sexta-feira, 15 de março de 2013

Trinta e seis suaves palavras

Sentavas-te sobre o vento, e iluminavas-me com aquele olhar frio, distante, híbrido, e humidamente longo... como todas as noites de Inverno, e como todas as lâmpadas semeadas pelo amor nos campos agrestes que as minhas mãos transportam, ouvia-te sabendo que te inventava, e sentia-o, e ouvia-o, percebendo que as manhã do meu sorriso tinham cessado de crescer, e mentia-te, e mentia-te quando dizia-te
Amo-te,
Sabendo-o que não, que nunca
Vi o mar e os barcos da Primavera,
E mesmo assim,
Dizia-te,
Amo-te, como amava as palavras do caderno negro, e mesmo assim, fabricava a morte em trista e seis prestações, suavemente..., até que um velho esqueleto de vidro,
Pumba... uma pedra de desejo estilhaçara-o, todo ele, como ele com os vidros do recreio na escola, pum..., e dizias-me
Amo-te,
Mentira, sabendo-a deitada dentro de uma laranja com circulares rodelas, simplesmente sós, simplesmente elas, todas, nas sílabas de Deus, quando acordava ela benzia-se e repetidamente
Obrigado meu Deus por mais um dia...
Um? E se o dia não terminar nunca? Contentavas-te apenas com um simples dia? Pobre, miserável, tépidamente como a água da chuva no interior de um velho conta-gotas, e inventavas o sono só para nós, e inventavas
A palavra amo-te, suavemente em trinta e seis prestações,
Anoitecia, escondiam-se-me as coisas moribundas que a montanha com coração de granito suspirava sobre as nádegas das canções que cantavas
Apenas para me embalar,
E inventavas-me dentro do sono, adormeceste, eu no teu colo, e pum... caí dos teus braços, e separei-me do teu honesto cansaço, choraste, tiveste medo por mim..., e rezaste, para quê? Talvez já tivesse partido, voado, dormido como dormem os longos sorrisos de orvalho, quando abrias a janela, e gritavas
Roubaram-nos o mar, roubaram...
E claro que nunca tivemos mar perto de nós, e claro que nunca vimos o mar, e claro..., pum... e tropeçamos nos paralelepípedos da saudade, dos relógios sem ponteiros, e das roldanas que faziam descer e levantar
O dia,
A noite,
E todas
Poucas
Coisas que tivemos, e perdemos, suavemente o amor em trinta e seis suaves
Palavras
Prestações com acesso ao sótão dos sonhos, inventavas-me o sono, e eu
E ele dizia-se-me em total liberdade, e fugia das palavras e dos sentidos obrigatórios das ruas da cidade empalidecida com as nuvens que eu lhe inventava, corria, não dormia
Sofrias de insónia?
Sabendo nunca que não dormia porque os holofotes com dentadura postiça magoavam-no, e ele dizia-se filho de um Deus esquisito, e com aspecto pérfido como as loucas salivas das bocas bocejando entre o pequeno-almoço e o jantar, dispensava o lanche, e o exame a matemática
E desde pequeno aprendeu a chorar, lágrimas verdadeiras, não as fingidas, nãos as invisíveis que se vêem como um fio de luz, depois de encerrada a janela, e
Palavras, poucas, como os teus lábios misturados no encarnado som da lua que a noite deixa ficar sobre os lençóis da paixão, inventavas-me, e inventaste o sono, e depois, o que ganhaste com
Isso, sim... o que ganhaste com essa invenção de sucesso?
A minha miséria? A vida de tédio que carrego num esqueleto frágil “cuidado”...
Entre a insónia e o desejo de existir, estar, voar, serás pássaro? Ou simplesmente nuvens livres sobre o mar..., apetece-me um cigarro de música ou um cachimbo de poesia, apetece-me ouvir-te, como deixei de o fazer sem perceber porquê
“Partir em caso de emergência”
Porquê, e parti-te como se partem os vidros dos jazigos que habitam nas cidades de espuma, e preciso tanto de ouvir-te, que perdi o sentido da tua voz, mesmo sabendo que já não pertences ao real, mas os teus livros, mas a tua voz, oiço-a sempre que posso, e nunca me canso de ouvir-te
Querido AL Berto, como ainda recordo as mangueiras de Luanda e a Baía e o Mussulo, adormeço, e oiço-vos, e vejo-vos, todos, a brincar nos sonhos de um menino que deixou de acreditar no amor
E nunca, nunca se cansou de ouvir-te.

(ficção não revisto)
Francisco Luís Fontinha

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