pag. 465 (poema de Francisco Luís
Fontinha – Cachimbos de Prata)
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Um pedacinho de névoa
entranha-se na tua doce boca vestida de
alecrim
e das algibeiras insónias madrugadas
acordam as imagens fictícias do
orvalho incendiado pelo incenso doirado
olho-te vagarosamente no espelho mental
das árvores danificadas
pelos ventos e tormentos que em ti
navegam
perdidamente como uma gota de água
esquecida num banco de pedra debaixo de
um plátano tresmalhado
e doente apaixonado
pelos orifícios indistintos do velho
jardim
um pedacinho de névoa
entre os teus lábios narcisos e a tua
língua rosa com pétalas de amor,
Oiço a tua mão voraz desenhando
letras nocturnas
em nuvens de seda
oiço os teus gemidos transversais
contra as paredes do velhíssimo relógio
suspenso no peito cansado e triste do
homem das sete patas de madeira oca
oiço a voz rouca de um cachimbo de
prata
saltitando
dançando
nas eiras graníticas das canções que
a infância comeu
em pequenos torrões de açúcar
misturados com sílabas de céu
estrelado
e sandes de marmelada
ao pequeno-almoço,
Pedia-te sossego e tu desaparecias de
mim
dançando
saltitando
como um cachimbo de pedra adormecida
pelas vagas contra os rochedos
dormíamos dentro dos ouvidos da praia
e antes de encerrarmos definitivamente
os cortinados da Aurora Boreal
entrava em nós o Rossio vestido de
gente
com mãos de noite
ouvíamos o rio nas catacumbas do amor
a pintar estrelas de luz
e luas de papel
e eu sabia que tu nunca mais irias
regressar das salivas amargas do primeiro amor...
@Francisco Luís Fontinha