quinta-feira, 14 de março de 2013

Fascinava-me... e nós

Chega, como todas elas disfarçadas de leão, ou andorinha, ou gaivota, conversávamos debaixo das cerejeiras mergulhadas nos olhos tristes, negros, que às vezes também sofrem, dormem, voam sobre o xisto em lençóis de vento, fatias de madrugada, migalhas concentradas na água mineral da pobreza, sabia-o, quando aparecias dentro da minha mão, saborosa, a sua boca convexa, cinzenta, com mordeduras de marfim nos finais de tarde junto ao Tejo, conversávamos
Sabias que hoje o Gonçalves se vai casar?
Não, não sabia, e tenho a certeza que é a primeira vez que oiço tal coisa, casar o Gonçalves? Hum... só vendo com estes dois olhinhos de cereja com chocolate, ora essa... o Gonçalves,
Ora essa, chega, como todas elas disfarçadas de leão, cobras e lagartos, em cima da mesa velha em madeira recheada com o bicho e a teia de aranha da vizinha Manuel, e tal coisa, diga-se, juro que não vi nada, juro que nunca me deitei na cama dele, nem em sonhos
Nem em sonhos, suas desgraçada?
Juro, juro madrinha, juro
Apaixonei-me por bailarinos e bailarinas, em miúdo, o meu ídolo chama-se, e vá lá saber-se porquê, chama-se
Rudolf Nureyev,
E o silêncio entranhava-se-me como as primeiras palavras que ouvi, e o mar batia-nos à porta, abríamos-a, e ele entrava, o corpo dele parecia construído em fibra de carbono aerodinâmicamente adormecida nas clausuras dos grandes desenhos que ficaram expostos no barco em esferovite com um motor de um carro a pilhas, uma hélice de sílabas saboreava o estômago feliz do tanque onde as meninas iam lavar a roupa, e nós, rapazolas traquinas, sujávamos a roupa a corar silenciosamente poisada sobre as ervas filhas de Deus, e nós
Rudolf Nureyev, fascinava-me...
E nós
(juro, juro madrinha, nunca fui com ele para a cama), e nós deitávamos a cabeça no sono do vento, abraçávamos-nos como se abraçavam as plantas do jardim da tia Clementina, que Deus a tenha em bom descanso, e eu, armado em camelo, acreditei
Que hoje casava o Gonçalves, e afinal, não casou, e afinal, tudo um conto transformado em pesadelo, a noite desceu e levou-o até ao Terminal de Cruzeiros da Rocha Conde de Óbidos, e o meu rosto mais parecia um óbito do que uma criança acabada de regressar do infinito, com uma pesadíssima mala indesejada, feia, mórbida, torrencialmente vestida de prateado, e lá dentro
Coisas, coisas de uma criança,
E lá dentro,
Nem em sonhos, suas desgraçada?
Juro, juro madrinha, juro
Apaixonei-me por bailarinos e bailarinas, em miúdo, o meu ídolo chama-se, e vá lá saber-se porquê, chama-se
Rudolf Nureyev,
E lá dentro, alguma camisetas, calções, um par de sapatos, um par de sandálias, três ou quatro bonecos, um avião e um barco, e lá dentro, coisas, muitas, poucas, desgraçada
Juro,
E apenas encostei a minha cabeça no seu ombro, madrinha, só isso, e nada mais,
E achas pouco?
Havia mandíbulas de areia com espinafres, sobre o soalho de pano brincava um longo triângulo com três olhos de cereja com chocolate, estão a ver?
Aqueles olhinhos como os da Alice, sim, a Alice Silvestre, ora não sabem quem é..., a Alice, porra, a que vive no final da rua junto ao fontanário, quem desce do lado esquerdo as escadas para o talude dos orgasmos, uma flor de terra salgada emerge do longínquo cilindro de granito, estão a ver?
A que tem três galinhas e um galo? Sim, essa, essa mesmo, nem mais, que coisa, para perceberem uma simples asa de borboleta fazem cá um espectáculo que até parecem o
Rudolf Nureyev,
Entre sonhos e birras de infância,
E eu ouvia-os
Francisco come a sopa,
E ele
Ouvia-os como ouvem os mercadores que se passeiam pelas avenidas desesperadas da cidade com cadeados de seda e sombras de linho, e ela, a querida Alice, não chorava, e a outra, a afilhada, chorava desejando que desejava
Repetir,
Apenas,
Deitar a cabecinha no ombro dele...
Sem que a dita madrinha soubesse, como nunca o sabem, as pessoas que trabalham como espantalhos nos campos de milho de Carvalhais, e era eu, eu que desenhava círculos no rabo de uma agulha e depois
chorava,
E queria ser como o
E depois,
Como o chorava dos vidros e dos pregos de aço, quando derretiam os cubos de manteiga pasteurizada que a avó Silvina trazia da loja, uma tasca que de vinho, também vendia, pão, manteiga, arroz e feijão...
E saudades de ontem.

(ficção não revisto)
Francisco Luís Fontinha

Menina de porcelana


Porque não te encontro
se a montanha está aqui
se o rio de braços abertos
corre incessantemente para o mar
apenas para te abraçar
corre
corre nas gotas da miudinha chuva
despida
nua
dos lábios da lua...
ah... se eu te encontrasse
dentro de uma caverna enfeitada de madrugada,

(se o rio de braços abertos
corre incessante para o mar
apenas para te abraçar),

Porque não de encontro
se a montanha está aqui
deitada nas árvores de prazer
e te amar
na noite construída de azuis laços de esfera
(não te encontrando)
perdidamente nos beijos de beijar
devagarinho até ao mar,

Porque não te encontro
luz do candeeiro de ternura
que amena dos livros apaixonados,

Porque não te encontro
menina porcelana
com feitio de cigana
no espelho da madrugada
porque não
encontro
te fingindo adormecer
sobre a cama da saudade...

Porque não te encontro
se a montanha está aqui
entre crepúsculos e marés de vidro
nas pedras onde nos sentamos
e beijamos
ao som do Pôr-do-sol...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 13 de março de 2013

O pianista de sonhos

Procuro as mimosas encantadas dos teus olhos de ontem, havia luz ensonada que voava sobre os teus dezoito anos de ontem, passeavas vestida de vermelho, e tínhamos acabado de construir um rio, duas pontes e uma casa de poiso, tínhamos uma montanha só nossa, havia árvores no quintal da casa que construímos, e havia pássaros que dormiam nas árvores que viviam no quintal da casa de poiso, que construímos
No nosso quintal,
Uma pista de gelo flutuava na cave do edifício em ruínas, três vezes ao dia, ao pequeno-almoço, almoço e jantar, as drageias da loucura, ele sentava-se numa cadeira de lona, cruzava as pernas, puxava de um cigarro, e não o acendia, observava-o na escuridão das noites, e cruzava os braços, e
Num toque subtil e silencioso,
Ligava o interruptor dos sonhos, no ecrã havia quatro sonhos disponíveis; “das noites sem dormir”, “as madames envernizadas com pincéis de areia”, “de nome sonho” e “as janelas com vidros de cartão”, hesitou
Escolhi “as madames envernizadas com pincéis de areia”, e imaginava homens vestidos de preto, perdidos na noite preta, escuridão entre as palmas afamadas dos barcos pretos, sentados nas esplanadas
Pretas, negras, e mordedelas de caninos chateados com o tédio das pequenas surpresas que o dia inventava, marés de vidro, telhados de xisto, ardósias engasgadas no cu da serra, a montanha em vómitos desassossegados, diarreia e dores de barriga, até mergulharem-se-lhes nos ombros platinados o rio Doirado com sabor a saudade,
Hesitou
No nosso quintal? Tens a certeza? Claro que sim, pensas que sou louca, pensas que vivo dentro de um cubo com faces
Negras?
Não parvalhão,
Com faces cinzentas e invertidas, e confesso-te que quando me perguntam onde está a cabeça, simplesmente que
Não sei, e questiono-me
Qual cabeça? Loucos pensava eu, pode lá ser as faces de um cubo terem cabeça, braços, pernas, lábios, pénis, vagina, e boca?
Negras
Não parvalhona,
Hesitei,
Que, e deixei de acreditar nos cubos com faces onde vivem as mimosas encantadas dos teus olhos de ontem, havia luz ensonada que voava sobre os teus dezoito anos de ontem, passeavas vestida de vermelho, e tínhamos acabado de construir um rio, duas pontes e uma casa de poiso, tínhamos uma montanha só nossa, havia árvores no quintal da casa que construímos, e havia pássaros que dormiam nas árvores que viviam no quintal da casa de poiso, que construímos
No nosso quintal, um cubo, feio, hirto, e sabíamos que o preto vestia-se de noite e corria nas escadas sem corrimão, o preto, negro, a cor mais bela do teu vocabulário, sabes?
Dizia-me ela,
A noite, a escuridão, o céu desprovido de estrelas e luar, as palavras escritas com esferográfica
Com tinta permanente preta,
E oiço-lhes dos olhos também eles negros, vogais à procura de sorrisos, e oiço-lhes dos olhos também eles negros, sílabas com línguas de gato, e sentava-me no lancil do passeio a olhar os barcos que acabavam de morrer quando encostavam à cidade fantasma,
Com tinta?
Preta,
Qual cabeça? Loucos pensava eu, pode lá ser as faces de um cubo terem cabeça, braços, pernas, lábios, pénis, vagina, e boca? Ouvíamos
O quê?
Portas, janelas, janelas com vidros de cartão, mas o que eu adorava eram as... “as madames envernizadas com pincéis de areia”, os guindastes no Porto carregando, descarregando, e às vezes em pausa, fumavam cigarros de enrolar, depois, carregar, descarregar, até que a noite, negra, preta, escura
Se construía como eu e tu construímos
A casa de poiso, o rio, as pontes, as árvores que viviam no quintal da casa de poiso, os pássaros
Que têm os pássaros?
Os pássaros que viviam nas árvores que dormiam no quintal da casa de poiso, e tínhamos duas montanhas, uma minha, outra, tua, e entre nós, nada, apenas um pano de chita pintado de noite, e assim nos separávamos quando a paixão invadia os dias tristes de Agosto...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

E fumava pensava eu


Pensava que a erva era uma sopa concentrada
alimento respeitado para a alma
pensava eu
que a dita madrugada
não chegava
e mesmo assim
chegou
regressou do longínquo jardim
só e abandonada
como as estrelas do céu
de sal em pitada
na mão madrasta que o vento levou,

Pensava que a erva se fumava
e eu fumei-a como sílabas descarnadas
pensava que da sopa apareciam bailarinas desesperadas
como as mortalhas do mordomo
e os tripés de arame com pernas de navalhas
mas a erva não bateu e o mordomo chorava
deitado nas loiças palhas
pensava eu antes do sono,

Pensava eu pensava
quando olhava para o espelho traidor
sem perceber que o doutor
comia a erva e fumava ovelhas
cagava abelhas
e bebia mel
com pedacinhos de papel
e fumava luzinhas fumava.

(não revisto)
Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 12 de março de 2013

Os horrores da dona Vírgula

Galgavas os travessões inclinados do texto, mudavas de linha, colocavas uma vírgula aqui, outra ali, e mais outra acolá, e ainda outra
Para aquela senhora de encarnado,
Três por um, tudo a cinco euros ouvíamos do megafone da cigana com seios de prata transparentes quando quase no final do texto aparece um ponto de interrogação, o autor, atormentado e sem saber onde o colocar
Grita,
E a cigana, por apenas dez euros, juro pelos meus dois olhinhos que a terra há-de comer que as peúgas são de pura lã virgem, calçam-se a primeira vez, depois decrescem até chegarem a zero, isto quando o limite do seno de X sobre X é um quando o X tende para zero, a cigana embaraçada, não deseja saber, ela recusa-se a perceber os limites dos terrenos baldios, onde cabras soltas caminham sobre os pontos de exclamação que o parvalhão do autor deste texto coloca,
Grita!
E as cabras saltitam, saltitam como cordéis de Inverno no pescoço da querida Maria Torrão de Azeméis, mulher de peito longo, cabelos à tangente de três quartos de pi radianos, e ao pescoço, sem qualquer pontuação, uma frase invertida, sem nexo, suspensa numa árvore, haviam três agulhas e um dedal, haviam nuvens esféricas que assustavam a pobrezinha da cigana às voltas com a trigonometria, e haviam
Cabras? Não, ovelhas com pintinhas amarelas, vespas com asas de milho e
Ponto de interrogação? Não,
Final, ponto, intermitente como as luzes dos barcos de papel que ela deixou nas almofadas dos sofás de granito, encardidos com a tempestade de areia, depois do solstício de Inverno se suicidar contra uma locomotiva desgovernada em passos apressados entre dois carris paralelo à espera do infinito para se encontrarem,
A cigana, coitadinha, pobrezinha
Ai minhas caabrinhaaas,
E a saudosa dona Maria Torrão de Azeméis gritava
Quero lá saber das ovelhas,
Precisa-se de uma palavra começada por T e terminada em I, a cigana desconfiava do vigarista Miguel Hoje Sem Casa, apenas sabia contar até cinco e que às vezes a vida dele parecia um hipercubo, como a minha, respondia-lhe eu,
(Trabalhadori)
O cabrão acertou, cabrão dum raio, pelintra, como eu, entalado nos carris, de um lado a puta das cabras, e do outros, os cabrões das ovelhas, não,
De um lado os cabrões das cabras e do outro a puta das ovelhas, também não,
E se o limite quando o X tende para mais infinito de seno de X sobre X? Coitada da cigana, e coitado de mim, miserável de profissão, analfabeto complexo, iletrado, e ainda por cima
Mordomo da senhora dona Maria Torrão de Azeméis, senhora distintíssima com porcelanas nas orelhas e proprietária do Grandioso Cabaré da Escova de Dentes, onde artistas conceituadas e conceituados voam entre pilares de sémen e papagaios de papel..., nunca tive medo de tropeçar nos parêntesis rectos, curvos, e linearmente gosto dos hipercubos, porque são complexos, porque me recordam madrugadas sem dormir a imaginar como construí-lo sem recorrer a sofisticados sistemas computacionais, e via-o, e sentia-o, dentro da minha empobrecida cabeça com migalhas de pão de milho que a tia Clementina fazia nas férias em Carvalhais, uma delícia perdida, como tantas outras, como algumas palavras que ficaram na latrina do quinteiro, ao longe um rato com tracção às quatro patas subia regaladamente a montanha do sono, e quando chegava à esplanada das nuvens curvilíneas,
Sentava-se,
Ouviam-se-lhe
O quê?
As faces do hipercubo agachadas no milho húmido das manhãs despidas de pontuação, de palavras, de literatura e poesia, e depois de todos morrerem,
O quê?
Ela ainda teve coragem de pegar no megafone e sibilar
Cabrões que me roubaram os sonhos,
E juro, juro
Vi-os, vi-os nas castanhas bancas de madeira.
(FICÇÃO NÃO REVISTO)
P.S.
Se há quem não gosta do que escrevo, paciência. Se há quem se incomoda com algumas fotografias que eu publico no meu mural (que confesso, não é com a intenção de ofender ninguém e considero-as arte, paciência. E já agora, não obrigo, nunca obriguei, seja quem for, a ser meu amigo; no Facebook ou na vida real. E como diz o nosso querido povo... Quem não está bem que se mude. A porta de entrada é a serventia da casa. (UMA COISA POSSO GARANTIR; OS DESTAQUES DO MEU BLOGUE CACHIMBO DE ÁGUA, QUASE DIARIAMENTE NO SAPO ANGOLA, NÃO SÃO, E NUNCA FORAM, POR CUNHA OU POR PEDIDOS, MAS SIM, E SEMPRE, POR MÉRITO PRÓPRIO). Os amigos que restarem são certamente os verdadeiros.
(NÃO FICÇÃO)
Galgavas os travessões inclinados do texto, mudavas de linha, colocavas uma vírgula aqui, outra ali, e mais outra acolá, e ainda outra
Para aquela senhora de encarnado, com sandálias às bolinhas e meias de chocolate, e mais um para o senhor do cachimbo com saudades a cigarros, outra
Tudo, perdi a cabeça, grita a cigana, tudo a um euro,
Uma para nós, gritam as cabrinhas amestradas...
E nós e nós e nós
Também o desejam, as ovelhas loucas com cristais de azoto na ponta da língua,
E mesmo assim, ainda sobraram algumas letras, alguns pontos, e umas tantas vírgulas, porra...
A vida está mesmo difícil; muito difícil.

(FICÇÃO NÃO REVISTO)
Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 11 de março de 2013

A garganta de vozes divinas

Lembras-te das oito casas que em círculo habitavam a montanha da luz vermelha? Sonhava conquistar-te as palavras que escrevias nos desejos dos telhados de colmo das oito casas, sonhava abraçar as casas, oito concretamente, mas tu nunca o deixaste, e no entanto, oito casas vezes quatro paredes cada, num total trinta e duas paredes, e
Para nada, absolutamente nada,
Nunca foram pintadas, nunca foram escritas, parecem cadernos abandonados na mochila de uma criança, ou, escondidas na pasta de couro, pesadíssima, com uma ardósia de vaidade e um ponteiro de insónia, as tuas, porque te sobejam as noites e faltam-te os dias, ou
Porque crescem-te as sílabas nos teus lábios em pétalas adormecidas, e como as rosas, gotinhas de águas descem da tua doce boca com persianas de vidro, e um dia acorda como se de um cortinado de xisto aparecessem as tão desejadas garras celestiais, e pobres cenários de seda bordados com linha fina e transparente sobre as mangas do destino cansado que uma personagem de arame vive quando a grande noite do reino, lá fora, uma lareira com grandes folhas de papel, arde, e lágrimas de fumo caem sobre as poucas ou nenhumas mãos humanas,
Tínhamos fugido todos, e todas partiram antes da anunciada chegada do grande mestre dos visíveis penhascos com carris e cancelas de madeira, um comboio de ferro galgava as paredes do sonho, e uma escada de pedra conduzia-nos até ao silêncio dos desenhos, que ele
Eu deixei ficar debaixo da cama sonolenta e triste do quarto da saudade, vivíamos cansados dos espelhos com sorriso de marfim, vivíamos cansados das caves de cartão com janelas de porcelana, e mesmo assim
Tínhamos fugido, e todas partiram antes da anunciada chegada do grande mestre dos visíveis penhascos com carris e cancelas de madeira, e nunca tínhamos experimentado o amor, a paixão dos corpos com migalhas de vento, e mesmo assim
Sentia-te sobre os oito telhados de colmo, e ouvia os pássaros dos teus seios de ramo em ramo, à procura das abelhas com asas de silício, e dizias-me que tudo tinha um final, umas vezes alegre, outras
Triste,
Mas tudo tem um final triste, não achas? Apenas por tratar-se do fim...
Claro que não, dizes tu, e tudo é reciclado, mas será o amor reciclado? E as palavras? Serão as palavras, também elas tal como os desenhos, coisas que podemos reciclar? E os cabelos? E a vida? O abismo? A morte? E Deus?
Triste,
Drageias de medo mergulhadas em cianeto, prata, verdes canções com olhos azuis, altos e magros, e finos, e novos, o comboio rasga a montanha em direcção ao abismo, e sentia-te
Sobre os telhados de colmo, voavas em pequenos quadrados, como os pássaros quadrangulares que a geometria atira contra as nuvens desertas, magras, fúteis, pássaros muito parvos, muito mais para o triangular do que quadrangular, e mesmo assim, a vida constante clama da paixão uma garganta de vozes divinas, drageias
Tristes,
Outras,
Às vezes, também, deixava ficar debaixo da cama sonolenta e triste do quarto da saudade, vivíamos cansados dos espelhos com sorriso de marfim, outras, nunca foram pintadas, nunca foram escritas, parecem cadernos abandonados na mochila de uma criança, ou, escondidas na pasta de couro, pesadíssima, com uma ardósia de vaidade e um ponteiro de insónia, as tuas, porque te sobejam as noites e faltam-te os dias, ou, tristes, e outras, dizias tu, alegres
Mas, não será tudo um fim? Independentemente de ser ou não ser alegre...
Como as plantas quando morrem, dizes-me que foram as plantas mais lindas que tiveste, e depois?
Estão mortas,
Tenho medo do mar, e das ondas de cristal, sinto-os como se eles vivessem dentro de mim, como se eles fizessem parte do meu pobre esqueleto, e sabes perfeitamente que não, e nunca o farão, e nunca o permitirei que ele e ela entrem em mim, mas sinto-os cá dentro, este triste paradoxo da vida construída com pedaços de papel, uns em branco, outros já escritos, e outros tão pequeninos
Que nem as labaredas da fogueira que arde junto às oito casas em círculo conseguem atravessar o limite definido pela destruição, as lágrimas, e o cansaço de amar sem ser amado, como os fantasmas com sorrisos de marfim, que os espelhos reflectem nas searas abandonadas,
Chovem tristes palavras sobre mim, chovem alegres degraus de inocência que o tempo alimentou quando das tempestades de tristeza, e todas as cancelas de madeira, um comboio de ferro galgava as paredes do sonho, e uma escada de pedra conduzia-nos até ao silêncio dos desenhos, que ela inventava sobre o clitóris da paixão,
Gemias os sons poéticos que o poema transpira, e o poema acaba de ser despedido pelo filho da mãe do poeta, morre, e a fome das palavras, simplesmente o comeu, como se comem todos os homens vestidos de poema, quando desce a noite à sinfonia do amor entre os parêntesis do texto, também ele, acabado de morrer e despedido...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

domingo, 10 de março de 2013

Assustada liberdade da minha paixão


Esta liberdade assusta-me
a de caminhar indefinidamente
das rectas perpendiculares
no centro de um círculo de vidro,

Procuro o quadrado
com um coração rectangular
procuro-me dentro de um cubo de gelo
com gotinhas de água e beijos de mar,

Esta liberdade
assusta-me como me assustam as palavras por dizer
do linear ao caos que as nuvens provocam no meu corpo de arame
e oiço-as nos gritos silenciosos das argamassas do feitiço,

Enlouqueces-me como enlouqueceste os diâmetros do pensamento
duas asas com grandes letras desenhadas
e da liberdade desalinhada
assustada assusta-me caminhar indefinidamente sobre os versos do amor,

Que morra a paixão
e o dizer
e todos os pedaços de cartão
com números e lábios pintados de vermelho com olhos a condizer,

Esta liberdade assusta-me
a de permanecer levemente só entre parêntesis e pontos finais
sem travessões
sem nada mais.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Um filete de rosa com sílabas vermelhas

Eras tua ainda, trazias nos cabelos os fios de noite que a lua deixou sobre as nuvens de insónia, eras tu ainda e nada fazia prever o desfecho da tua passagem pela madrugada de Inverno, desenhava-te nas paredes imprevistas e húmidas do palheiro de Carvalhais (S. Pedro do Sul), na eira, eras tu ainda, sentia-te correr até encontrares os pinheiros de algodão que o avô Domingos tinha na fogueira da velhice, e no entanto
Perdi-te, perdi-te como se perde o vento numa superfície lisa e na planície imensa sem obstáculos que impeçam a livre circulação da paixão, escrevia-te silenciosamente as cartas que nunca enviei, por medo, por falta de tempo, ou,
Porque o vento nunca me deixava, ou porque o vento me enrolava no campo indefinido de milho com espantalhos em pano e palha, ora aqui, ora acolá, perdidamente, só, pensando nas infinitas palavras por escrever, as ditas, e não ditas, quando chegava a chuva e tínhamos de nos recolher, debaixo do sono, sem luz eléctrica, e de uma lanterna inventávamos filmes de desenhos animados, e ainda era tu, sabia-o porque apalpava-te a mãos de seda e um brilho de diamante acendia a noite escura entre os espantalhos, também eles, perdidamente,
Sós?
Coisas de mulheres, éramos crianças saltitantes sobre os arames enferrujados que atravessavam as margens inconclusivas das manhãs sem literatura, bebíamos, lutávamos sobre uma cama inventada com sabor a sémen e Luas recheadas com os sobejados flamingos do rio que atravessava a cidade, dentro da cidade tínhamos pessoas, mulheres, homens e, pássaros que nunca tinham experimentado voar,
Por medo, por falta de jeito, ou porque o vento nunca me deixava, ou porque o vento me enrolava no campo indefinido de milho com espantalhos em pano e palha, ora aqui, ora acolá, perdidamente, só, pensando nas infinitas palavras por escrever, as ditas, e não ditas, quando chegava a chuva e tínhamos de nos recolher, debaixo do sono, e
Sós? E eras tua ainda, levantávamos-nos cedo, imaginávamos lençóis de linho estendidos nas cordas bambas que a tempestade tinha trazido do outro lado da ilha, vivíamos separados por um túnel de mel, lá fora as gotas de água, as poucas, quando caiam sobre a tua pele de papel fotográfico, uma luz de iodo se acendia, e um pequeno trapezista com mãos de aranha voava como os pássaros que
Por medo, por vergonha,
Nunca tinham experimentado as loucuras do prazer entre telhados e espantalhos, crescia a manhã, vinhas de longe até longe, como algumas palavras que nunca se cansam de prenunciar, escritas, faladas ou murmuradas contra os vidros da janela com orelhas de madeira, lembras-te? Sós, e ainda eras tu, e ainda tinhas nos lábios um filete de rosa
(Coisas de mulheres, éramos crianças saltitantes sobre os arames enferrujados que atravessavam as margens inconclusivas das manhãs sem literatura, bebíamos, lutávamos sobre uma cama inventada com sabor a sémen e Luas recheadas com os sobejados flamingos do rio que atravessava a cidade, dentro da cidade tínhamos pessoas, mulheres, homens e, pássaros que nunca tinham experimentado voar,)
Um filete de rosa com sílabas vermelhas, da água gelada cresciam as estrelas minguas dos teus olhos com sabor a geada, eras, ainda tu, quando desceram do céu os grandes dentes de marfim que se acorrentaram aos cadáveres dos barcos encalhados na tua saia, ouvia-te chorar quando eu entrava em casa fora de horas, dois ou três dias depois de partir, e apenas te respondia
Andei por aí,
Vagueava como vagueiam as nuvens de prata com sandálias de couro, os calções acordavam numa praia de areia branca, linda, e ao longe imaginava tendas de circo com palhaços, com artistas malabaristas, como hoje, por aqui e colá, entre espantalhos e fios de seda, entre sémen de maré e o pôr-do-sol que ainda nos resta e ainda vive em liberdade,
Sentias-me?
E fugias de mim como ainda hoje fogem as palavras dos caderno preto,
Sós?
Tristes
Ou
Por aí cozinhando caldos em colheres de inox,
Tristes,
(DUAS SIMPLES HORAS, E DAQUI A DUAS HORAS JÁ VOLTO A ESTAR AUTORIZADO A FAZER AMIGOS POR AQUI, COMO SE A AMIZADE DEPENDESSE DE REGRAS, NÃO SERÁ ISTO UMA FORMA DE DITADURA?) - FACEBOOK
Ou,
Sós? Tristes porque hoje já não és tu, porque ontem
Tínhamos as poucas coisas a que chamávamos de vida, e dois espantalhos (de pano e palha) vivíamos no campo de milho do tio Serafim, e ao longe, ouvíamos os sinos de Carvalhais, e numa noite
O vento
Ou
O mar?
Separou-nos como se separam as ervas miseras da cidade, entre ruas e ruelas, entre espantalhos e os pinheiros de algodão que o avô Domingos tinha na fogueira da velhice, e no entanto
Hoje já não tenho medo.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha