domingo, 17 de novembro de 2013

o corpo malfadado

foto de: A&M ART and Photos

Inventei o cansaço
o tédio
e a dor
inventei os palhaços em aço
o remédio
e o amor
fui amado
desamado
e dissecado por um doutor
inventei as amendoeiras em flor
os guindastes em movimento
e o vento

(fui filho
sou filho
e continuarei a ser... filho)

inventei o cansaço
o tédio
e a dor
tive palavras reescritas em muros em xisto
sou pai dos profetas falhados
inventei o livro da noite com holofotes embriagados
fui drogado
fui homem deambulando nos silêncios das montanhas amoreiras
fui desempregado
cristão
e baptizado
inventei-me homem e sou um livro sem coração

inventei-me sabendo que tu me inventavas
inventei a palavras que tu me odiavas
inventei o cansaço
o abraço
e os lábios com sabor a mel
tive pássaros com asas em papel
inventei-me dentro de uma nuvem imaginando que me abraçavas
tive tudo
tive tudo e não tenho nada
fui infeliz
feliz
cadeira de esplanada

(fui filho
sou filho
e continuarei a ser... filho)


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 17 de Novembro de 2013

sílaba abandonada

foto de: A&M ART and Photos

esta sílaba engrenada das minhas mãos adormecidas
que abraçam o teu rosto mergulhado em sombras e tempestades
oiço em ti as lágrimas das ruelas transparentes que o vento leva
que a chuva alicerça
esta sílaba abandonada
como papel emagrecido das árvores sem sentido
coitadas
quando as ardósias invisíveis do nada
escrevem-se as palavras dos teus lábios de apaixonada
esta sílaba que me enlouquece
e me diz...
meu amor... estarei sempre ao teu lado


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 17 de Novembro de 2013

sábado, 16 de novembro de 2013

as incendiadas sanzalas do prazer

foto de: A&M ART and Photos

porque me procuram nas incendiadas sanzalas do prazer
não sendo eu um homem como os homens das bandeiras embriagadas
porque me procuram nas entranhas manhãs de cacimbo
eu escondido no zinco telhado do musseque alvorado
porque sou assim
um casebre sem esqueleto e ignorado
um imbecil que em tudo acredita
e que procuram como se fosse um objecto para reciclagem
usa-se
deita-se fora
e nasce em ti o dia ensanguentado das tristezas noites junto ao Mussulo
porque sou um um monstro vestido de negro

(como o dizem quando me chamam
e acordam
em todos os silêncios do medo...)

porque finjo que sou amado
porque acredito eu no amor
quando o amor é uma caravela à deriva no triste Oceano
porque me procuram nas incendiadas sanzalas do prazer
porque sou um canino disfarçado de desenho animado
porque me dizem que sou um poema odiado
palavras da merda escritas por um gajo de merda
porque acredito
se nunca deveria acreditar nas manhãs sem nuvens
porque são falsas
e logo em seguida
ejaculam as gotinhas amargas da chuvinha colorida...

(como o dizem quando me chamam
e acordam
em todos os silêncios do medo...)

sou um gajo porreiro como o são todos os cadáveres da morgue do púbis amanhecer
porque sou um imbecil sentado num banco de jardim
espero as ripas madres em madeira apodrecida
finjo que sou amado
e todos o sabemos que não o sou
porque apenas pertenço aos corpos dilacerados
dos musseques adormecidos
doridos
mórbidos entre as espadas dos livros em poesia
e as palavras semeadas nas tuas coxas de terra fértil...
esperam as sementes da alegria
como se fossemos apenas vozes entrelaçadas como dedos em vaginas acorrentadas às sílabas inanimadas...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 16 de Novembro de 2013

“o livrinho dos sonhos”

foto de: A&M ART and Photos

Desiludido com o amor,
“o que é que eu faço?”
Ele vivia preocupado com as cavernas que o tempo tecia no seu corpo transparente de pedra invisível, tinha sempre na algibeira o livrinho e que apelidava
“o livrinho dos sonhos”
Um dia, sem razão explicável, ele, o abstracto homem dos passos trocados, perdeu “o livrinho dos sonhos” e desde então, nunca mais houve sonhos nele, tinha terminado a vida cansada da cartilha encarnada, vivia o dia acreditando que não regressaria no final da tarde, depois acordava a noite, depois a noite comia-o e ele continuava vagueando como uma gaivota sem sexo nas avenidas dos tristes corações de areia,
“o livrinho dos sonhos”
A lareira incendiava-se como dois clandestinos corpos em combustão periódica dentro do cobertor do desejo, havia bandidos solitários que chegavam até nós do rádio esquecido sobre a cómoda, o bandido tresloucado que tinha uma bala no canhão, oiço
“o diabo”
“o bandido solitário só faz folga para foder”
Havia bandidos solitários que chegavam até nós do rádio esquecido sobre a cómoda, “o bandido tresloucado que tinha uma bala no canhão”, oiço os gemidos da prisão do amor, oiço o teu colorido corpo embainhado nas árvores apodrecidas das madrugadas em marés flutuantes na cumplicidade dos lençóis às riscas amarelas com pontinhos brancos, os bandidos solitários
“o bandido solitário só faz folga para foder”
Desiludido com o amor,
“o que é que eu faço?”
Ele vivia preocupado com as cavernas que o tempo tecia no seu corpo transparente de pedra invisível, tinha sempre na algibeira o livrinho e que apelidava “ o livrinho dos sonhos”, e dizia-me constantemente entre dentes que me amava e era louco por mim, e percebi que o amor é uma rosa que depois murcha, as pétalas secam, e a “tu cuerpo me llama” e sou absorvido pelos teus doces olhos, e eu
Desiludido com o amor,
“o que é que eu faço?”
Os bandidos solitários comem-se como salteadores dos bares nocturnos de uma Lisboa envenenada pela solidão das ruas e dos imperfeitos candeeiros que escondem sonâmbulas Margaridas com pálpebras em papel, sou uma destemida ponte com saia aos quadrados, sou uma mão que acaricia os teus seios de Luar e acabas de sair do “livrinho dos sonhos”, doce e linda como as manhãs de orvalho entranhadas na neblina lareira do desejo, como quem sai de um livro, a personagem eterna das noites em combustão,
“o que é que eu faço?”
Acaricia-lhe os cabelos ondulados de montanha endiabrada... o interior, claro. não vivo de aparências. que me interessa ter a casa mais bela da cidade. se no seu interior nem divisões tem?
E tu, personagem acabada de nascer?
Eu, eu o quê?
Eu, eu disfarço-me de cidade e morro nas tuas mãos de poeira.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 16 de Novembro de 2013

cidade adormecida

foto de: A&M ART and Photos

me irritam as palavras vagabundas dos teus lábios marginais
me irritam as tuas mãos em profunda pedra adormecida
como vaginais noites de geada
no centro da cidade
procuro o barco da saudade
procuro o livro do esquecimento
sou a Rainha das montanhas em sofrimento
sou... a tua gaivota moribunda das tempestades em teias silêncio
me irritam as lâmpadas dos teus cabelos
quando poisam no meu difícil peito de porcelana
como amarras de madeira
no cais das tormentas...

(me irritam as tuas bocas loucas das tardes em mergulhos flácidos
dos músculos embebidos em papeis de parede)

me irritam as palavras tuas minhas inconstantes migalhas de sémen
quando descem sobre nós os cortinados do tédio
me irritam as sílabas embriagadas
escorrendo nádegas adversas nos cobertores da inocência
me irritam as imagens sem imagens
as sombras
as viagens
me irritam... me irritam as cadeiras onde se sentas
e me observas
e te alimentas...
do meu corpo
um corpo mórbido com sabor a cadáver anónimo


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 16 de Novembro de 2013

e correntes em aço

foto de: A&M ART and Photos

coisas impossíveis que me fazes sentir quando te toco
beijos doirados em lábios despedidos da imensidão do silêncio
não sei quem sou e de onde venho
não percebo onde habito e porque tenho em mim abraços
e correntes em aço
coisas impossíveis...
coisas sem nexo que os olhos absorvem das pálpebras quebradas à dor
e o meu corpo sente
e o meu corpo morre,,,
às palavras cansadas da vida de viver...
sinto-te embrionária nos colchões da insónia
e percebo que és de porcelana amanhecer...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha . Alijó
Sábado, 16 de Novembro de 2013

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

coxas de orvalho

foto de : A&M ART and Photos

sinto-me pincelado com pedaços de solidão
e do meu corpo-tela uma fina imagem encosta-se aos filamentos incandescentes de uma lâmpada de halogéneo
não sou eterno
amado
sou um electrão mergulhado no espelho do nada
sifilítico magala apodrecido na doce paixão das árvores do silêncio
sinto-me uma locomotiva denunciando carris e curvas de nível
sinto-me um bufo engolindo sombras que a noite magoa depois do sexo alimentar a tua boca de sofrimento que as rosas poisaram em ti entes de acordar a poesia
sinto-me um vadio inconfortável
ignorante como pequenas conversas de tic-tac
nos alicerces das mãos de cereja que o papel amarrotado embrulha entes da morte
sinto-me um cadáver profanado
mal-vestido
sinto-me um jardim sem nome procurando as estrelas de cartão
sinto-me um barco fundeado no teu púbis de areia
quando os petroleiros da desgraça se fazem à costa pedinchando pequenas folhas de plátano
embebidas em cerveja de lata
sinto-me sobre ti ficticiamente falando como quando éramos dois bancos de jardim
em busca de ripas em madeira
e madeixas coloridas dos triângulos embriagados
sinto-me um falhado diplomado
um triste vagabundo sentado
nas tuas coxas de orvalho...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 15 de Novembro de 2013

margaridas amanhecer

foto de: A&M ART and Photos

porque são os teu olhos margaridas amanhecer
e escondes nas pálpebras a palavras de escrever?
um poeta louco não ama não é amado
não percebe que as madrugadas são em papel crepe
e que há livros de poesia perdidos numa mesa-de-cabeceira
há uma cama onde te despes e deitas
há uma mão que te acaricia e deseja travestis orgasmos invisíveis
a miséria urbana
o sexo pelo sexo
a mente desvairada numa feira inventada
porque são
os teus olhos olhos margaridas amanhecer?


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 15 de Novembro de 2013

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

equações de prata

foto de: A&M ART and Photos

prometidas equações de prata nos olhos da cidade agoniada
da boca os sinceros mergulhos de solidão
como simples quadrados traçados no térreo pavimento do desejo
há nela uma janela com vidros de sémen
que caminham
e vivem no Mosteiro da insónia
prometidas coisas
sem sentido sem sentido...
simples
simples anexos de chita
sobre o nu travesti que as coxas do silêncio absorvem antes de terminar o dia
e prometidas linhas de fino ouro que atravessam as ruelas dos sonhos
e infestam de palavras as mãos ensanguentadas das mulheres-sombra
alimentam-se de pedaços papel e singelas migalhas de areia da algibeira da agonia
sentíamos os velozes corpos transatlânticos vestidos de aço como líquido esquelético dos alicerces de vidro
e amávamos-nos quando nos embrulhávamos nas montanhas das gaivotas em cio
prometidas equações que o teu corpo seduz como a Professora quando do aluno fantasma
ossos e pregos e madeira ressequida saltitam no recreio da escola
há árvores sobre os diques do prazer quando ejaculam as searas os palhaços de trapos de cetim
e amávamos-nos sobre quatro rodas em movimento curvilíneo
um pêndulo e um cordel
e tudo o que nos restou da tempestade de zinco aos telhados engrenados no teu ventre
chovia enquanto desenhávamos sexo nas frestas do gesso
às paredes argamassadas das esquinas iluminadas pelo teu olhar de manteiga...



(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 14 de Novembro de 2013

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

canções do prazer

foto de: A&M ART and Photos

percebo quando as tuas mãos de papiro invisível
encontram as minhas flácidas coxas de argamassa clandestina
percebo que em ti vivem as canções do prazer
e as gaivotas dos moinhos de vento
percebo que és a montanha
e a tempestade que castiga o meu corpo entre os teus dedos
percebo que me absorves como uma semente abandonada
que o teu corpo acolhe
cuida
e do salivar poema de xisto carcomido pelo teu sémen sabático
dormem
e fogem as andorinhas de olhar esverdeado...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 13 de Novembro de 2013