá por tudo?
Nada, três contos de reis, ninharia, dois pacotes por três, promoção, comprem meninas, meia, calcinhas, vestidos decotados, tecido estampado, última moda em Paris, nada, três contos, e um texto em ficção, dois poemas por três frases sonhadas e pensadas na casa de banho do café, dançavam estradas de alumínio entre mãos, estradas sem portagens, livres, gotas em bolhas, castanhas, os olhos vidrados, e começava a cair sobre nós uma penumbra chuva miudinha de sono,
Quanto? Só?
Dormíamos sobre os joelhos, e quando acordávamos... uma flor sorria-me, e em lábios carnudos, dizia-me simplesmente
Bom dia, meu amor,
Dizia-me simplesmente... porquê, Francisco...
Porquê.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Navegantes sorrisos

foto: A&M ART and Photos

Os desencontros dos navegantes sorrisos
da sua boca o desassossego em preguiça
os meus teus lábios voando sobre as calçadas do silêncio
entre medos
degredos
teus luxos segredos
quando um cortinado se esbanja à janela da solidão
e a tempestade avança contra nós e nos tomba no chão,

Os espelhos dos teus seios como coloridas manhãs de Primavera
havíamos plantado árvores de brincar
tínhamos bancos de sentar
como inventada madeira
saltitando nervos dos horóscopos aquários
eu vagabundo
eu imundo... sorrindo cansaços marasmáticos em saliva amanhecer
e oiço a tua sóbria voz no meu peito de xisto,

Tinhas na boca a minha boca em papel cremado
sentia a tua língua em poesia escrevendo versos no meu pescoço...
pegava-te na mão dilacerada e esperava pelas tuas doçuras coxas
inventávamos areia sobre os lençóis de linho
e desciam as estrelas sobre os nossos corpos em delírio
coisas em coisas como tinta numa tela encarcerada dentro da prisão dos húmidos desejos
e havíamos esgotado todos os livros e marés de ninguém
e tínhamos um cubículo de fome só nosso... como flores esquecidas na jarra sobre a mesa-de-cabeceira....

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Transeunte paquete de imagens

foto: A&M ART and Photos

Transeunte paquete de imagens escuridão
semi-nuas entre palheiros com gaivotas em transe
e lâmpadas de incenso na janela da seara adormecida
sinto-me quando me sento nos confins desenhos dos muros em betão
correndo mar adentro
como âncoras de chocolate escorrendo pelos corpos despidos cansados...

O teu e o meu suspensos das nuvens agrestes que as sílabas constroem
sinto-me e sento-me perdidamente embriagado nas ondas oceânicas madrugadas
comia manhãs saboreando as páginas perdidas de uma sebenta ensonada
transeunte paquete de ti em minha mão ensanguentada
desces do pôr-do-sol e entranhas-te em mim
como se fosses uma livraria apaixonada.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Blogue Cachimbo de Água em Destaque
Sapo Angola

domingo, 2 de junho de 2013

Mãe de areia

foto; A&M ART and Photos

Inventavas canções que me adormeciam
desenhavas sombras sobre a minha alcofa com pedaços de papel colorido
olhava-os pensando serem estrelas
ainda hoje confundo-os com as estrelas do céu
e fico sem saber se elas são papeis
ou se os papeis são cores pintadas por ti nas paredes da noite,

Colocavas-me um pequeno rádio a pilhas
em som quase nulo
e dizes-me agora que cintilavam os meus olhos
ficava submerso nos lençóis como um barco de esponja
na banheira de plástico onde me banhavas...
e dos meus ainda não dentes coloridos sorrisos vinham,

Regressavas a mim com o cacimbo em ti
e trazias contigo o cheiro do capim molhado
húmida a terra
sangravam as rochas as lágrimas tuas quando eu deambulava sobre os telhados de areia...
depois... adormecias em pé enrolada no cansaço
e um dia deixaste-me cair e eu percebi que me amavas...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Não... possivelmente não és nada

foto: A&M ART and Photos

Sento-me nesta cadeira de gente, só, pego nas palavras e semeio-as sobre uma fina toalha de linho, sentado, percebo que sou um ignorante diplomado, sinto que lá fora, no meu jardim, há pássaros novos, vê-se pela penugem, parecem ainda bebés, depreendo que nasceram aqui, e aqui vão crescer, até se fazerem homens, mulheres, e zás... desamarrarem-se do cais seus pais e nunca mais regressarão, ou talvez um dia, quem sabe... regressem, visitem as minhas já então velhas árvores, possivelmente, a figueira, deixara de existir, possivelmente, o pessegueiro recheado de atrozes, possivelmente, a cerejeira, essa, de coluna vertebral inclinada a quarenta e cinco graus, e nada, ou quase nada, que, eu, possa fazer para mudar o curso normal das coisas, estas, banais, e tudo, porque estou sentado numa cadeira de gente, só, pego nas palavras e semeio-as sobre uma fina toalha de linho, sentado, oiço-te quando gritavas o meu nome do outro lado da rua, havia casas rasteiras entre nós, um dia quis fazer de uma velha televisão um aquário para peixes, abri-a, e queria abrir o velho embaciado ecrã do televisor munido de válvulas e outros apetrechos, ligava-se e a imagem aparecia segundos, minutos, depois, como das palavras do outro digno Senhor “Precisa de aquecer as bobines e parece um poço a deitar música”, neste caso, imagens, a preto-e-branco, além de parecer uma bomba, fiquei com o rosto golpeado, tudo, porque o dito explodiu, transformou-se em areia, finíssima, como a tua pele doirada depois de bronzeada pelos dóceis dedos pertencentes à minha mão,
Que parvalhão acreditaria na possibilidade de fazer um aquário do ecrã de um velho televisor?
Eu, sento-me nesta cadeira de gente, vejo-te entre a roldana do tempo e a corda das cinzentas nuvens de fim de tarde, oiço-te do outro lado da rua, das casas rasteiras, vozes, rádios vomitando músicas, e músicas inventando imagens na minha ainda cabeça de criança. Cerro os olhos, entro num longo túnel com muitas cadeiras iguais às que hoje me sento, cadeiras de gente, só, eu, pego nas palavras e levo-as comigo, sozinho, dentro do túnel com uma das mãos enfiada na algibeira, porque perder as sementes de palavras, certamente, o meu fim, assim, ainda me resta a esperança de sobreviver às magoadas paixões de silício, semicondutores, dentro de mim, aumentam-nos a velocidade, a aceleração multiplicada pela minha massa, sinto-me sentado, mas realmente há muito que não durmo, não como, apenas existo para guardar a algibeira das palavras, e consigo ver a força expressa no espelho
(Nunca duvidei que F=m * a)
E é tão feia, velha, serão assim no futuro as minhas árvores onde acabaram de nascer este belos pássaros?
Oiço-os, existe um melódico som como quando, às vezes, oiço pela trigésima sétima vez elevada ao cubo, o projecto Wordsong (AL Berto), e eu, sempre dentro do túnel, e eu, sempre de mão na algibeira, posso perder tudo do pouco que me resta, mas perder estas poucas sementes de palavras, minhas, inventadas para ti,
E pergunto-me?
Falo em ti e nem sei quem porra tu és...
És homem? És mulher? És pássaro, vento, madrugada, esplanada, beijo, púbis, coxas? Não... possivelmente não és nada,
E pergunto-me?
Falo em ti e nem sei quem porra tu és...
Sento-me nesta cadeira, de gente, só, embriagado pelo silêncio dos Deuses adormecidos, pego na mão, abro-a, começo, vagarosamente a semear as poucas palavras que me restaram sobre a fértil secretária de madeira, oiço o soluçar do teu corpo, e sinto-te, tu, do outro lado da rua, as casas rasteiras, tu, brincas com uma roldana, és a responsável pelo andamentos dos relógios de pulso, ou daqueles como o meu, suspenso na parede da sala, e de quinze em quinze minutos...
Horrível, o horror de saber que existes, do outro lado da rua, as casas rasteiras, e não sei quem és, como o serás nua, se és homem, se és mulher, se és pássaro, vómito, canção, poema, desenho ou apenas alguém a brincar numa roldana,
Sento-me nesta cadeira de gente, só, pego nas palavras e semeio-as sobre uma fina toalha de linho, sentado, percebo que sou um ignorante diplomado, sinto que lá fora, no meu jardim, há pássaros novos, vê-se pela penugem, parecem ainda bebés, depreendo que nasceram aqui, e aqui vão crescer, até se fazerem homens, mulheres, e zás... desamarrarem-se do cais seus pais e nunca mais regressarão, ou talvez um dia, quem sabe... regresses para olhares pela primeira vez a minha sementeira de palavras.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Penúria montanha

foto: A&M ART and Photos

Fui ver o oceano mar
que o inverno coração tece nas montanhas da paixão
levitei sobre as rochas cansadas de uma madrugada doente
e demente flor em procissão no corpo teu das estrelas com sabor a chocolate
fui ver... e permaneci em tempos têmporas adormecidas dos cascos violentos...
tempestades e tormentos e nas mãos tuas as delinquentes barcaças dos tecidos velas,

Será do teu corpo que acorda a fome em palavras dispersas e vãs
que das teias de aranha silêncios meus porque tenho lábios de areia
e boca de caverna sem esconderijo ou amor ou amar dos versos embriagados
fui e desejo não regressar às antigas ruas dos candeeiros dispersos
como as minhas folhas transparentes de pergaminho voando sobre plátanos
e corpos nus brincando numa praia imaginária,

Há beijos vendidos por duas ou apenas três perversas rimas
beijos cansaços como velhos farrapos de barcos aços
guindastes e seios de xisto embalsamado que suspendem-se nos socalcos da loucura
grito e rio sorrisos que o Douro entranha
teu ventre uma penúria montanha
cabisbaixo o púbis fingindo ventos que me levam às cidades de granito...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha