sábado, 30 de outubro de 2021

Os pássaros adormecidos

 

Tínhamos na mão

O silêncio dos pássaros adormecidos,

Sentiam a fome no coração,

O coração dos poemas perdidos.

 

Eram palavras que se semeavam na tempestade,

Enquanto no mar,

Havia barcos com saudade,

Na saudade de abraçar.

 

Tínhamos beijos em pedacinho adormecer,

Tínhamos barcos em revolta,

Tínhamos palavras para escrever,

 

Palavras sem nome.

Palavras que andavam à volta,

À volta da fome.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 30/10/2021

domingo, 24 de outubro de 2021

As flores do meu jardim

 

Não preciso das estrelas do amanhecer

Quando tenho os teus lábios para beijar.

Não preciso dos meus poemas de escrever

Porque tenho a tua mão para acariciar.

 

Não preciso destas palavras semeadas

Nas páginas do vento;

Tenho todas as manhãs contadas,

E todas elas são meu alimento.

 

Não preciso das estrelas do amanhecer

Que dormem no meu jardim;

Vejos as flores a crescer,

 

A crescer junto a mim.

São em papel são em cetim…

São ténues, as flores do meu jardim.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 24/10/2021

sábado, 23 de outubro de 2021

A palavra saudade

 

Semeou a palavra saudade

Na planície do desejo,

Semeou o eterno beijo,

Da palavra em verdade.

 

Pegou na flor amada

Enquanto nascia o dia,

Sentou-se, falou o que sentia…

Antes de nascer a madrugada.

 

Semeou a palavra saudade

No sentido olhar dela,

Cresceu, brincou, e descobriu a felicidade

 

No poema envenenado.

Desenhou e pintou a sua Cinderela

No silêncio orvalhado.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 23/10/2021

sexta-feira, 22 de outubro de 2021

Pequenina palavra para escrever

 

Descíamos a calçada

Em direcção ao silêncio; em cada jardim,

Uma madrugada,

Ou uma sílaba prisioneira a mim.

 

Desenhávamos o beijo

Entre as sombras do amanhecer,

Procurávamos no desejo,

O desejo de viver,

 

Ou o desejo de vencer.

Tínhamos na mão

Uma pequenina palavra para escrever,

 

Poesia que envelhecia e não queria morrer.

Tínhamos no coração

O desejo de correr.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 22/10/2021

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Beijos de amar

 

Batem à porta

E o carteiro não é certamente,

Porque já é noite,

E o carteiro

Já dorme docemente.

Será a flor do meu jardim

Que acaba de acordar?

Não é a flor

Nem é a mim,

Que querem fazer levantar.

São palavras suspensas

Nas árvores do mar,

São batimentos

São pancadas,

Pancadas de embalar.

Batem à porta

E o carteiro não é certamente,

O carteiro já dorme,

Dorme felizmente,

Batem à porta

Da porta de embalar,

Batem na porta da porta,

Beijos de amar.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 21/10/2021

Um dia de antigamente

 

A enxada pertencia-lhe; desde o seu bisavô, avô e pai, todos eles, receberam como herança, ainda muito meninos, a enxada do destino.

Da escola, pouco ou nada se recorda, sabe ler, pouco, contar até dez e nunca aprendeu a construir um barco em papel,

Pai, parti a ardósia!

E o pai de punho cerrado, imitando seu pai, avô do agora herdeiro da enxada do destino, descerrou-lhe um murro entre os olhos, que em vez de ver as estrelas nocturnas da pobreza,

Não, não vou trabalhar hoje.

A noite regressava quase sempre embriagada, o candeeiro a petróleo, para alguns, candeia de azeite, para outros, sempre que cantava lá fora a coruja, desmaiava e adormecia, até que madrugada dento

Está a levantar.

E até os piolhos, engrunhados com o medo, se levantavam para mais um dia de trabalho árduo nos terrenos do senhor abade.

Dormiam no mesmo chiqueiro, o pai, a mãe, a avó e mais seis irmãos, sempre famintos, todos mais novos do que ele.

Dos meus seis irmãos, três deles eram meninas. Carne muito apetecida para o senhor abade, que gostava de brincar aos papás e mamãs entre as sombras de milho, junto à eira; chamava-as uma a uma, benzia-se e benzia cada uma delas.

Quanto a nós, pouco tempo passávamos na escola, caminhávamos montanha acima, montanha abaixo e, sempre que uma das ovelhas do senhor abade aparecia manca, levávamos pancada até pedirmos perdão e fazia-nos prometer pelo coração do Senhor Jesus Cristo que nunca mais voltava a acontecer; mas o azar nunca vem só e dias depois, novamente tínhamos de rezar.

Era Outono, as folhas, das árvores, lentamente se despediam como se o poema se suicidasse, aos poucos, de encontro à madrugada. As pedras pertenciam às palavras envenenadas pela neblina, quando acordava o dia e já o gado ia de encontro ao pasto.

 

(Continua)

Ficção

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 20/10/2021

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

A língua do enfeitado beijo

 

Corríamos abraçados ao tempestuoso silêncio dos peixes, sob a lâmina gélida de água envenenada pelas palavras insignificantes do poema, uma pequeníssima sílaba de fome mergulhava na mão do poeta,

Preza-me informá-lo que acabaram de zarpar,

Todas as palavras do livro.

Enquanto a pequeníssima sílaba de fome mergulhava na mão esquerda do poeta, apanhado sol e banhos, brincava na mão direita do mesmo um pedacinho de desejo, olhos verdes, dentes desenrascados e escurecidos, devido às manhãs de orvalho que se faziam sentir junto ao rio e, em finíssimos fios de luz, o desejo sentia-se cada vez mais acorrentado ao infinito colorido beijo que, poucas vezes era visto, se fazia passear pelas planícies de amendoeiras em flor,

Do livro, no primeiro paragrafo, saltitava a abelha brincalhona, tricolor, que quando transportava na língua o enfeitado beijo, semeava pelos campos enflorados das montanhas sem nome, depois, dizia-se que o velho pastor, apoiado a uma bengala de sombra, descia os íngremes lábios da tela ensonada que poisava desde a infância numa das paredes do casebre,

Móveis, quase nada, papeis e livros, aos magotes e, assim viviam, pastor, livros, móveis nenhuns e cadáveres de cigarro,

Todas as palavras do livro,

Preza-me informá-lo que acabaram de zarpar, deixou as cabras e as ovelhas prisioneiras à orfandade, esqueceu-se da bengala de sombra junto ao marmeleiro, depois

Amendoeiras em flor e afins.

Depois, após longos segundos de espera, que no relógio da abelha apenas representavam poucos minutos, mas o pastor não sabia transformar segundos em minutos, isso era apenas prazer das abelhas tricolores, depois, como comecei no pressuposto que o beijo pertencia ao cemitério das laranjeiras, onde semeavam cálices de porto e xicaras de café com natas, verificava-se que no bolso esquerdo do pastor, onde habitava uma pequena côdea de pão paralelepípedo granítica, devido aos dias e anos de convivência, existia o testamento do pastor,

Assim dizia:

 

Após a minha morte, deixo todos os meus bens, materiais e imateriais ao meu filho.

 

Assinado

 

O pastor.

 

As cabras e as ovelhas, todas e todos, mais as saudosas abelhas tricolores, ficaram atónitos, pois sabiam que o pastor tinha muitos papeis e livros, moveis nenhuns e, e quanto ao filho, bom

Faz-se frio junto ao rio.

Numa noite de Inverno, há muitos anos, enquanto brincava junto à lareira com o seu rebanho de sonhos, o pastor desenhou na lápide da cozinha, um pequeno filho invisível, daqueles que só existe dentro de nós, nessa altura, uma das três abelhas tricolores, perguntou-lhe como se apelidava ele, ao que lhe respondeu

Silêncio.

Anos depois, passados milhões de segundos entre os ponteiros do relógio, tanto cabras como ovelhas não sabiam, caso o pastor morresse um dia, como avisar esse filho invisível, mas caso acontecesse, tinham de o fazer.

O lobo, indiferente a testamentos e filhos, porque filhos tinha muitos e bens materiais e imateriais, nenhuns, sentado na pedra da saudade, puxou de um cigarro e,

Querem ver que o gajo já é Doutor!

E,

Circundava com o olhar as cabras, as ovelhas e as abelhas, porque em caso de fome, até as abelhas marchavam.

Uma flor de néon brincava na areia fina do Mussulo, o pequenote desenhava círculos verdes com olhos trapezoidais, ao longe, talvez do outro lado, junto à baía, passeavam-se os longos e transeuntes apitos dos petroleiros em fúria e,

O pequenote, entre soluços, chorava

 

Assim dizia:

 

Após a minha morte, deixo todos os meus bens, materiais e imateriais ao meu filho.

 

Assinado

 

O pastor.

 

As cabras e as ovelhas tinham andado na escola, aprenderam cálculo e álgebra e geometria, quanto às abelhas, essas

Eu sou mais bolos,

Essas tinham envergado pela poesia.

Chorava sem perceber, que um dia, lá longe, o pai, pastor, lhe deixaria todo o seu espólio, mias umas quantas cabras e umas quantas ovelhas e umas quantas abelhas.

Dizem, que o pastor ainda vive nas montanhas e quanto ao filho

Chora. Sentado no areal do Mussulo.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 20/10/2021

terça-feira, 19 de outubro de 2021

O poema sedução

 

Certa noite, enquanto o poema sedução lia o poema em desejo, junto à lareira, o Rei mais desajeitado do reino entra na sala e rapta o coração do poema sedução. O Rei desajeitado era manco da sílaba esquerda e, enquanto deambulava pela sala em gritos histéricos

- Queimem a noite, queimem a noite,

O poema em desejo abraçou-se ao coração do poema sedução e segredou-lhe baixinho

- Não, não tenhas medo, não, não tenhas medo,

O Rei desajeitado só consegui ser Rei porque seu pai, também ele Rei, desajeitado, trocou o seu irmão gémeo, uma hora mais velho, enquanto foi defecar, regressado, pensando que pegava no seu primogénito, não

- Estamos fartos e a fome é muita,

Batem à porta. O Rei e seus compinchas ameaçaram o poema sedução e, caso não obedecesse, nunca mais tinha o seu coração de volta,

- Queimem a noite, queimem a noite,

Mas o coração do poema sedução pertencia em palavras e versos ao poema Beijar, este, percebendo que a sua amada poema sedução corria perigo, organizou um exército de poetas e, todos juntos, construíram o livro e, fizeram frente ao Rei manco da sílaba esquerda e dos seus compinchas,

- Amigos poetas, todos juntos vamos salvar o coração do poema sedução,

E assim, todos em conversa, combinaram a melhor estratégia para actuarem frente a tal assassino,

- Entramos na sala e declamamos o poema,

Diz um,

- E se o Rei gostar de poesia?

Argumenta outro,

- Tenho uma ideia,

- Sim, diz,

Escrevemos o poema e, enquanto o declamamos, um de nós apaga a sílaba direita do Rei desajeitado,

- Que acham?

Combinado.

 

Rei desajeitado

Deste Reinado

Malvado,

És Rei de nome

Pai da fome,

És Rei sem Nação;

Vai malvado e deixa o coração do poema sedução.

 

Achas que vai funcionar?

Talvez!

- Queimem a noite, queimem a noite,

Em gritos histéricos o Rei desajeitado,

Tinham de actuar com toda a rapidez, pois o coração do poema sedução corria grande perigo.

Entraram na sala aos gritos, declamando o poema:

 

“Rei desajeitado

Deste Reinado

Malvado,

És Rei de nome

Pai da fome,

És Rei sem Nação;

Vai malvado e deixa o coração do poema sedução.”

 

Enquanto o Rei desajeitado, muito assustado, porque nunca tinha enfrentado uma batalha de poesia na sua vida, um dos poetas deita por terra a sílaba direita e, coitado do Rei desajeitado, cai no soalho, neste caso, na página argamassa do poema.

O poema sedução ficou com o seu coração e, o Rei malvado e desajeitado desapareceu do reino para dar lugar a uma República a sério;

- Queimem a noite, queimem a noite,

E nunca mais foi noite.

 

Parabéns, meu amor!

 

 

Alijó, 19/10/2021

Francisco Luís Fontinha

(ficção)

sábado, 16 de outubro de 2021

A equação do cansaço

 

Duzentos e seis ossos

Sentados na esplanada do sono,

Sob a álgebra da insónia,

Mesmo junto ao rio,

Um fio de sémen desenha a tempestade;

Rodas dentadas entrelaçam-se

E amam-se no espelho do luar.

Regressa, pela noite, o cansaço,

Traz com ele a ínfima equação do desejo

Que percorre as ruas da cidade,

Que acaricia com a sua mão

Os seios tempestuosos do silêncio.

Escreve-se o poema

Na tela argamassada do abraço,

Quando uma fina névoa de suor

Lhe percorre as coxas de aço.

O poeta solda uma pequena chapa de saliva

À boca do púbis,

E, todos os pássaros da aldeia

Dormem abraçados aos parafusos do gemido;

E o poeta cansado,

Desenha no corpo da amada sombra,

Uma língua de solidão,

Com janela para o abismo.

Transcreve para o jardim das pilas mortas

Todos os sonhos da infância,

E todos os brinquedos,

E todas as palavras,

Suicidam-se no hotel do sofrimento.

Eles morrem.

Elas, não morrem.

O luar deita-se nas coxas do poema

Como se fosse uma corda em nylon

Suspensa nos lábios da manhã;

Batem à porta e,

Trazem-lhe um punhado de fome,

E, trazem-lhe uma equação de cansaço.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 16/10/2021

segunda-feira, 11 de outubro de 2021

A velocidade do sono

 

Descia sobre mim

A velocidade do sono.

 

Dos cortinados da ausência,

Percebia-se que a tarde se iria suicidar

Na manhã transeunte de Inverno,

Saltitando de maré em maré,

Pulando os socalcos do inferno,

Até encontrar o mar.

 

Estava escrito na minha infância,

Que uma cidade rabugenta

Subia a montanha,

 

Até beijar a boca que alimenta

A fome trapézica do veneno… ou a morte de Zeus.

 

E corria

Na sombra magenta que apanha

O cansaço de Deus,

 

Que tudo ele podia,

Que tudo era apenas uma cidade ardida,

Que tudo ele sentia,

Sentia a dor da mãe ferida.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 11/10/2021