foto: A&M ART and Photos
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Procuro um trilho seguro entre duas linhas
paralelas, do aço longitudinal poisa o nevoeiro como a poeira fina
das lágrimas do meu rosto, pego na minha mão e coloco-a
transversalmente na face rosada, escura, sou absorvida pela neblina,
e metros depois, desapareço entre as tábuas apodrecidas que abraçam
a linha férrea que me irá transportar até ao “O Cais das
Merendas – Lídia Jorge”, li-o ainda eu era adolescente e
apaixonei-me pelas palavras dela, pelas histórias, e foi há tanto
tempo, tempo demais, o suficiente para chamar a “Clarissa – Érico
Veríssimo” e afagar-lhe o cabelo com os meus dedos de insónia,
finos, compridos, leves como o vento, cinzentos, e até às vezes,
encarnados como os botões de rosa do jardim público com bancos em
ripas de madeira, finas, e em letra de imprensa “Cuidado –
Pintado de Fresco”, e como eu distraidamente, como tu,
sentámos-nos, demos as mãos, e quando nos erguemos, a minha saia
tinha as marcas das ripas e as tuas calças de ganga
(três sombras como uma grade de sofrimento, três
ripas de madeira que aprisionavam invisivelmente as minhas nádegas
de areia)
Três linhas rectas, carris, sem saída, e sobre mim
uma fina camada de neblina que não me deixava ver os carris, começa
a descer a noite, escrevia o teu nome na minha boca, e tu, não
vinhas, e tu, talvez perdido entre ruas e edifícios defeituosos, com
muitas janelas e vidros partidos, e quando acordava o sol,
ouviam-se-lhes as saudades da areia branca,
(três sonhos dentro de três desejos que esperavam
por três tristes tigres, e à nossa volta, três ruas, apunhaladas
por três homens com uma cabeça de marfim, e depois, viam-se três,
também elas tristes, três lindas flores com pétalas em vogal de
incenso e sílabas com molho de palavras voláteis dos dias
engasgados nas bocas de três alegres, estes sim, alegres rapazolas
vestidos com mantas embalsamadas pelo silêncio e pela pobreza, e
triste, também, triste não é ser pobre, triste é ser ignorante e
acreditar que tudo à sua volta gira em círculos de saliva, há um
pequeno gaguejo sísmico, há um pequeno latido, um lamber de
botas... e já está, a vida só é triste quando se é ignorante, e
ser-se pobre não é dramático, ser-se pobre ou filho de pobres, não
é vergonha, é um enorme orgulho, vergonha... é realmente ser-se
ignorante, porque a única coisa que o dinheiro não compra é a
vida, e a inteligência)
E nós sabíamos que as areias brancas estavam tão
longe de nós, como estes carris, que quanto mais caminho sobre eles,
mais compridos são, longínquos nas manhãs de Outono, entre poeiras
e tinta acrílica sobre o olhar da linda Mariana, e nós sabíamos
que apenas os perfumes que sobejavam das clareiras em bolor
conseguiriam sobreviver à saudade...
(três lindos carris em aço procuram esposa, máximo
sigilo)
E procuro-me no trilho seguro entre duas linhas
paralelas, do aço longitudinal poisa o nevoeiro como a poeira fina
das lágrimas do meu rosto, pego na minha mão e coloco-a
transversalmente na face rosada, escura, sou absorvida pela neblina,
e metros depois, desapareço entre as tábuas apodrecidas que abraçam
a linha férrea que me irá transportar até aos teus braços,
(onde andarás agora...!)
E sussurradamente invento a tua mão dentro da minha
mão...
(não revisto, quase ficção)
@Francisco Luís Fontinha