foto: A&M ART and Photos
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Esta varanda que me alicerça o corpo às marés
vazias, este ar e esta sensação de silêncio, que aprisiona os meus
braços ao vento filho da rua das traseiras, este medo, esta manhã
distante das estrelas complexas do nocturno céu da tua boca, uma
janela, e
O espelho de ontem procurando a saliva de hoje,
Esta varanda que me aperta o coração, sabendo eu,
que há muito deixei de ter coração, cabeça, prazeres, solidões
de tempestades ao romper a madrugada num cenário de papel, os
actores sentados na plateia, os artistas de circo que a infância
semeou no capim junto aos Coqueiros, não sei, mas acredito que um
dia vão voltar, também eles, sentados na plateia, ao jantar, os
pratos vazios misturam-se com o público em círculos no palco, e
começa o espectáculo
A vida de uma mulher de veludo, encenação de mim,
e direcção de actores, também de mim, a tenda levita de quando em
quando, saltita como seios roxos com pintinhas brancas e flores
amarelas, e dizem que o mar entra pela porta da varanda, ela submissa
na chávena de café olhando pensativamente a rua em ruínas como
gaivotas órfãs pedindo esmola no cais das camélias abandonadas,
(solidões de tempestades ao romper a madrugada num
cenário de papel, os actores sentados na plateia, os artistas de
circo que a infância semeou no capim junto aos Coqueiros, não sei,
mas acredito que um dia vão voltar, também eles, sentados na
plateia, ao jantar, os pratos vazios misturam-se com o público em
círculos no palco, e começa o espectáculo)
E começa
O
Circo,
E começa
O
Teatro,
E começa o espectáculo dos pratos vazios sobre uma
mesa de vidro, ela, a mulher de veludo, refugia-se na varanda da
vergonha, bebe café e aquece as mãos com o medo da fome,
inventam-lhe alcunhas, e obriga-se a submergir-se nos oceanos dos
pilares de madeira depois de o vento abandonar as crianças e os
idosos..., na esplanada dos olivais encalhados na serra do
desassossego, há um rio doente, rio que sobe as escadas, e leva a
mulher de veludo, e leva o corpo de uma mulher fingindo alegria
Viva a alegria, Alegria, Alegria, Hoje é dia de
festa,
Meninos e meninas,
Senhoras e senhores,
Respeitável público..., A senhora de Veludo!
E os cortinados mergulhavam na solidão, e havia a
tristeza disfarçada de fome, quando os pratos vazios, e os talheres,
e os guardanapos..., voavam entre paredes da cozinha,
O espelho de ontem procurando a saliva de hoje,
Na varanda,
E não regresses, eu a ouvi-los, os pássaros nas
plataformas sobre as ruas em obras, telefona-me tá, e claro que não
tá, nunca esteve, nunca estará, vestida, forte, de pé como uma
estátua de bronze, pensava eu, na varanda, nua, uma janela em
gemidos quando alguém tentava encerrá-la..., e claro, quem,
digam-me, quem gosta de ser encerrado? Digam-me, quem gosta de ser
aprisionado? Ninguém, ninguém, ninguém havia quando a terra
começou a tremer, ela aos poucos, como pedaços de papel,
desmoronou-se, de
Pedaço em pedaço,
De
Letra em letra,
Até chegar a palavra, chega, basta...
Fim.
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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