sábado, 9 de maio de 2015

Os cinco pilares de areia


Fiquei sem palavras

Entre três paredes de nada

Esqueci como se vive

Porque perdi-me na estrada

E o sol

Deixou de brilhar na minha aldeia

Tenho saudades

Pai

Dos Musseques

E das gaivotas

Do Mussulo

E dos machimbombos

Em rodopio silêncio

Percorrendo ruas de uma cidade inventada

E a carta

Nunca regressou

Nem vai regressar

Às tuas mãos

O barco que nos trouxe

Levar-te-á

Até ao infinito Oceano do Adeus

Como uma rocha de sílabas envenenadas

Descendo lentamente o papel húmido da madrugada

Tenho medo

Pai

Dos cinco pilares de areia

Que desenhavas na minha mão

Ao pôr-do-sol

Os barcos

E os marinheiros quando brincavam no teu olhar

Nocturno

Viajante

Dos destinos indesejáveis

O ferro em brasa no teu sofrimento

Tenho medo

Pai

(Pai

Dos Musseques

E das gaivotas

Do Mussulo

E dos machimbombos

Em rodopio silêncio)

Como só a morte o sabe fazer…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sábado, 9 de Maio de 2015

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Em ti me perco


Em ti me perco

Manhã embalsamada

Em ti me abraço

Sem perceber

Que o dia cessou de brincar

Em ti me perco

Manhã assombrada

Entre lábios de sol

E pinceis de madrugada

Que só o mar

Sabe desenhar…

Em ti me perco,

 

Manhã desolada.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sexta-feira, 8 de Maio de 2015

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Este Mundo – Este maldito Mundo


Não vêem o meu corpo crucificado

Na sombra invisível do sofrimento

Não caminho

Meu

Querido

Meu

Entre as palavras

E todo o silêncio do Universo

Permaneço

Encerrado

Neste

Exíguo espaço

Em verso

Como um mendigo

Feio e imundo

Perverso

Este mundo…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quinta-feira, 7 de Maio de 2015

Inferno olhar


Não te mereço

Escrevo nos teus lábios

O prefácio adormecido

Do amor

No amor

Da manhã

Quando nasce em ti

E me entristeço

Com o medo

Semeado

Nos teus seios

Adormeço

Embainhado no sentir

Não sentido

A paixão

O fumo do meu cigarro

Envenenado

Pelo inferno

Olhar

Da madrugada

E tu

E tu envergonhada

Porque deixei de existir

Amar

E partir

Recordar as coisas belas que a noite construiu no teu corpo

Desenhou

E esculpiu

Não o sei

Meu amor

Não o sei…

Se te mereço.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quinta-feira, 7 de Maio de 2015

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Um corpo sem corpo


Terá Deus incumbido à palavra

Para me atormentar

A qualquer hora

Do dia

Da noite

Na esperança…

 

Saberá Deus o significado

Da derrota

E da tristeza?

 

A maldita noite

Que cresce nos subúrbios do silêncio

E se alimenta de uma cidade em ruínas

O livro não escrito

Na prateleira do sofrimento

E sem beleza

Sem… sem desenhos do cansaço

Estampados no rosto

Em pergaminhos beijos

E da tristeza

Da derrota

Quando vem a tempestade,

 

E o mar se deita

Na melódica cidade

Sem o saber

Troca abraços

Por sombras

E sombras

Por uma viagem

Anónima,

 

Sem

Regresso

Nunca

Porque nunca habitará um corpo no meu corpo sem corpo.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quarta-feira, 6 de Maio de 2015

terça-feira, 5 de maio de 2015

Horas


Há horas para tudo

Meu querido

Há horas para brincar

Horas para sonhar

Há horas para acordar

Comer

Ou foder

Há horas para dormir

E horas para partir

Há horas

Meu querido

Há horas para morrer…

E sorrir.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Terça-feira, 5 de Maio de 2015

domingo, 3 de maio de 2015

As cavernas de incenso


Não me ouves

Caminhas desorientadamente

Entre

O silêncio e a espada da morte

Lá fora vivem as sombras do teu cabelo

E a maré dos teus seios

Não invento amores

Nem paixões

Escrevo-as sobre as lápides madrugadas junto ao Tejo

O cheiro

Teu

O teu cheiro envenenado pela solidão

Das palavras

E dos olhares de vidro

Os charros fumados

Sem sabermos que amanhã

Segunda-feira

Nada para fazermos

Ou lemos

Ou desenhamos

Ou…

Ou construímos cavernas de incenso

Nas pinceladas nuvens do amanhecer

As palavras

Que nunca tive oportunidade de te dizer

Não o quero

Fazer

Ou…

Ou escrever…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 3 de Maio de 15

O último olhar


O medo

Encarnado esqueleto esquecido dentro de um livro

As palavras voando em direcção ao rio

E Deus

A incógnita gaguejante dos sentidos desenhos em teu corpo

Nua

Despida

Apetecível

Como são as flores pela madrugada

Em despedida

A maré dos aflitos

Congelada sobre a toalha em linho

Adeus

Adeus corações de sangue

Com odor

A

Nada


Ele

Ela

Ele

A casa em chamas

O teu corpo mergulhado no meu corpo

Dois

Dias

Minutos

Segundos

Dois corpos inseminados pelo desejo

Percebia no teu olhar

O meu último olhar

Parvo

Eu

Sempre

Dias

Minutos

Segundos

O relógio galgando os teus seios

A espingarda

Sémen

Corpos

Dois

Madrugada

Sem madrugada

Amanhã

A

Nada


Ele

Ela

Ele

A casa em chamas

Como o teu púbis travestido…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 3 de Maio de 2015

sábado, 2 de maio de 2015

O amor entre parêntesis no Rossio


Ouvíamos os tímidos limites da solidão

Como se eles pertencessem aos adormecidos fantasmas

Dos telhados de vidro

Não existiam janelas no teu peito

Nem sol no teu cabelo

Não havia um único rochedo de lágrimas

Que nos abraçasse sem querer nada em troca

Fomos engolidos pela paixão

Como são engolidos todos os pássaros

Pelas ingrimes tempestades de areia

O tecto deslizava encosta abaixo

Sentados na sombra

Trocávamos beijos

Por palavras

E palavras

Por nada

Nem ninguém

Em nossa casa

Vazia

E só

Regressávamos e apenas uma ténue luz nos esperava

De língua afiada

Lambia-nos envergonhadamente

Como quem desenha telegramas

Nos muros de xisto da paixão

O amor entre parêntesis no Rossio

O ponto de interrogação

(que tem o ponto de interrogação, meu amor?)

O ponto de interrogação massacrado pelas amarras do abismo

E mesmo assim

Queríamos voar…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sábado, 2 de Maio de 2015

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Pérfidos orgasmos de prata


“Mãe, as pedras falam?

Um dia, um dia… meu filho!”

 

O silêncio adormecia em ti

Como adormecem todas as tristezas

Dos dias insignificantes

Entre poesia

E viagens ao desconhecido

Tínhamos todas as imagens do sono

Habitava em nós o cansaço

E a solidão da noite

Ouvíamos o ranger da janela

Em pérfidos orgasmos de prata

O silêncio das coisas inacessíveis

O sexo desacreditado

Numa cama de um qualquer hospital

As lágrimas

Nas janelas

Para…

O mar, mãe?

Um dia, um dia… meu filho!

No poço da penumbra

Os teus braços engasgados no medo

O amor

Quando inventado na madrugada de papel

E deixamos perder o luar

Amanhã, mãe, amanhã as pedras falam?

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sexta-feira, 1 de Maio de 2015