quinta-feira, 28 de março de 2013

Comboio para o Grafanil

foto: A&M ART and Photos

Imagens, solstícios de imagens descem metodicamente do tecto do impostor prazer que a luz provoca nos corpos negros, absorvidos pelos espelhos e pelos cortinados de espuma, onde te ajoelhas, onde te deitas, onde
(me masturbo)
Imersas minhas mãos nos solavancos que os vidros de areia escrevem nas paredes de barro depois das chuvas dos finais de tarde, lamento informá-lo mas
(ela morreu de tédio, desassossego, ou)
Mas ficou-nos sobre a mesa-de-cabeceira as fingidas pétalas dos perfumes embriagadas depois de caírem sobre as lajes de granito os melancólicos ossos da paixão dos peixes, havíamos construído e declarado guerra aos apaixonados cansaços vestidos de sobretudo encarnado, circulavam pela cidade, durante a noite, em busca de imagens, comida e simples jornais desvairados que alguém tinha deixado nos caixotes do lixo, um dos títulos anunciava a possibilidade da queda do governo, e se ele cair, que caia, mas que não se aleije, salvo seja, senhores das imagens que entram pelos meus olhos, eu nua, eu com uma câmara fotográfica em busca de um passado desperdiçado nas clareiras águas salgadas das praias com varanda para as traseiras, íamos à janela, e suspendíamos os seios no peitoril cinzento com saliva esverdeada, perguntávamos-lhe o que tinha, e ela respondia-nos
Fígado,
(ela morreu de tédio, desassossego, ou)
(me masturbo)
Imagens, muitas, loucas e loucos, como as árvores do Outono mergulhadas em rochas de iodo, e tédio, e cansaço... todos, temos, lamento informá-lo mas... cessaram as imagens a preto-e-branco, e se eles caírem, paciência, uns vão dizer que vamos melhorar, outros que nada mudará, eu nem sei o que lhe dizer Dona Menina Amélia... olhe
Seja o que Deus quiser,
E se ele não quiser, paciência, venham as imagens esquecidas, venham os bancos de jardim com ripas de madeira, venham eles e elas, todos e todas, a luz e a escuridão, o silêncio e a algazarra, o branco e o negro, e as pedras, e
(os barcos de papel com melodias entrelaçadas nos dedos)
E as flores, todas as flores, não falando nas algibeiras com a laje apodrecida, as moedas, poucas, caem até se estatelarem na cave, sombria, e sem janelas e sem abraços, coitadas, infelizes, aqueles e aquelas, pobres miúdos de porcelana com sorriso de nuvem embebida no sono longínquo das amendoeiras em flor, e se eles caírem?
(Imagens, muitas, loucas e loucos, como as árvores do Outono mergulhadas em rochas de iodo, e tédio, e cansaço... todos, temos, lamento informá-lo mas... cessaram as imagens a preto-e-branco, e se eles caírem, paciência, uns vão dizer que vamos melhorar, outros que nada mudará, eu nem sei o que lhe dizer Dona Menina Amélia... olhe), um dia perceberás a minha cabeça, um dia perceberás que sou tão normal como todas as outras pessoas que circulam à nossa volta, como são as moscas, como são as abelhas, como são todas as imagens, e todas as palavras
Normais,
Sou normal como qualquer árvore do jardim de Luanda, ou como qualquer machimbombo ou como o Mussulo, normal, sou, como a estrada para o Grafanil, ou
Normais,
Ou o cheiro da terra depois da chuva, e um dia, um dia perceberás que apenas a mulher da máquina fotográfica, essa sim, louca como os comboios em direcção ao Tua
(pare, escute, olhe... atenção aos comboios)
Proibido fumar, peço desculpe PROIBIDO O TRÂNSITO PELA LINHA,
E o Tua morto,
É como lhe digo Dona Menina Amélia, se cair
Caiu como vão cair os finos fios de luz das mandíbulas empobrecidas, loucas, loucas, loucas como uma montanha de areia, com braços de aço e olhos de plástico, simplesmente, se caírem que não o façam sobre mim,
(É como lhe digo Dona Menina Amélia, se cair)
O importante são as imagens, e por muito que eu o descreva, acredite em mim, só vendo, consegue vossemecê imaginar uma mulher nua dentro de um quarto escura a fotografar sombras? E junto à mulher um escadote com acesso ao infinito? Consegue?
É claro que não, Fígado,
(ela morreu de tédio, desassossego, ou)
(me masturbo),
Ou por falta de luz...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

blogue Cachimbo de Água em destaque – Sapo Angola



quarta-feira, 27 de março de 2013

(enlouqueces-me?)

foto: A&M ART and Photos

Escrevo-te, sabendo que não tenho papel, caneta, nem a vontade de o fazer, mas dentro de mim, escrevo-te, desenho letras na sombra do meu cabelo projectada numa mesa deserta, só, como a cadeira onde me sento e imagino-te no meu colo, e imagino-te com a cabeça deitada sobre o meu peito ofegante, como a ribeira a descer a montanha, entre pedras, arbustos e espantalhos de palha, entre pássaros e vontades de voar, sinto-te dentro do meu corpo como um ácido que me queime e aquece e faz mergulhar na penumbra dos teus olhos, tu
Enlouqueces-me,
Cresces como uma alga dentro do meu púbis, pintas-te de preto quando a noite entra pela janela e poisa sobre a secretária onde poiso os meus cotovelos, onde dormem as aranhas e os desejos, onde guardo religiosamente o líquido derramado dos meus seios de xisto, como o rio para onde se dirige a ribeira, como tu, ou como eles, que dizem-se viver não vivendo dentro da espuma do mar,
Não vens, hoje?
(enlouqueces-me?)
Há uma porta blindada com acesso para o telhado, o telhado é assente sobre barrotes de madeira apodrecida, diria mesmo, do Século XIX, e mesmo assim adorava esconder-me no local mais distante do prédio, no local mais quente, quando era verão, e o mais frio, quando era inverno, e mesmo assim passava lá eternidades misturadas em horas, que tempos depois transformavam-se em tardes, e depois, em dias
Não vens, hoje?
E tempos depois em semanas, e meses, e anos, e por lá fiquei até apodrecer juntamente com a velhice da madeira, quase morta, abria o postigo, e ao longe ouvia o silêncio das árvores, o bater de ramos dos pássaros negros, que ao cair a noite se perdiam nela, e tu
Eu, eu esperava-te, eu sentada numa cadeira de madeira com os braços e cotovelos assentes sobre uma velha mesa de madeira, assente sobre um soalho rabugento e quase sempre constipado, e tenho a certeza que há
(dias, dias e noites travestidos de barrotes de madeira apodrecida, escondia-se lá, até que chegava o mar e o levava para longe, e ouvia-se o ressonar das folhas das árvores de cartolina, e ouviam-se os sorrisos dos pássaros negros, em frente ao espelho do guarda-fato, fato e gravata, sapatos pontiagudos, lenços de papel), e ouviam-se-lhes
A certeza que há tristeza nos teus olhos de diamante adormecido, a porta blindada, e do outro lado de lá, eu cá, sinto-o, imagino-te sentada numa simples cadeira de madeira, descalça, tens os cotovelos suspensos sobre a planície da madeira envelhecida, e disseram-me que é lá que guardas as pulseiras de vidro, onde dormem as aranhas e os desejos, onde guardas religiosamente o líquido derramado dos teus seios de xisto, como o rio para onde se dirige a ribeira, como eu, ou como vós, que dizem-se viver não vivendo dentro da espuma do mar,
Não vens, hoje?
E ouviam-se-lhes os gemidos dos pés sobre o soalho húmido que as palavras trouxeram das docas embriagadas com os cigarros embalsamados e que ainda hoje vivem no mausoléu da ignorância, tínhamos
Tínhamos o que, meu querido?
(enlouqueces-me?)
Não vens, hoje?
(tenho medo de me apaixonar por ti)
Claro que vou, é só sair do sótão, descer as escadas, e logo, logo, e logo estarei sentado no teu colo...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Hoje é dia de festa

foto: A&M ART and Photos

Esta varanda que me alicerça o corpo às marés vazias, este ar e esta sensação de silêncio, que aprisiona os meus braços ao vento filho da rua das traseiras, este medo, esta manhã distante das estrelas complexas do nocturno céu da tua boca, uma janela, e
O espelho de ontem procurando a saliva de hoje,
Esta varanda que me aperta o coração, sabendo eu, que há muito deixei de ter coração, cabeça, prazeres, solidões de tempestades ao romper a madrugada num cenário de papel, os actores sentados na plateia, os artistas de circo que a infância semeou no capim junto aos Coqueiros, não sei, mas acredito que um dia vão voltar, também eles, sentados na plateia, ao jantar, os pratos vazios misturam-se com o público em círculos no palco, e começa o espectáculo
A vida de uma mulher de veludo, encenação de mim, e direcção de actores, também de mim, a tenda levita de quando em quando, saltita como seios roxos com pintinhas brancas e flores amarelas, e dizem que o mar entra pela porta da varanda, ela submissa na chávena de café olhando pensativamente a rua em ruínas como gaivotas órfãs pedindo esmola no cais das camélias abandonadas,
(solidões de tempestades ao romper a madrugada num cenário de papel, os actores sentados na plateia, os artistas de circo que a infância semeou no capim junto aos Coqueiros, não sei, mas acredito que um dia vão voltar, também eles, sentados na plateia, ao jantar, os pratos vazios misturam-se com o público em círculos no palco, e começa o espectáculo)
E começa
O
Circo,
E começa
O
Teatro,
E começa o espectáculo dos pratos vazios sobre uma mesa de vidro, ela, a mulher de veludo, refugia-se na varanda da vergonha, bebe café e aquece as mãos com o medo da fome, inventam-lhe alcunhas, e obriga-se a submergir-se nos oceanos dos pilares de madeira depois de o vento abandonar as crianças e os idosos..., na esplanada dos olivais encalhados na serra do desassossego, há um rio doente, rio que sobe as escadas, e leva a mulher de veludo, e leva o corpo de uma mulher fingindo alegria
Viva a alegria, Alegria, Alegria, Hoje é dia de festa,
Meninos e meninas,
Senhoras e senhores,
Respeitável público..., A senhora de Veludo!
E os cortinados mergulhavam na solidão, e havia a tristeza disfarçada de fome, quando os pratos vazios, e os talheres, e os guardanapos..., voavam entre paredes da cozinha,
O espelho de ontem procurando a saliva de hoje,
Na varanda,
E não regresses, eu a ouvi-los, os pássaros nas plataformas sobre as ruas em obras, telefona-me tá, e claro que não tá, nunca esteve, nunca estará, vestida, forte, de pé como uma estátua de bronze, pensava eu, na varanda, nua, uma janela em gemidos quando alguém tentava encerrá-la..., e claro, quem, digam-me, quem gosta de ser encerrado? Digam-me, quem gosta de ser aprisionado? Ninguém, ninguém, ninguém havia quando a terra começou a tremer, ela aos poucos, como pedaços de papel, desmoronou-se, de
Pedaço em pedaço,
De
Letra em letra,
Até chegar a palavra, chega, basta...
Fim.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Corpo Moliceiro

A&M ART and Photos

A loucura das rochas frias e escuras
entranhadas no meu corpo moliceiro
procura a chuva que acompanha o vento
e navega sobre os telhados da aldeia,

Esta frieza grande corrida da paixão
este cansaço
esta tristeza
que a noite deixa cair sobre o meu cabelo sonolento,

Fingir que amo as ervas orvalhadas dos oceanos invisíveis
caminhar sonhando voar sobre as nuvens de vidro
e que nada tenho
percebendo que os abraços morreram entrelaçados no meu pescoço,

A loucura das rochas escura e frias e solitárias
onde me sento e adormeço e finjo viver
não voando não amando os versos do mar
não tendo as palavras a culpabilidade de existirem na minha mão.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 26 de março de 2013

A banheira insónia da paixão

A&M ART and Photos

Imaginava-te uma sombra de luz rodeada por leões e cavalos e abelhas, imaginava-te selvagem como as acácias do madrugar vento da cidade pintada de amarelo, imaginava-te hirta, morta, abandonada, numa tela de prata com fios invisíveis de chocolate e café depois do jantar, imaginava-te sentada numa pedra com cinco esquinas, três andares, e uma cave
Uma casa de banho e uma banheira, uma janela para o quintal da vizinha, velha e rabugenta, imaginava-te sentada na banheira a confidenciar segredos às pétalas de água em gotas minúsculas, e lá fora habitavam as grandes nuvens de tédio, brincavas com a espessura do sonho, e fechavas a mão no meu peito de xisto,
Imaginava-te no espelho da cave abraçada ao piaçaba, e teias de aranha, e o soalho em decomposição, imaginava-te o putrefacto esqueleto das flores apaixonadas pelos olhos do leão, e com sorrisos construídos em mentiras e finais de tarde imaginários, brincavas com o cavalo e com as abelhas, como o fazias em criança, e como o fazíamos enquanto amantes por correspondência, um curso suspenso no tecto da noite corpuscular, uma menina de celofane embrulhada em relógios a pilhas, e tudo quando depositávamos os pertences mais secretos num armário incorrecto, em pedaços de lixo, sem porta, como as lareiras de trás-os-montes
O frio silêncio em meus braços,
Imaginavas-me sentada na banheira, olhava a torneira e sentia o vazio da água a correr, imaginava-te como um rio, entre pedras e curvas, até que ao longe, da janela, sabia que encontravas sempre, que encontravas o mar, mas hoje, hoje percebo que perdeste-te nas imagens brancas de uma cidade inexistente, uma cidade sem casas, uma cidade com fome, sem amor, e eu, parva, imaginava-te a subires os quase cinquenta degraus, ouvia-te o pulsar do coração, ouvia-te a voz pregada ao corrimão e quando batiam à porta
Ele está?
Mentia-lhes e dizia-lhes que deixei de ver-te como quem abandona um álbum de fotografia, com histórias, com corações e nas traseiras dela inscrito “EU + TU”, mentia-lhes e dizia-lhes que a última vez que estive contigo foi nos rochedos junto ao cais dos homens apaixonados, onde sempre que vem a trovoada de incenso, uma boca procura docemente os inocentes poemas da menina que passa as horas sentada na banheira a brincar com a água, a imaginar
A praia, o mar em decomposição, as janelas do ciúme às portas da ruína, os automóveis procurando alimentarem-se de saliva, beijos e outros pequenos organismos, sempre, vivos,
A imaginar do longínquo campo de trigo, um corpo, nu, deitado entre a terra e as pedras ao redor da eira, o canastro dorme com as espigas de milhos colhidas no ano anterior, às vezes, desaparecia e escondia-me lá dentro, deitava-me em cima do milho e imaginava-te
Nos teus braços, lábios,
Imaginava-te sobre mim como as pequenas sombras de luz que as fendas das ripas construíam nas doiradas espigas, pedia que começasse a chover, e o sol fazia de mim um boneco cansado, um boneco de palha seca, e um chapéu com três ou quatro buracos, estava de pé e encontrava verticalmente com a ajuda de um cabo da piaçaba,
Na cave, entre teias de aranha, imaginava-te mergulhada no círculo trigonométrico e traçava ângulos no teu peito, calculava a tangente três meios de pi, e entre os teus seios, sabia que dois triângulos rectângulos brincavam como duas mãos de milho, seco, dentro do espigueiro, com ranhuras de luz,
Nos teus braços, lábios, a carlinga pesadíssima poisada nas pedras abandonadas das tardes encobertas, pedíamos sol, e tínhamos chuva, pedíamos beijos, e infelizmente, nunca tínhamos beijos, nem água, nem a banheira para ela brincar, imaginava-lhe uma banheira e imaginava-a sentada à beirinha como se estivesse dentro de um barco a remos a olhar distraidamente os finos papeis de esperança onde escrevíamos recordações com marisco, bebíamos cerveja e sonhávamos com papagaios de papel sobre o Céu, logo pela manhã, mesmo antes de acordarmos,
E acordávamos ressacados, dávamos conta que não tínhamos banheira, o pequeno barco a remos encontrava-se estacionado junto ao contentor do lixo e a janela da casa de banho, onde eu a imaginava sentada esperando pelo meu regresso, nunca
Existiu,
(tínhamos medo da solidão, comprávamos cigarros avulso e líamos os jornais da semana anterior, tínhamos alguns livros que íamos vender para comermos, e um dos teus cachimbos queria fugir, tentou cortar os pulsos com um isqueiro, não o conseguiu, não teve coragem para o fazer, e, mentia-lhes e dizia-lhes que deixei de ver-te como quem abandona um álbum de fotografia, com histórias, com corações e nas traseiras dela inscrito “EU + TU”, mentia-lhes e dizia-lhes que a última vez que estive contigo foi nos rochedos junto ao cais dos homens apaixonados, onde sempre que vem a trovoada de incenso, uma boca procura docemente os inocentes poemas da menina que passa as horas sentada na banheira a brincar com a água, a imaginar)
E imaginava-a, sem roupa, dentro da banheira com espuma de Primavera.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Sótão da Insónia

Foto: A&M ART and Photos

Há um amontoado de espelhos e cobertores
que me levam até ti
há um corrimão onde poisamos as nossas mãos
e juntos
procuramos o sol,

Há um sótão
onde supostamente habita esse procurado sol
tem uma janela com pequeníssimos vidros de cetim
e uma fotografia para o mar
onde partem e regressam os barcos de brincar,

Leio os livros espalhados nesse sótão
onde às vezes adormecemos vaiados pelo cansaço da noite
mergulhados em palavras
e imagens
e sonhos suicidados dentro das tempestades do inferno,

silêncios dentro do sótão
fragmentos de porcelana abraçados a pedaços de cola
há uma jangada com velas de linho
que dentro do sótão pedem clemência ao vento traiçoeiro,

Há beijos disfarçados de solidão
e bocas em desejo
nos lábios da insónia...
há em mim coitados pássaros loucos
pássaros que só o nosso sótão consegue alimentar.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 25 de março de 2013

Paixão Geométrica

A&M ART and Photos

É da tua voz difusa que os traços de suor
acordam nas pétalas loucas que os poetas inventam
misturam-se nos teus lábios (sem que eu saiba se são doces ou amargos) sílabas
de água perdidas entre rochas e árvores de candeias
à luz semeada pelo diáfano silêncio dos desertos cansados da tua boca,

Há dias que não percebo esta solidão de areia
que o vento levita das pequenas junções das lajes de granito da eira de Carvalhais
e no entanto
acompanha-me o melódico sorriso do melro alegremente
penso eu (apaixonado) porque faz balançar os pinheiros dos sonhos,

Atravessas a cidade sobre o arame da saudade
e deixas cair sobre mim
as madeixas de papel que se desprendem do teu cabelo revoltado
com palavras misturas-lhe palavras em constante equilíbrio
e sofrimento de dor,

Inventas o rio para me alegrares
mas até isso me entristece como me entristecem as amarra de aço
que prendem os barcos apodrecidos
(também eles de aço)
a um cais de desassossego que tu dizes ser meu quando nasci das finas cordas que as gaivotas engolem,

Apetece-me subir ao andar superior onde habitam os gemidos da tua voz
que definem os traços de suor
que a pobre ardósia escreve construindo a geometria do amor
Dois quadrados podem ou não podem apaixonarem-se um pelo outro?
E dois triângulos de Luz?

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Como Andorinhas

foto: A&M ART and Photos

É vê-los partir como andorinhas envergonhadas, fogem, escondem-se como as ratazanas debaixo das pedras frágeis das calçadas de areia, inventam o sono, memorizam números como do primeiro beijo se tratasse, recordam as portas calafetadas e as janelas com os vidros estilhaçados pelos suspiros que o amor provoca nas primeiras horas da manhã, uma parede sem palavras escritas, mórbidamente suspensa numa corda de nylon, diz o povo que se enforcou, de uma casa, e do primeiro andar, uma varanda, uma grade em ferro, e imagens desfocadas, mortas, que nunca existiram na realidade, tocava o telefone, uma enorme e velha campainha como o sono quando demorava a regressar, aproveitava entre toque para contar os carneiros que deambulavam no tecto do quarto, e quase sempre
Faltam-me dois carneiros, E a esposa dizia-lhe Deixa lá marido, o que são dois carneiros?
Tirando a lã, nada,
E antes de pegar no auscultador mais pesado do que um saco de cimento, queixava-se da dor sobre os ombros, e mentalmente não se recordava de qualquer esforço extra, mas claro, como ele às vezes fazia menção de dizer, A idade avança e os meus ossos já precisavam de reforma, e de tempo, e de melancolia, e das noites, e avariadas quando entravam porta adentro um esquadrão de
Ratazanas?
E tirando a lã, nada,
Não, claro que não,
Pegava no auscultador e do outro lado da ardósia parede de gesso, ouvia a voz mais pequena quase do mundo, mas neste caso, a voz mais pequena da aldeia dos macacos, Tou, Tio?
Sim, Sou o Francisco!
Saudades tio, saudades...
Deve estar a precisar de dinheiro, só me conhece para isto, este miserável,
Diz lá rapaz, alguns problema?
(É vê-los partir como andorinhas envergonhadas, fogem, escondem-se como as ratazanas debaixo das pedras frágeis das calçadas de areia, inventam o sono, memorizam números como do primeiro beijo se tratasse, recordam as portas calafetadas e as janelas com os vidros estilhaçados pelos suspiros que o amor provoca nas primeiras horas da manhã, uma parede sem palavras escritas, mórbidamente suspensa numa corda de nylon, diz o povo que se enforcou, de uma casa, e do primeiro andar, uma varanda)
Era só para o ouvir, respondia-lhe ele, e claro, pensativamente vinha a desconfiança, porque ninguém telefona a outro alguém, apenas para o ouvir, ou
Saudades da sua voz,
(Chaleiro)
Ou,
Ratazanas?
E tirando a lã, nada,
Não, claro que não,
Saudades, claro, também eu, do granito clandestino de que eram construídas as clarabóias com pedaços de cartão reciclado, e quando alguém batia à porta, ele
Tou?
Sou eu, tio Francisco!
Agora este deve pensar que sou o novo Papa, Sou Francisco, claro, mas um simples Francisco, menos do que as flores e os pássaros e as pontes, menos ainda do que as
Ratazanas?
Claro, sim, talvez,
É vê-los partir como andorinhas envergonhadas, fogem, escondem-se como as ratazanas debaixo das pedras frágeis das calçadas de areia, inventam o sono, sinto nas minhas coxas calcinadas pelo odor do primeiro beijo as nuvens de porcelana que Deuz se esqueceu sobre a mesa da cozinha, sentada, não sei, o que fazer
Talvez, claro, quem sabe,
Porque não me amas, e confesso que não sei responder-te, não sei, tal como tu não consegues perceber a razão do teu sobrinho segredar-te que tem
Saudades?
Sim, claro, talvez,
Não sei,
Tou? Sou eu tio Francisco, Diz lá rapaz?
Digo,
Quem pode ter saudades da voz de um homem velho, cansado, com duzentos e seis ossos pesados como chumbo, húmidos, pronto no cais de embarque, quando ele tem a certeza que não regressará mais
Aquela manhã de Novembro,
Aquele sonho de açúcar,
Ou,
O toque do telefone, Saudades da tua voz, tio Francisco, nada mais...
Ou,
Saudades de voar, querido sobrinho.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha