Sentavas-te sobre o vento, e iluminavas-me com
aquele olhar frio, distante, híbrido, e humidamente longo... como
todas as noites de Inverno, e como todas as lâmpadas semeadas pelo
amor nos campos agrestes que as minhas mãos transportam, ouvia-te
sabendo que te inventava, e sentia-o, e ouvia-o, percebendo que as
manhã do meu sorriso tinham cessado de crescer, e mentia-te, e
mentia-te quando dizia-te
Amo-te,
Sabendo-o que não, que nunca
Vi o mar e os barcos da Primavera,
E mesmo assim,
Dizia-te,
Amo-te, como amava as palavras do caderno negro, e
mesmo assim, fabricava a morte em trista e seis prestações,
suavemente..., até que um velho esqueleto de vidro,
Pumba... uma pedra de desejo estilhaçara-o, todo
ele, como ele com os vidros do recreio na escola, pum..., e dizias-me
Amo-te,
Mentira, sabendo-a deitada dentro de uma laranja com
circulares rodelas, simplesmente sós, simplesmente elas, todas, nas
sílabas de Deus, quando acordava ela benzia-se e repetidamente
Obrigado meu Deus por mais um dia...
Um? E se o dia não terminar nunca? Contentavas-te
apenas com um simples dia? Pobre, miserável, tépidamente como a
água da chuva no interior de um velho conta-gotas, e inventavas o
sono só para nós, e inventavas
A palavra amo-te, suavemente em trinta e seis
prestações,
Anoitecia, escondiam-se-me as coisas moribundas que
a montanha com coração de granito suspirava sobre as nádegas das
canções que cantavas
Apenas para me embalar,
E inventavas-me dentro do sono, adormeceste, eu no
teu colo, e pum... caí dos teus braços, e separei-me do teu honesto
cansaço, choraste, tiveste medo por mim..., e rezaste, para quê?
Talvez já tivesse partido, voado, dormido como dormem os longos
sorrisos de orvalho, quando abrias a janela, e gritavas
Roubaram-nos o mar, roubaram...
E claro que nunca tivemos mar perto de nós, e claro
que nunca vimos o mar, e claro..., pum... e tropeçamos nos
paralelepípedos da saudade, dos relógios sem ponteiros, e das
roldanas que faziam descer e levantar
O dia,
A noite,
E todas
Poucas
Coisas que tivemos, e perdemos, suavemente o amor em
trinta e seis suaves
Palavras
Prestações com acesso ao sótão dos sonhos,
inventavas-me o sono, e eu
E ele dizia-se-me em total liberdade, e fugia das
palavras e dos sentidos obrigatórios das ruas da cidade empalidecida
com as nuvens que eu lhe inventava, corria, não dormia
Sofrias de insónia?
Sabendo nunca que não dormia porque os holofotes
com dentadura postiça magoavam-no, e ele dizia-se filho de um Deus
esquisito, e com aspecto pérfido como as loucas salivas das bocas
bocejando entre o pequeno-almoço e o jantar, dispensava o lanche, e
o exame a matemática
E desde pequeno aprendeu a chorar, lágrimas
verdadeiras, não as fingidas, nãos as invisíveis que se vêem como
um fio de luz, depois de encerrada a janela, e
Palavras, poucas, como os teus lábios misturados no
encarnado som da lua que a noite deixa ficar sobre os lençóis da
paixão, inventavas-me, e inventaste o sono, e depois, o que ganhaste
com
Isso, sim... o que ganhaste com essa invenção de
sucesso?
A minha miséria? A vida de tédio que carrego num
esqueleto frágil “cuidado”...
Entre a insónia e o desejo de existir, estar, voar,
serás pássaro? Ou simplesmente nuvens livres sobre o mar...,
apetece-me um cigarro de música ou um cachimbo de poesia, apetece-me
ouvir-te, como deixei de o fazer sem perceber porquê
“Partir em caso de emergência”
Porquê, e parti-te como se partem os vidros dos
jazigos que habitam nas cidades de espuma, e preciso tanto de
ouvir-te, que perdi o sentido da tua voz, mesmo sabendo que já não
pertences ao real, mas os teus livros, mas a tua voz, oiço-a sempre
que posso, e nunca me canso de ouvir-te
Querido AL Berto, como ainda recordo as mangueiras
de Luanda e a Baía e o Mussulo, adormeço, e oiço-vos, e vejo-vos,
todos, a brincar nos sonhos de um menino que deixou de acreditar no
amor
E nunca, nunca se cansou de ouvir-te.
(ficção não revisto)
Francisco Luís Fontinha
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