terça-feira, 19 de março de 2013

Os carris de ontem

Para onde me levas? Se os teus braços são espessos, abertos, desertos, se os teus braços são como o vento que seguem estes pobres carris até ao fim do destino, sem mais caminho, deixarmos de caminhar, não
E há muito deixaram de circular, aqui
Os comboios de ontem,
Amanhã
E há amanhã fantasmas de aço já sem braços, já sem vento que nos levarão para as planícies de um rio sem dentes, um rio, deserto, fechado, encerrado, sem barcos, sem
Comboios para olhares, sem carros em direcção ao Grafanil, tudo, cessaram as lilases árvores pintadas nas brancas e finas pernas da menina do quintal ao lado, gostava dela, mas às vezes
Era chata, impertinente, embirrante, e eu, eu atirava-lhe com o meu chapelhudo (um boneco com vestidos que eu desenhava, que eu cosia nas solidões da tarde, um boneco que dormia comigo, e durante a noite me levava a passear para junto do mar), e ela, ela indiferente a ele, ela olhava-o, olhava-me, e dizia
Não tenho medo de ti,
Eu tinha, muito, e escondia-me junto ao tronco da mangueira do quintal, ela erguia-se, empoleirava-se sobre os arbustos e nada, nada, nada, nunca me encontrava, e eu
Via-a sobre os carris, sem comboios, desertos, e os teus braços são como o vento que seguem estes pobres carris até ao fim do destino, sem mais caminho, deixarmos de caminhar, não
Não esperes por mim, não, não faças de mim também, deixarás de perceber quando caminhavas, sobre os arbustos, e quase sempre, sempre que nunca me vias, choravas,
Sempre choravas quando não me encontravas, e saberias ao menos que eu também chorava enquanto não te encontrava? E saberias que o chapelhudo vestido apressadamente para andar no bolsinho do teu bibe, ele
Saudades
De mim,
Sabias?
Amanhã, os comboios de ontem, perceberás que hoje não comboios, hoje não andorinhas, e a Primavera está aí, amanhã, de mim, não esperes, não me lês porque tens vergonha das minhas palavras, dos meus azedos lábios, dos meus não beijos, e mesmo assim, subias aos arbustos, espreitavas-me... porque tínhamos veleiros imaginários estacionados entre os nossos quintais, ao centro, separavam-nos
Arbustos,
E montículos de areia com cor de chocolate, e no bolsinho do teu bibe
O teu chapelhudo, vestido, devidamente vestido, penteado, asseado, e o rapaz fazia-se de morto, encostava-se ao tronco da mangueira, e
Quase que nem respirava, e
Quase que nem se via,
E
Quase que terminava a Primavera, começava o Verão..., e ela sem acordar, e ela
Desaparecida,
Para onde me levas? Se os teus braços são espessos, abertos, desertos, se os teus braços são como o vento que seguem estes pobres carris até ao fim do destino, sem mais caminho, deixarmos de caminhar, não
Sim, talvez,
Tínhamos duas rectas de aço, paralelas, longínquas até ao infinito, e chegando lá, abraçadas elas, encontravam-se como se encontravam os amantes nos quartos de pensão, com quatro paredes, feias, frestas, uma janela quase parecendo um ponto de luz ao fundo do túnel, e no final
Amanhã,
No final uma parede de betão manipulada por um velho vestido de negro, amanhã, hoje, ontem, ontem tínhamos coisas, uma cama que rangia, sofria, gemia, uma cama com ar de ranhosa, e lábios beiçudos, amanhã
Não percebo,
Amanhã dizem-me que um hotel com cinco estrelas, duas nuvens e uma lua, ruiu, como as tendas de circo quando a tempestade é muita, quando o meu cão se revolta, e porque não se revoltam eles, porque apenas um rafeiro
Revoltado,
E os outros?
As ruas, os edifícios, as calçadas, os caixotes de lixo, o rio, as pontes e os homens..., porque não se revoltam eles?
E as outras?
Coisas pequenas, silêncios, sussurros de medo, grades invisíveis com vogais de sabão, prisões para os bons, e liberdade para as abelhas
Coitadinhas
Tenham pena delas,
Precisam, querem, desejam
Voar,
Andar
Caminhar..., até que os carris terminem
E
O precipício acordava nas mãos pequeninas da menina do bibe, que subia aos arbustos, que chorava enquanto o chamava, ele
Escondia-se
Como o chapelhudo,
No bolso do bibe dela.

(ficção não revisto)
Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 18 de março de 2013

Gemidos fingidos das janelas de vidro

Imagino-a sentada à minha espera, acendo a luz da despensa, procuro sem precisar qualquer coisa desnecessária, sal, ou açúcar, arroz, talvez polpa de tomate em lata, talvez nada, pretextos, manias, esconderijo onde me sento, esperando que ela
Vou embora,
Volto a apagar a luz, saio da despensa, vou à janela
Batem à porta, imagino-a a voltar, e finjo não estar, como antes o tinha feito,
Da janela, sem a abrir, oiço o desalinho dos automóveis caminhando pela calçada em paralelo que me fazem recordar as noites de embriaguez quando as calçadas voavam conjuntamente com o vento
Ora essa, não acredito!
Verdade, nós cambaleávamos porque os paralelos voavam, saltitavam, e nós, tropeçávamos como tropeçavam as minhocas antes de colocadas no anzol do desgosto, prendíamos grãos de trigo no anzol, e atirávamos-lo para o quinteiro da vizinha, depois, depois era só puxar o fio de pesca e uma galinha acabava de nos sair na rifa,
Acreditas agora?
Vou-me embora, levantar âncoras e baixar velas,
E quando abria a janela subia até nós o intenso cheiro dos resíduos sobrantes da noite passada, aquela onde os paralelos saltitam e cambaleiam, nunca os percebi, nunca os quis perceber, como também não percebo a existência de mim em calções quando me olho no espelho da praia, e eu ando lá, e eu, eu
Não
Andar lá,
Eu morri numa manhã de Sábado, em frente ao Tejo, em Novembro, e enquanto esperava que me transportassem..., perdi-me numa feira de velharias, perdi-me dentro dos livros, dos cachimbos, alguns mais idosos do que eu, e sinceramente, não me recordo de ter passado pela porta da tempestade cinzenta, lembro-me de um velhíssimo chapéu de soldado da ex-URSS, mas da porta
Via os vidros em pedaços, ouvia os estalido dos candeeiros da rua contra os automóveis que circulavam, entre paralelos inquietos, ressacados, de fome nos lábios, senti sobre os ombros as cordas que seguram as roldanas que puxavam as lanças para os guerreiros do Céu, e ouvia-a
Esperava por mim, eu, eu escondia-me dentro da despensa, acendia a luz, fingia procurar coisas, insignificantes, como quando não me apetece falar com ninguém invento buscas à minha biblioteca à procura de livros que ainda não foram editados, de livros que existem apenas dentro da cabeças
Deles e delas,
E eu,
Finjo,
Invento buscas, chamo os bombeiros, dou participação na polícia, digo-o, invento, que desapareceu de casa de seu pai, vestia gabardina negra (de noite) e calças de galga (polidas no tempo), calçava umas sandálias em tiras de couro, e a última vez que o viu
Diz que foi junto aos livros de Luiz Pacheco,
Ou
Não,
Minto,
A última vez que o vi foi junto dos livros de A. Lobo Antunes, foi, tenho a certeza, e desde então, nunca mais
Apareceu,
Nunca mais
Me atormentou,
E nunca mais
Apareceu-me à janela quando a escuridão entra casa dentro como flores tombadas pelas tempestades enceradas com gotas de água e bolas de sabão, lá fora, o cigano com uma máquina esquisita (fogareiro com sujidade) dá à manivela e aos poucos
Mãe
Sim filho
Olha
Pipocas,
E afinal ele ali tão perto, tão perto, perto
Que nunca acreditei que fosse ele, em gemidos fingidos das janelas de vidro.

(ficção não revisto)
Francisco Luís Fontinha

Claro que não percebes que há olhares invisíveis

É impossível viver-se assim, não concordas comigo?
(meia dúzia de gargantas contra as lajes do vento, três ou quatro mãos arremessando pedras da calçada na direcção da casa amarela da rua escura que tem uma árvore caquética, com dois ou três bancos de jardim, envelhecidos como o povo, como os barcos, como os pássaros que assistem pacientemente à ditadura do dinheiro, morre-se, matam-se, suicidam-se nuvens não percebendo que o futuro é uma sepultura com pedra mármore em cima, cansamos-nos de ouvir tantos e tantos comentadores, que tudo comentam, que nada percebem daquilo que comentam, hoje a receita é uma, amanhã já é outra, e talvez, depois de amanhã, não sei, apreça um que diga que a solução é o peru recheado com batatinhas doiradas, caseiras, o peru, caseirinho, as delícias da avó Silvina, e hoje),
Percebes o que eu quero dizer-te?
(hoje ofereceram-me catorze ovos, caseiros, e sou levado a concluir que o dia não está a ser assim tão horrível, como eu pensava, ao acordar, depois recebo a notícia que vai ser editado pela Fundação José Saramago um novo livro “A estátua e a pedra” de José Saramago, e confesso, neste momento da minha vida, digo-o e repito-o
estou a cagar-me se a barraca vai ou não vai abaixo, que estou a cagar-me se a tenda frágil deste circo vai ou não vai ruir, porque
hoje deram-me catorze ovos, se comer um por cada jantar, tenho catorze jantares garantidos, mais uma laranjas que a velhinha me ofereceu, poderei dizer que
hoje até que nem foi um dia assim tão horrível, chato, não, não,
é impossível viver-se assim, não concordas comigo?)
Nós aguentamos, nós somos como os plátanos, na minha terra adoptiva existe um plátano com cerca de cento e cinquenta e sete anos
E ele
Aguenta, e ele, e ele tem aguentado tudo, tormentas, tempestades, velórios irrisórios, vestimentas de areia, ditaduras, e omissões marítimas, e ele
Aguenta, sempre, hirto, um pouco obeso, é normal para a idade, mas tirando isso
Aguenta, tudo,
(meia dúzia de gargantas contra as lajes do vento, três ou quatro mãos arremessando pedras da calçada na direcção da casa amarela da rua escura que tem uma árvore caquética, com dois ou três bancos de jardim, envelhecidos como o povo, como os barcos, como os pássaros que assistem pacientemente à ditadura do dinheiro, morre-se, matam-se, suicidam-se nuvens não percebendo que o futuro é uma sepultura com pedra mármore em cima, e dizem que o futuro somos nós
nós, quem?
os esqueletos recheados de fome?
ou
os vampiros da morte, os pedintes novos caminheiros caminhando sobre as rodas circulares das ameixas em flor, hoje foram catorze ovos, e amanhã? E se amanhã não existir amanhã? Porque o peru deixou de ser caseiro, ou
Porque as batatinhas deixaram de ser caseirinhas, e das nuvens, nem água, nem incenso, nem
não
nem as planícies dos triângulos azuis que voam sobre as tardes de neblina, tenho vergonha mãe, dizias-me tu quando calçavas as botas com os dentes de fora, de beiços aguçados, ou
tenho vergonha mãe
quando as calças tinha as joelheiras rotas, e tínhamos o couro que servia como remendo e como adereço,
e),
Não sei, diziam-me que aqui havia uma ilha com rochas que falavam, juro, percorri todas as montanhas e rochas nenhumas, quanto mais falarem, e como precisávamos de conversar, olharmos-nos, os meus olhos nos teus olhos, que confesso e não me leves a mal, nunca soube de que cor são, digo-o, para mim passam a ser encarnados com bolinhas brancas, e hoje
Catorze ovos, caseiros, catorze jantares assegurados, laranjas para sobremesa, música, e que nunca nos faltem as pilhas para o rádio, nunca
Porque sem música
Morríamos, deixávamos de dançar sobre as cristalinas ondas de sono, e tu vinhas a perceber que a noite é uma mentira com cortinados de luar,
(não sei o que faça, não sei se amanhã terei força para me erguer, reerguer, gritar, chorar, e acredita, estou calmo, não estou nervoso e não sinto a falta dos cigarros, mas
hoje
e amanhã?
e
depois de amanhã?
Não sei
talvez cresçam e floresçam as inventadas flores que colocamos sobre a pedra mármore das velhas e novas sepulturas, com janelas, com clarabóias, e enxadas de vidro nas mãos calejadas dos homens vestidos de árvores, com três ou quatro pássaros poisados na cabeça, esse homem, esse desgraçado homem,
é ele
sou eu)
Adormeci um dia sem perceber que as manhãs são mesas de madeira com toalhas de plástico; como está tudo isto?
Uma merda, uma grande merda.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

blogue Cachimbo de Água em destaque – Sapo Angola


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domingo, 17 de março de 2013

O que tem o mar


O que tem o mar que tu não tens
tem seios de oiro e sorrisos de prata
tem abraços e manhãs sem cansaços
tem olhos verdes
e cabelos de vento
tem prazer
dor
tem amor
e tem letras para escrever
o que tem o mar que tu não tens
tem viagens tem barcos tem paixões
escondidas nos lábios do pôr-do-sol,

Tem saudade
e bairros de lata
tem perfume tem rosas tem ciúme
o que tem o mar que tu não tens
tem gemidos tem vogais
e sílabas mórbidas entaladas na madrugada
tem camas salgadas
com lençóis de sémen
tem corações
e pernas de cristal pintadas à mão
tem ondas
espuma e um enorme canção,

O que tem o mar que tu não tens
queres mesmo saber?
tem sombras tem desenhos tem muros em suspensão
tem um papagaio de papel
e um cordel
tem cheiros tem pedras de muitas cores
e tamanhos
tem flores
tem silêncios tem demónios e esqueletos com ossos à deriva
o que tem o mar que tu não tens
tem livros tem poemas tem cinema
e mulheres vestidas a preto e branco,

Tem dança
e asas de voar
tenho pena de este mar
ter tudo o que tu não tens
o que tem o mar que tu não tens?
tem as lágrimas tem o ombro tem o peito
onde encosto a cabeça
ai... que este mar tem tudo mas tudo aquilo que tu não tens
tem submarinos e sepulturas de vidro
tem árvores de fingir
tem loiras cansadas noites de Primavera
e tem... tem doidas palavras...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Zizi: - Odeio-te quando não fazes amor comigo

(Domingo)


Temos de terminar isto, fiz-te sofrer durante duzentas, trezentas... não mais de quatrocentas páginas, mas hoje, juro, hoje vou matar-te, deixar-te em pedaços, destruir este e os outros pedaços de papel para que nada, absolutamente nada sobre de ti,
Chamei-te Zizi,
Como podia apelidar-te de Maria, Teresa ou Marilú, e quando penso em ti
Marilú,
Recordas-me o incenso em brasa e o cheiro a mar quando ele vive a mais de duzentos quilómetros de mim, recordas-me as caves misturadas na noite, recordas-me a literatura travestida de orvalho abraçado a um cais de embarque, cortaram-te as correntes que te prendiam à terra achatada e agora navegas desesperadamente como o vento sem rumo, como as pessoas de mim
Sobre as árvores à espera que regresse a segunda-feira, hoje serás o último dos textos, quer queiras quer não, porque me cansei de ti, das tuas mãos e das tuas tristes palavras, também me cansei dos teus lábios, da tua boca
Zizi: - Odeio-te quando não fazes amor comigo, odeio-te quando te finges de espelho e estaticamente pareces um fio suspenso por um fio de nylon,
E tu sabias que era essa a minha vida, ou não?
Mas hoje morrerás, hoje deixarás de ser texto, palavras, imagens a preto e branco, hoje, Domingo,
Fato, cansado
De ti
Do cheiro do papel e dos livros,
Das tintas,
E das histórias,
Pareço, pareço um vagabundo numa paragem de eléctrico, vestido de negro, confundo-me com a chegada da noite, mas fico com a sensação que vão cair gotinhas de água com perfume de incertezas, dores musculares, e uma estrutura óssea quase em ruínas, doem-me os pilares, doem-me as vigas, doem-me os alicerces inventados por um engenheiro desgovernado, escrevia palavras nas coxas de Zizi, e levava-a a passear, quando
O Tejo já dormia e quase nem se via com as luzes reflectidas nos olhos da madrugada, chegavas tardíssimo a casa, chamavas por mim, eu dormia, outras
Fingia dormir,
Tínhamos sobre as almofadas de linho os quatro cubos de areia com cinco esferas de aço, tínhamos três janelas sem vidros, sem esquadria, apenas o buraco com imagens de
Matar-te-ei com com uma caneta de tinta permanente, e imagino-te a derramares-te pelas folhas do caderno como um pente nas faces do xisto antes de acariciado pelas mãos de um feliz travesti
Marilú,
Com imagens de manhãs brancas e noites cinzentas, como fotografias penduradas num cordel, e de mangueira a mangueira, olhavas-me
Olhava-te na vida de silêncio que inventaste para mim, e sobre mim, e depois de mim, e
Matar-te-ei hoje,
E deixarei de escrever-te, morrerás ao som de “The Enlightement” The Ratazanas, e depois fazer-te-ei descer as íngremes escadas da melancolia, até que desaparecerás nas ondas híbridas do oceano em cio, e eu queria tanto abraçar-te, e eu queria tanto beijar-te
Antes de poisar a caneta e escrever sobre a noite
FIM,
E não sabias que um barco vinha buscar-me aos cais dos acorrentados, e nunca soubeste que uma gaivota vinha a mim, como vieram todos os soluços das manhãs quando acordava e do outro lado do espelho
Apenas
Do outro lado do espelho um vazio chamado círculo, com olhos verdes, com pernas e braços e coxas e púbis, um círculo trigonométrico encaixado no crucifixo que a parede segurava com as mãos da insónia, e dizias-me
Odeio-te quando não fazes amor contigo...
Zizi?
Sim, amor
Não percebes que é propositadamente
O quê amor?
Que eu
Tu o quê amor?
Quero que me odeies...
Como se odeiam os poemas ainda não escritos dentro da minha cabeça de abobora, lembras-te do homem com cabeça de abobora? Talvez um dia, quando leres estas palavras, percebas
Quero que me odeies...
Que das minhas pobres palavras nunca vão nascer coisas para encantar os espelhos, as ruas, as ruelas e tristes casas de pasto, sobre uma pobre mesa de madeira vestida com uma pobre toalha de plástico, um copo e uma garrafa de vodka, tu preferias vinho, tinto, a empregada, já de idade avançada tinha acabado de deixar uma travessa com peixe frito, pão, azeitonas, dispensamos tudo, excepto as bebidas, não tínhamos fome, mas comíamos palavras
E sussurravas-me baixinho
Amor,
Sim Zizi,
Odeio-te quando não fazes amor comigo,
(e não percebias que era propositadamente).


(ficção não revisto)
Francisco Luís Fontinha

sábado, 16 de março de 2013

Vida em carris subterrâneos


Vida em carris subterrâneos como a alma do morto
sobrevive-se dançando na praia como grãos de areia
salgada
sobrevive-se dançando
entre picos de solidão e melodias de cansaço
o meu porque sofrer é o mar depois de dormir
levar com os barcos sobre os lençóis da noite
gemer sorrindo fingindo amar
contra as janelas e os pilares vagarosos
que o vento transporta de ontem
para... stop
amanhã é outro dia,

Incendeiam-se-me as asas e caio na fossa séptica do amor
sem dizer nada
ou ninguém,

Ou palavras,

Leio-o porque dorme em mim não descendo calçadas
não brincando em jardins
leio-o como leio nas folhas das árvores
as migalhas do teu corpo em sabonetes de rosa adormecida
não me interessam os transeuntes famintos dos teus pobres seios
quando em mim
todos me odeiam
e vejo-me encardido nas pedras de mármore dos montes abandonados,

Vejo-me sentindo-me ser escrito por um louco
na mesa oca da taberna da Joaquina
e sei que lá fora
uma luz encarnada procura-me
como os olhos da madrugada
ou os cadáveres de ontem
em nada ou ninguém
para... stop,

Amanhã é outro dia,

Ou palavras,

Ou burocracias de um doente mental com hálito a chocolate
e nos bolsos doentes
encontraram-se-lhes pedaços de beijos
migalhas
canalhas
os todos entre ninguém
homens soberbos das esplanadas
e eu... infinito nos teus braços.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Tudo de nada enquanto dormias

Não devias ser de pedra como as árvores do oceano onde habita a Margarida, quando as noites não são noites, porque... fartava-me de olhar a lua, e as estrelas, coisas, pontos de luz, telhados em zinco com janelas de cartão, pregos, pregos entre ripas e caricas, e um dia zarpou, e ao outro dia encontraram-na deitada nos difíceis terrenos da aldeia, debaixo do rio, frio, as rochas magoadas pelos desgostos silêncios de Agosto, sem gosto, gosto de ti
Imaginava-me dentro dela,
Gostavas de mim como um pedaço de aço, antes de ser limado, desbastado com a rebarbadora das tuas mãos, não o conseguiste e chamaste o escultor Migueis de José, com as suas esbeltas ferramentas tentava ele moldar-me ao sabor dos teus lábios, e eu
E ele cada vez mais indomável, selvagem, como as aranhas em suicídios depois do almoço sagrado, sentadas na mesa do senhor António A., ou
E eu,
Ela, debruçada na escada virada a sul, plantas carnívoras alimentavam-se de pequenos papeis e folhas de alumínio, não gostavam de palavras, deixavam-nas na beirinha da malga de loiça, não gostavam de pão, e deixavam-no na superfície oleosa da mesa de madeira que roubaram na barraca do vizinho das traseiras, durante a noite, trouxeram a mesa e duas galinhas e um galo, e quatro ovos
gosto de ti
Imaginava-me dentro dela,
E só desistíamos quando uma enxada de cansaço batia no soalho, abríamos a janela do amor que tínhamos com vista para o mar da paixão, vestias-te de gaivota e eu
E ele
Gosto de ti,
Ele vestia-se dela, enquanto ela se misturava nos fumos vermelhos da encarnada melodia que se ouvia no rádio a pilhas, quase rouco, fraquinho, e de pouca pulsação
Na urgência
Não deve ser grave, São as pilhas, pilhas
Anilhas
Nas pernas das meninas com saias de chita, e do cabelo, cabelos de vento sobre uma palha em chapéu, e perguntaram-lhe suavemente
Olha menino..., Quem manda aqui? E ele
Gosto de ti
Assim,
Que eu saiba... ninguém, que eu saiba mandamos todos, todas, conforme vossemecê quiser e achar por melhor, pertencemos ao povo, somos o povo, e dizem
Quem manda é o povo,
E dizem,
Assim,
Gosto de ti
E ela
Anilhas
Nas pernas das meninas com saias de chita, e do cabelo, cabelos de vento sobre uma palha em chapéu, e perguntaram-lhe suavemente, enquanto os lábios se colavam nas pétalas azuis do buquê da Madame do terceiro direito, solteira e sem filhos, disponível
E ela?
Assim, gosto de ti, Como quem atira uma munição através de uma arma apontada ao nada, Assim..., desesperada, e coitada
Coitada?
Dela, quando ele acorda e desaparece pelo espelho do guarda-fato e só regressa três noites depois, vestido dela, cansada, com as pernas recheadas de velhas varizes e foices martelos estampados nas costas, percebiam-se-lhe os gritos de revolta, e nos mamilos alguém lhe escrevera
LIBERDADE PARA O POVO!
Que sim, que ia visitar-me logo que possível, e todas as noites relia as cartas dele, e todas as noites adormecia na esperança que um dia, ele
Sim, sou eu
Eu?
Ele
E
Ela,
E nunca apareceu para me abraçar, apenas em dispersos pedaços de papel, eu ia percebendo pelas palavras, que ele
E ela,
Nunca regressariam, nem três dias depois de partirem como o outro que tardiamente, regressava, e aparecia-nos no quarto, a cambalear, aos poucos, a atravessar o espelho do guarda-fato, com janelas de cartão, pregos, pregos entre ripas e caricas, e um dia zarpou, e ao outro dia encontraram-na deitada nos difíceis terrenos da aldeia, debaixo do rio, frio, as rochas magoadas pelos desgostos silêncios de Agosto, sem gosto, gosto de ti
Imaginava-me dentro dela.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

(escrito enquanto ouvia “The Enlightement” The Ratazanas)

sexta-feira, 15 de março de 2013

Trinta e seis suaves palavras

Sentavas-te sobre o vento, e iluminavas-me com aquele olhar frio, distante, híbrido, e humidamente longo... como todas as noites de Inverno, e como todas as lâmpadas semeadas pelo amor nos campos agrestes que as minhas mãos transportam, ouvia-te sabendo que te inventava, e sentia-o, e ouvia-o, percebendo que as manhã do meu sorriso tinham cessado de crescer, e mentia-te, e mentia-te quando dizia-te
Amo-te,
Sabendo-o que não, que nunca
Vi o mar e os barcos da Primavera,
E mesmo assim,
Dizia-te,
Amo-te, como amava as palavras do caderno negro, e mesmo assim, fabricava a morte em trista e seis prestações, suavemente..., até que um velho esqueleto de vidro,
Pumba... uma pedra de desejo estilhaçara-o, todo ele, como ele com os vidros do recreio na escola, pum..., e dizias-me
Amo-te,
Mentira, sabendo-a deitada dentro de uma laranja com circulares rodelas, simplesmente sós, simplesmente elas, todas, nas sílabas de Deus, quando acordava ela benzia-se e repetidamente
Obrigado meu Deus por mais um dia...
Um? E se o dia não terminar nunca? Contentavas-te apenas com um simples dia? Pobre, miserável, tépidamente como a água da chuva no interior de um velho conta-gotas, e inventavas o sono só para nós, e inventavas
A palavra amo-te, suavemente em trinta e seis prestações,
Anoitecia, escondiam-se-me as coisas moribundas que a montanha com coração de granito suspirava sobre as nádegas das canções que cantavas
Apenas para me embalar,
E inventavas-me dentro do sono, adormeceste, eu no teu colo, e pum... caí dos teus braços, e separei-me do teu honesto cansaço, choraste, tiveste medo por mim..., e rezaste, para quê? Talvez já tivesse partido, voado, dormido como dormem os longos sorrisos de orvalho, quando abrias a janela, e gritavas
Roubaram-nos o mar, roubaram...
E claro que nunca tivemos mar perto de nós, e claro que nunca vimos o mar, e claro..., pum... e tropeçamos nos paralelepípedos da saudade, dos relógios sem ponteiros, e das roldanas que faziam descer e levantar
O dia,
A noite,
E todas
Poucas
Coisas que tivemos, e perdemos, suavemente o amor em trinta e seis suaves
Palavras
Prestações com acesso ao sótão dos sonhos, inventavas-me o sono, e eu
E ele dizia-se-me em total liberdade, e fugia das palavras e dos sentidos obrigatórios das ruas da cidade empalidecida com as nuvens que eu lhe inventava, corria, não dormia
Sofrias de insónia?
Sabendo nunca que não dormia porque os holofotes com dentadura postiça magoavam-no, e ele dizia-se filho de um Deus esquisito, e com aspecto pérfido como as loucas salivas das bocas bocejando entre o pequeno-almoço e o jantar, dispensava o lanche, e o exame a matemática
E desde pequeno aprendeu a chorar, lágrimas verdadeiras, não as fingidas, nãos as invisíveis que se vêem como um fio de luz, depois de encerrada a janela, e
Palavras, poucas, como os teus lábios misturados no encarnado som da lua que a noite deixa ficar sobre os lençóis da paixão, inventavas-me, e inventaste o sono, e depois, o que ganhaste com
Isso, sim... o que ganhaste com essa invenção de sucesso?
A minha miséria? A vida de tédio que carrego num esqueleto frágil “cuidado”...
Entre a insónia e o desejo de existir, estar, voar, serás pássaro? Ou simplesmente nuvens livres sobre o mar..., apetece-me um cigarro de música ou um cachimbo de poesia, apetece-me ouvir-te, como deixei de o fazer sem perceber porquê
“Partir em caso de emergência”
Porquê, e parti-te como se partem os vidros dos jazigos que habitam nas cidades de espuma, e preciso tanto de ouvir-te, que perdi o sentido da tua voz, mesmo sabendo que já não pertences ao real, mas os teus livros, mas a tua voz, oiço-a sempre que posso, e nunca me canso de ouvir-te
Querido AL Berto, como ainda recordo as mangueiras de Luanda e a Baía e o Mussulo, adormeço, e oiço-vos, e vejo-vos, todos, a brincar nos sonhos de um menino que deixou de acreditar no amor
E nunca, nunca se cansou de ouvir-te.

(ficção não revisto)
Francisco Luís Fontinha