Corríamos abraçados ao tempestuoso
silêncio dos peixes, sob a lâmina gélida de água envenenada pelas palavras
insignificantes do poema, uma pequeníssima sílaba de fome mergulhava na mão do
poeta,
Preza-me informá-lo que
acabaram de zarpar,
Todas as palavras do
livro.
Enquanto a pequeníssima sílaba
de fome mergulhava na mão esquerda do poeta, apanhado sol e banhos, brincava na
mão direita do mesmo um pedacinho de desejo, olhos verdes, dentes desenrascados
e escurecidos, devido às manhãs de orvalho que se faziam sentir junto ao rio e,
em finíssimos fios de luz, o desejo sentia-se cada vez mais acorrentado ao
infinito colorido beijo que, poucas vezes era visto, se fazia passear pelas planícies
de amendoeiras em flor,
Do livro, no primeiro paragrafo,
saltitava a abelha brincalhona, tricolor, que quando transportava na língua o enfeitado
beijo, semeava pelos campos enflorados das montanhas sem nome, depois, dizia-se
que o velho pastor, apoiado a uma bengala de sombra, descia os íngremes lábios
da tela ensonada que poisava desde a infância numa das paredes do casebre,
Móveis, quase nada, papeis
e livros, aos magotes e, assim viviam, pastor, livros, móveis nenhuns e cadáveres
de cigarro,
Todas as palavras do
livro,
Preza-me informá-lo que
acabaram de zarpar, deixou as cabras e as ovelhas prisioneiras à orfandade,
esqueceu-se da bengala de sombra junto ao marmeleiro, depois
Amendoeiras em flor e
afins.
Depois, após longos
segundos de espera, que no relógio da abelha apenas representavam poucos
minutos, mas o pastor não sabia transformar segundos em minutos, isso era
apenas prazer das abelhas tricolores, depois, como comecei no pressuposto que o
beijo pertencia ao cemitério das laranjeiras, onde semeavam cálices de porto e xicaras
de café com natas, verificava-se que no bolso esquerdo do pastor, onde habitava
uma pequena côdea de pão paralelepípedo granítica, devido aos dias e anos de
convivência, existia o testamento do pastor,
Assim dizia:
Após a minha morte, deixo
todos os meus bens, materiais e imateriais ao meu filho.
Assinado
O pastor.
As cabras e as ovelhas,
todas e todos, mais as saudosas abelhas tricolores, ficaram atónitos, pois
sabiam que o pastor tinha muitos papeis e livros, moveis nenhuns e, e quanto ao
filho, bom
Faz-se frio junto ao rio.
Numa noite de Inverno, há
muitos anos, enquanto brincava junto à lareira com o seu rebanho de sonhos, o
pastor desenhou na lápide da cozinha, um pequeno filho invisível, daqueles que
só existe dentro de nós, nessa altura, uma das três abelhas tricolores,
perguntou-lhe como se apelidava ele, ao que lhe respondeu
Silêncio.
Anos depois, passados
milhões de segundos entre os ponteiros do relógio, tanto cabras como ovelhas
não sabiam, caso o pastor morresse um dia, como avisar esse filho invisível,
mas caso acontecesse, tinham de o fazer.
O lobo, indiferente a
testamentos e filhos, porque filhos tinha muitos e bens materiais e imateriais,
nenhuns, sentado na pedra da saudade, puxou de um cigarro e,
Querem ver que o gajo já
é Doutor!
E,
Circundava com o olhar as
cabras, as ovelhas e as abelhas, porque em caso de fome, até as abelhas
marchavam.
Uma flor de néon brincava
na areia fina do Mussulo, o pequenote desenhava círculos verdes com olhos trapezoidais,
ao longe, talvez do outro lado, junto à baía, passeavam-se os longos e transeuntes
apitos dos petroleiros em fúria e,
O pequenote, entre
soluços, chorava
Assim dizia:
Após a minha morte, deixo
todos os meus bens, materiais e imateriais ao meu filho.
Assinado
O pastor.
As cabras e as ovelhas
tinham andado na escola, aprenderam cálculo e álgebra e geometria, quanto às
abelhas, essas
Eu sou mais bolos,
Essas tinham envergado
pela poesia.
Chorava sem perceber, que
um dia, lá longe, o pai, pastor, lhe deixaria todo o seu espólio, mias umas
quantas cabras e umas quantas ovelhas e umas quantas abelhas.
Dizem, que o pastor ainda
vive nas montanhas e quanto ao filho
Chora. Sentado no areal
do Mussulo.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 20/10/2021