terça-feira, 1 de maio de 2018

Sem ti


O fogo, sem ti, não é fogo.

É cansaço que se apodera dos braços,

É flor que morre na tua mão,

É avenida deserta, nesta cidade, sem pão.

O fogo, dos beijos baços,

É jardim de árvores caquécticas,

Adormecidas,

Tortas.

O fogo, sem ti, não é fogo.

É noite mal dormida,

Sorriso na parada do sofrimento,

De olhar distante,

É sirene da alvorada,

Muro em xisto,

Que atormenta minha amada…

Ai, meu amor, o fogo, sem ti…

Atormenta tanta gente.

O fogo, sem ti, meu amor,

É a luz das esplanadas de Verão,

São ruas,

Casas…

São barcos encostados ao portão,

Quando o meu quintal dança nos teus lábios de algodão,

O fogo, sem ti, meu amor,

Não é nada, nem pão, nem pedras poisadas no coração.

Amanhã, se o fogo, sem ti, não for fogo,

A minha vida é um pequeno conto,

Palavras…

Palavras, meu amor, sem ti!

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 1 de Maio de 2018

domingo, 29 de abril de 2018

Alvorada da tristeza


Em redor dos teus cabelos,

A fragrância alvorada da tristeza; como é feio o meu jardim!

As flores de papel que alimentam o teu desejo,

Quando um caquéctico relógio de pulso se suicida na madrugada,

Fico triste, pois claro,

Aborrecido,

Cansado das canções dos teus lábios apaixonados,

Quem me dera que fossem por mim!

Quem me dera…

Quem me dera ser o teu jardim!

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 29 de Abril de 2018

domingo, 22 de abril de 2018

Palavras ao vento


Flor queimada.

Quando a enxada da saudade,

Dócil quimera da tempestade,

Mergulha na madrugada,

 

Perfume da solidão,

Rasgando a terra onde se entranha o teu cansaço,

Toco-te com a minha mão…

E sacudo a espada do abraço,

 

Nada faço,

 

A não ser escrevendo palavras ao vento.

 

Me sento.

 

Me alimento.

 

Menino da tua liberdade.

 

Flor queimada,

Que o mar semeia nos tempos de espera,

Quem me dera…

Nos soníferos da pomba assassinada.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 22 de Abril de 2018

sábado, 21 de abril de 2018

O fogo


Finalmente o fogo.

A vaidade da pobreza quando o homem acorda no teu peito,

As lágrimas da escuridão são capazes de dilacerar as tempestades de Verão,

O cansaço disfarçado de mendigo,

Acordar cedo,

Não comer,

E acreditar na saudade.

O fogo.

Lâminas de prata nos teus lábios,

Palavras desastradas no teu olhar…

Quando o poema se prostitui nas tuas mãos.

Invade-me a saudade de partir para a montanha,

Levar comigo os teus livros,

Viver sentado na sombra do ciúme,

Como campânulas de sono e drageias de sorriso…

Oiço o mar.

Os barcos encalhados nos meus dedos,

Vestidos de cetim nos seus ombros,

Cacilheiros,

Aldabrões…

E outros cabrões…

E mesmo assim,

Ao nascer do dia,

Sou confrontado com os teus beijos,

Poeirentos,

Com cheiro a naftalina,

Vaidosos segredos,

Nos muros de xisto do teu coração,

Anima-te rapaz.

Porque o fogo,

Esse animal de estimação,

Um dia,

Vai acordar na tua boca.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 21 de Abril de 2018

domingo, 15 de abril de 2018

O carrasco


Todos os dias apareço.

Todas as noites sou comido por uma língua de sombra,

 

Posso concluir que sou um sonâmbulo desorganizado,

Distante das estrelas,

Cansado do vento.

 

Cada osso meu,

Um poema teu,

 

O carrasco.

 

Não gosto do vento,

Porque o detesto,

Faz-me mal às palavras escritas,

Enquanto dormes.

 

E sonhas.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 15 de Abril de 2018

sábado, 14 de abril de 2018

A morte


Fujam.

Escondam-se na minha mão,

Traguem todos os livros,

Semeiem todas as palavras no meu corpo, rasguem-no, devastem todos os rochedos do medo,

E da solidão.

 

Oiçam-me,

Não finjam que a luz da minha aldeia é fictícia, longínqua… como as pedras do teu olhar,

Na madrugada.

 

Façam de mim uma bola.

O rio quando me chama,

Francisco.

E lá vou eu,

Desço a ravina,

Entrego-me a ele…

 

E morro de tédio.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 14 de Abril de 2018

domingo, 8 de abril de 2018

Na morte


A morte.

Suspensa nas arcadas da solidão,

Composta por partículas invisíveis, cansada das madrugadas sangrentas,

Sem sorte,

O corpo que baloiça na forca da noite embriagada,

Sobre o coração,

Uma espada,

Jangadas de sabão que inocentemente alimentas.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 8 de Abril de 2018

sábado, 7 de abril de 2018

Encíclica manhã do deserto


Habitas no infinito predicado da solidão.

Oiço a voz das flores na tua mão,

O frenesim angustiado das palavras silenciadas,

Presas na carcere do silêncio,

Habitas no meu corpo,

Na minha morada,

Longínqua…

Perdida em ti.

O coração prateado,

Nas estradas inabitadas do medo,

O soldado,

Carregando a mochila da saudade,

Desce a Calçada,

Senta-se no rio…

Madrugada dentro,

O uísque fervilhando dentro de um copo de vidro,

A cabeça estonteante,

Nos livros acorrentados aos teus lábios,

A cidade morre,

As janelas imaginadas por mim parecem cobras embriagadas,

Soltas,

Tontas,

Como eu…

A cair,

Sobre mim,

O jardim esquecido no luar de hoje,

O meu corpo não se mexe,

Dorme,

Na encíclica manhã do deserto,

Ao final da tarde,

O cansaço das vidraças,

Quando me abraças…

E sou feliz em ti.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 7 de Abril de 2018

domingo, 1 de abril de 2018

Não, não o quero.


Viver nos teus olhos, não o quero.

Viver embrulhado no poema, não o quero.

Viver vivendo apenas para viver… também não o quero.

Viver saltitando,

Correndo,

Descendo,

Subindo a Calçada da Tristeza, não, não o quero.

Escrever no teu corpo, desenhar nos teus lábios, não, não o quero.

Não o quero.

Pertencer aos livros ardidos.

Trazer-te a Lua, quando a solidão amanhece em ti, e sinto na tua mão o silêncio do desespero.

Não, não o quero.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 1 de Abril de 2018