sábado, 20 de abril de 2013

Invento a tua mão

foto: A&M ART and Photos

Procuro um trilho seguro entre duas linhas paralelas, do aço longitudinal poisa o nevoeiro como a poeira fina das lágrimas do meu rosto, pego na minha mão e coloco-a transversalmente na face rosada, escura, sou absorvida pela neblina, e metros depois, desapareço entre as tábuas apodrecidas que abraçam a linha férrea que me irá transportar até ao “O Cais das Merendas – Lídia Jorge”, li-o ainda eu era adolescente e apaixonei-me pelas palavras dela, pelas histórias, e foi há tanto tempo, tempo demais, o suficiente para chamar a “Clarissa – Érico Veríssimo” e afagar-lhe o cabelo com os meus dedos de insónia, finos, compridos, leves como o vento, cinzentos, e até às vezes, encarnados como os botões de rosa do jardim público com bancos em ripas de madeira, finas, e em letra de imprensa “Cuidado – Pintado de Fresco”, e como eu distraidamente, como tu, sentámos-nos, demos as mãos, e quando nos erguemos, a minha saia tinha as marcas das ripas e as tuas calças de ganga
(três sombras como uma grade de sofrimento, três ripas de madeira que aprisionavam invisivelmente as minhas nádegas de areia)
Três linhas rectas, carris, sem saída, e sobre mim uma fina camada de neblina que não me deixava ver os carris, começa a descer a noite, escrevia o teu nome na minha boca, e tu, não vinhas, e tu, talvez perdido entre ruas e edifícios defeituosos, com muitas janelas e vidros partidos, e quando acordava o sol, ouviam-se-lhes as saudades da areia branca,
(três sonhos dentro de três desejos que esperavam por três tristes tigres, e à nossa volta, três ruas, apunhaladas por três homens com uma cabeça de marfim, e depois, viam-se três, também elas tristes, três lindas flores com pétalas em vogal de incenso e sílabas com molho de palavras voláteis dos dias engasgados nas bocas de três alegres, estes sim, alegres rapazolas vestidos com mantas embalsamadas pelo silêncio e pela pobreza, e triste, também, triste não é ser pobre, triste é ser ignorante e acreditar que tudo à sua volta gira em círculos de saliva, há um pequeno gaguejo sísmico, há um pequeno latido, um lamber de botas... e já está, a vida só é triste quando se é ignorante, e ser-se pobre não é dramático, ser-se pobre ou filho de pobres, não é vergonha, é um enorme orgulho, vergonha... é realmente ser-se ignorante, porque a única coisa que o dinheiro não compra é a vida, e a inteligência)
E nós sabíamos que as areias brancas estavam tão longe de nós, como estes carris, que quanto mais caminho sobre eles, mais compridos são, longínquos nas manhãs de Outono, entre poeiras e tinta acrílica sobre o olhar da linda Mariana, e nós sabíamos que apenas os perfumes que sobejavam das clareiras em bolor conseguiriam sobreviver à saudade...
(três lindos carris em aço procuram esposa, máximo sigilo)
E procuro-me no trilho seguro entre duas linhas paralelas, do aço longitudinal poisa o nevoeiro como a poeira fina das lágrimas do meu rosto, pego na minha mão e coloco-a transversalmente na face rosada, escura, sou absorvida pela neblina, e metros depois, desapareço entre as tábuas apodrecidas que abraçam a linha férrea que me irá transportar até aos teus braços,
(onde andarás agora...!)
E sussurradamente invento a tua mão dentro da minha mão...

(não revisto, quase ficção)
@Francisco Luís Fontinha

Ficcionado eu de ti marinheiro

foto: A&M ART and Photos

Ficcionado eu na tua mão sideral em pedaços imaginários
de cristal e finos objectos de luz,
há uma lareira que se extinguiu dentro do teu peito de caverna inventada
pelas palavras de uma árvore perdida na montanha,
há ruas que nunca tiveram saída,
tu sabias,
e nelas continuaste a caminhar
como... se passeasses sobre o silêncio mar,

Ficcionado eu nos teus seios de pano
que serviram para embrulhar luares e noites de prazer,
há nessas mesmas ruas,
aquelas que nunca tiveram saída e tu caminhavas,
relógios de pulso e canções de amargo amor,
e tu sabias
que eu era uma simples sombra
como um copo moribundo na mão de uma mulher pintada de negro,

Eras a noite
e aparecias-me quando as luzes da insónia cessavam,
morriam,
eras a noite que sempre tive medo
e cobria-me com o cobertor cinzento...
para que não desses por mim,
ou descobrisses que o meu esqueleto em vez de ossos
tinha ficcionado uma pomba branca cansada de voar.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha


Em destaque – Sapo Angola

sexta-feira, 19 de abril de 2013

A roulote da alegria

foto: A&M ART and Photos

Andávamos de terra em terra, andávamos de luar em luar, éramos dois mutantes fugitivos aos arautos das marés de inverno, sonhávamos, desesperávamos-nos quando encalhávamos sobre as fragas frágeis das aldeias em flor, e tínhamos medo do dia seguinte, e quando acordávamos, continuava tudo igual ao dia de ontem, amanhã, dizem, amanhã é Sábado, levantarmos-nos não muito cedo, o duche, o pequeno-almoço, e uma torrada para o REX, tomar café, de preferência DELTA RUBY, e depois de enganar-me com as sombras de cigarros apagados desde Maio de 2012, regresso a casa, ligo o portátil e escolho o Ubuntu como Sistema Operativo, fartei-me do Windows e das suas birras, parecendo às vezes certas mulheres, chatinhas, tão chatinhas que as prefiro a elas do que a ele, mas enquanto existir o Linux não o trocarei por outro qualquer, porque há coisas inconfundíveis, incontornáveis, amores eternos, amores como o das pessoas, amores
(sou a favor do software livre e aberto a todos)
E depois de tantos amores, e depois de portátil ligado, vou à minha caixa do correio, - Levanto-me, abro a porta da biblioteca, passo pelo corredor, atravesso em bicos de pés a sala de jantar, mergulho num pequeno Hall e depois de ultrapassar a cozinha, entro definitivamente no quintal, e cerca de quinze metros depois, abro a caixa, e correio... nenhum – quem é que tinha o atrevimento de me escrever, digam-me – Quem? - só o “Fisco”,
(andávamos de abraço em abraço, andávamos de gemido em gemido)
Faço uma visita breve ao meu blogue, talvez escreva alguma coisa, depende dos sábados e do estado da caneta Parker de tinta permanente, até à data nunca ame deixou ficar mal, escreve sempre aquilo que quero e desejo, e Às vezes, até me obriga a escrever aquilo que não quero, mas ela é assim, e assim me vai acompanhar até ao fim
(fim de mim, fim de ti, ou fim de um texto qualquer ou poema)
Copiam tudo, aqueles sacanas, e de “O Medo” de AL Berto, na mão, abro-o, e verifico que é uma edição de Outubro de 1991, Contexto-Círculo de Leitores, e com o número de edição do Círculo de Leitores 3138, nada disto importa, apenas que este livro vale algum dinheiro – Talvez cento e vinte euros – mas a minha curiosidade está na contracapa onde vive um pequeno texto meu, de 9 de Maio de 1994, em Vila Real e digo ser esse o dia mais feliz da minha vida,
E reza assim,
“Não tenho medo
de estar só...
não tenho medo de morrer,
mas... sinto medo de estar vivo!
E se eu morrer,
Que seja sozinho;
tenho medo da multidão,
e sei que não estarás ao meu lado!



Claro que eu percebo estas palavras e porque as escrevi naquela data, mas já não importa, e copiam tudo, aqueles sacanas, copiam os poemas, copiam-me os textos, copiam tudo, aqueles estúpidos pássaros de bico amarelo e negros como a noite, recordo-me em miúdo de ver um em casa do meu avô, dentro de uma gaiola, e já na altura, ficava confuso ver alguém com asas dentro de um pedaço de rede, sem liberdade, apenas porque canta lindamente,
(e se um dia, um louco, fizer o mesmo comigo, isto é, construírem à minha volta uma rede invisível, onde me aprisionam, apenas porque escrevo, apenas porque gosto de ler, apenas... porque sou eu)
Andávamos de terra em terra, andávamos de luar em luar, éramos dois mutantes fugitivos aos arautos das marés de inverno, sonhávamos, desesperávamos-nos quando encalhávamos sobre as fragas frágeis das aldeias em flor, sem flores, sem janelas, depois, depois voaram-nos as palavras e os bancos de jardim com meninas de livro na mão, sentadas, cruzavam a perna, e de saia meio de chita, meio de qualquer coisa, esqueciam-se que eu era um pássaro esquecido dentro de uma gaiola numa aldeia do Concelho de S. Pedro do Sul,
(- Tens saudades minhas, meu querido amigo? - e só sei que era Sábado, e que depois de escrever qualquer coisa, deixava o portátil ligado, música em sons melódicos para os fantasmas da livraria, e antes do meio-dia, todos os Sábados, dirijo-me à barbearia do senhor António, desfazem-me a barba e venho descontraidamente almoçar, com o meu querido AL Berto sempre à minha espera, sobre uma secretária de madeira)
Uma das meninas levantou-se do banco onde estava ancorada, colocou o livro debaixo do braço, o olhar dela cruzou o meu, e hoje, hoje acompanha-me todos os dias e todas as noites dentro da roulote da alegria.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Diluído em azuis e castanhos

foto: A&M ART and Photos

Porque gemiam as gaivotas se o mar parecia um campo de milho, calmo e sereno, diluído em azuis e castanhos, meninos com infâncias destruídas, meninos sem infâncias prometidas, e no entanto, sabíamos que um dia íamos experimentar os chocolates com frutos silvestres, que um dia íamos experimentar as cavernas encolhidas nas rochas no cimo da montanha com o coração de riacho, as penas eram de sobreiro e de olhar terno, frágil, magoado, um olhar existente em construções falsas acompanhadas por lágrimas de cereja, e as pernas, tenho uma vaga sensação que eram de granito, e havia uma escada de acesso à caverna, entrávamos, amplamente arejada, uma enorme entrada, e sem janelas, e depois, continuava por um corredor, curvilíneo, até desaparecer na escuridão da noite, não tínhamos móveis, e dormíamos no chão, não tínhamos nada, e éramos tão felizes, como a pequena fogueira que ardia noite e dia, como se fosse uma porta de entrada em madeira robusta, que apenas servia para afugentar os animais mais endiabrados, mas
(que animais fariam mal a duas apaixonadas sombras?)
Ao longe ouvíamos o sombrear da lua quando caminhava sobre a copa das nuvens, tão finas, tão belas e tão doces, diziam-nos que eram de açúcar, mas por infelicidade, mas porque o destino nos tramou quando resolveu juntar-nos numa noite de Setembro, nunca tivemos o tempo necessário para verificarmos se realmente as nuvens eram de açúcar, mas que cheiravam bem, lá isso cheiravam, e que quando chovia, sentávamos-nos cá fora, e sentíamos as gotas de água da chuva junto ao canto do lábio inferior, e aí sim, percebíamos que era doce, mas nunca tivemos a certeza que fossem de açúcar..., como também, nunca tivemos a certeza de nada do que vivíamos ou viveremos na posteridade das sebentas com as páginas brancas, sem imagens, desenhos, e palavras, e ao
(animais)
Longe tínhamos terminado de acender os candeeiros a petróleo, nas mochilas apenas alguns cadernos, alguns livros, e lápis de carvão, e todas as noites, enquanto olhávamos a labareda da velha fogueira, olhava-lhe os olhos e imaginava um rebanho de ovelhas saltitando nas terras férteis e indomáveis de Favarrel, ainda conseguia imaginar o tio Serafim em corridas loucas e à pedrada contra a estrelada, e esta, quando regressava a casa, tardíssimo, mancava, e o velho
(que tem a ovelha, rapaz? - Caiu da parede abaixo, meu pai – e o velho dizia-lhe que no dia seguinte a estrelada ficava no curral, e o Serafim contente, saltava de alegria, porque depois da escola já não ia com as ovelhas para o pasto...)
E o velho tudo fazia para que o filho fosse agricultor, e o Serafim comportava-se como um artista, cantava fado, contava histórias, andou pelas ruas de Lisboa e quando regressou a casa convenceu toda a gente que tinha estado no Brasil, e durante dois ou três anos, ninguém, ninguém sabia do paradeiro do cantante que saiu de casa propositadamente para viajar até às terras de Vera Cruz..., ficou por lá encantado com os cheiros e com os sons
(do Tejo)
E com as mulheres de lá, onde durante a noite se escondia em tasquinhas perdidas em ruelas, e de dia, de janela encerrada, e de cortinado puxado até aos confins do Inferno, ressonava canções com sabor a vinho e sonhava com barcos que se faziam passear pela Terra Nova na peugada do fiel amigo; o eterno bacalhau,
“Porque gemiam as gaivotas se o mar parecia um campo de milho, calmo e sereno, diluído em azuis e castanhos, meninos com infâncias destruídas, meninos sem infâncias prometidas, e no entanto, sabíamos que um dia íamos experimentar os chocolates com frutos silvestres, que um dia íamos experimentar as cavernas encolhidas nas rochas no cimo da montanha com o coração de riacho, as penas eram de sobreiro e de olhar terno, frágil, magoado, um olhar existente em construções falsas acompanhadas por lágrimas de cereja, e porque transpirava o espigueiro recheado de espigas de milho, e porque tinham os melros medo do escuro, quando alguém por engano, desligava o interruptor do dia, vinha a noite, trazia com ela outras amigas, bebíamos, comíamos e fumávamos, sem que nunca tenhamos percebido, sem que nunca tenhamos admitido, que, ontem, na caverna, não tínhamos móveis, e dormíamos no chão, não tínhamos nada, e éramos tão felizes, como a pequena fogueira que ardia noite e dia, como se fosse uma porta de entrada em madeira robusta, que apenas servia para afugentar os animais mais endiabrados, mas os animais ferozes, éramos nós, eu, ela”
(e sentíamos as gotas de água da chuva junto ao canto do lábio inferior, e aí sim, percebíamos que era doce, mas nunca tivemos a certeza que fossem de açúcar..., como também, nunca tivemos a certeza de nada do que vivíamos ou viveremos na posteridade das sebentas com as páginas brancas e os títulos a negrito, poucas palavras, as datas mais importantes, o nascimento, e o último a morrer, ficará encarregue a reescrever a história e a data final de quando terminar a fogueira, tudo dentro da caverna cessará de respirar, e apenas a cinza da fogueira ficará como testemunha do amor de dois apaixonados, risíveis, ternos e com saudades do apito do comboio em corridas loucas na linha de Cais do Sodré até Belém, saía, puxava de um cigarro, e)
Como cresceu o milho,
(e sentava-se no parapeito da janela imaginária para o Tejo)
E não só o milho, o rapaz também está crescido, e a própria cidade, parece obesa, oca, sombria, uma cidade dentro de outra cidade, que, que hoje já não existe...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha