quarta-feira, 24 de outubro de 2012

A cidade dos cadáveres em pedras frias


Existiam sorrisos de dor
nas tuas palavras
pequeníssimos beijos de luz
na madrugada sem destino
o eu ausente
caminhando sobre o mar em flor
em menino
o amor
que a chuva sente
nas tardes de Outubro
o poema transforma-se em pedacinhos de xisto
e mel poisado nos lábios da amêndoa,

Procuro a cidade
dentro da algibeira dos cadáveres quando dormem sossegadamente
nas pedras frias do destino
a cidade cresce dentro das ruas sem saída
que o rio engole das janelas da manhã enfeitada com fios de papel,

Oiço vagarosamente os sorrisos de dor
nas tuas palavras,

e uma corda de sono
entrelaça-se nas minhas mãos esquecidas nas árvores do inverno
cai a noite sobre nós
e descem as estrelas até aos teus olhos de luar.

(poema não revisto)

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Coisas belas


Tantas coisas belas
que dormem no centro da terra
coisas com asas de vidro
e olhos de prata
ruas com janelas
e telhados de chapa

tantas coisas belas
infinitamente apaixonadas
pelas madrugadas
elas
as flores engraçadas
que a noite alimenta

tantas coisas belas
docemente voando nas montanhas do mar
coisas com palavras de amar
belas de embalar
quando a lua e o luar
beijam as luzes da paixão silenciosa

tantas coisas belas
que brotam das tuas mãos de sílaba distraída
coisas e coisas belas elas
entre os parêntesis do beijo
sem jeito
no peito em ferida.

(poema não revisto)

As folhas cansadas do Outono


Apareces, desapareces, inventas sombras nas entranhas do xisto douro em socalcos de oiro, teces nos lábios do rio as palavras bronzeadas que a noite transpira, e inspira, o poeta que dança nos braços de uma canção, apareces, desapareces, e constróis desejos nos tentáculos do poema, o poeta enlouquece nos olhos enamorados dos plátanos ternos e meigos dos loiros fios de luz que a manhã desenha na areia,
e desce a noite sobre ti,
desapareces, apareces,
nos versos das folhas cansadas do Outono,

E dizem que a lua cor de amêndoa navega nas gaivotas do Tejo, apareces, desapareces, inventas sombras, inventas-me quando a janela do minguante silêncio aquece na tua pele de água adormecida, oiço-te voar debaixo do tecto da saudade, eu corro, eu procuro-te desenfreadamente no Rossio depois de se despedir a tarde dos sótãos suspensos na solidão,
inventas, e dizes-me depois de adormecerem todos os sonhos da cidade que o poeta enlouquece a madrugada e enrola-se nos candeeiros invisíveis que os pássaros trazem do outro lado do rio,

Apreces, e inventas-me, inventas a saudade, inventas o desejo, e desapareces dentro da neblina cinzenta dos cigarros quando vêm os barcos ao teu submerso corpo de papagaio de papel no cordel enfeitado que o miúdo lança contra o vento.

Francisco
23/10/2012

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

O tempo infinitamente ausente


Ernesto F. acreditava nas mentiras envergonhadas que todas as tardes de sábado cresciam entre as amoreiras e as finitas palavras de Teresa que transportava nos lábios o medo do mar, e frente ao espelho da noite, antes de adormecer,

- E se o mar me comer, ouviam-se-lhe os gemidos poisados na proa transversal do esquelético poeta que inventava cigarros nas páginas rasuradas do livro de poemas esquecido na casa de banho do sótão sem janelas, e sem janelas não parapeitos, e não parapeitos, não pássaros nas fotografias da madrugada,

- um dia assassino todas as canetas de tinta permanente e o papel mata-borrão que me irritam, e sem sentido, fogem nas ilhargas cansadas da morte, Ernesto F. detestava a mentira escrita na ardósia sorridente dos palhaços pintados com acrílicos embrulhados na salgada água da boca da criança perdida junto ao rio encalhado na algibeira do velho Armindo, de manivela em riste, a dar corda ao tempo infinitamente ausente,

um dia, um simples dia, tudo e todos vão parar, fim da linha cruzada dentro dos anzóis solidificados que o amor constrói nas plantas imaginadas pelo ciúme do vidro enraizado no peito do crucifixo suspenso na luz abstracta da maré antes da lua mergulhar dentro das coxas fantasiadas de rosmaninho e alecrim doirado, sinto-o-as quando abro o livro dos sonhos e todas as mentiras perfiladas na parada da Ajuda, sobre o céu azul invisível do sofrimento encarnado que as gaivotas deixam cair nas ruas desabitadas de homens vestidos de cacilheiro em círculos no pequeno quarto do sótão,

escrevo-te como se fosse hoje o meu último dia, de vida, de sonhos, de prazer, o último de qualquer coisa palpável, o último sorriso, o último adeus quando sofregamente o cavalo de aço em pequeníssimos milímetros desaparece na ponte de madeira envernizada e que toda a vida me perseguiu na clandestina areia do Mussulo,

- tão branca mãe, e os castelos de desejo no pescoço frágil da mulher silenciosa e docemente feliz depois de me olhar pela primeira vez embrulhado nos ossos catalogados das janelas da maternidade, tão branca mãe, branquíssima mãe, toda a areia do Mussulo, e os lugarejos de amêndoa às mangueiras de sombra nocturna,

os pássaros caiam sobre a terra queimada de Janeiro.

(texto de ficção não revisto)

manhã de Outono fictícia


cessam as luzes dos teus olhos
manhã de Outono fictícia
sem perceberes que da janela da saudade
rompem lágrimas envergonhadas
tímidas
madrugadas
quando a paixão entra no orifício circunflexo da solidão
e no cubo do medo a tua voz mergulha nas bocas em desejo,

cessam as luzes
e os olhares das plantas
cessam todos os silêncios que a lua constrói
na mão clandestina de uma abelha,

tímidas
madrugadas
envergonhas
lágrimas
todas elas
à janela com cortinados de sémen
o amor dorme docemente nos teus lábios
manhã de Outono fictícia .

(poema não revisto)

domingo, 21 de outubro de 2012

Carris da solidão


És construída de medos
enraizados nos silêncios azuis que a noite sem destino
tece nas palavras que habitam os poemas,

toco-te e acaricio o papel de veludo dos teus cabelos
dentro do sorriso das estrelas
no centro da cidade
sem perceber que choras
e estás triste
cansada talvez
talvez moribunda como os relógios empoleirados nas árvores de domingo
quando a tarde mergulha no espelho do guarda-fato,

escondes-te no quarto escuro
negro como o universo infinito
das rectas paralelas
os carris da solidão
abraços
beijos
um simples olhar nas persianas do teu peito
bate o teu coração sem destino
furioso porque estupidamente eu caminho sobre o mar invisível
construída de medos
silêncios muitos
beijos,

eu
eu o homem de palha com cabeça de vidro
perdido na margem do rio
à procura da tua mão
deliciosa no meu rosto embaciado pela neblina da paixão
o teu corpo estremece na terra húmida que o púbis da literatura
escreve na madrugada
sem olhar para a lua da tua boca.

(poema não revisto)