Lembras-te das oito casas que em círculo habitavam
a montanha da luz vermelha? Sonhava conquistar-te as palavras que
escrevias nos desejos dos telhados de colmo das oito casas, sonhava
abraçar as casas, oito concretamente, mas tu nunca o deixaste, e no
entanto, oito casas vezes quatro paredes cada, num total trinta e
duas paredes, e
Para nada, absolutamente nada,
Nunca foram pintadas, nunca foram escritas, parecem
cadernos abandonados na mochila de uma criança, ou, escondidas na
pasta de couro, pesadíssima, com uma ardósia de vaidade e um
ponteiro de insónia, as tuas, porque te sobejam as noites e
faltam-te os dias, ou
Porque crescem-te as sílabas nos teus lábios em
pétalas adormecidas, e como as rosas, gotinhas de águas descem da
tua doce boca com persianas de vidro, e um dia acorda como se de um
cortinado de xisto aparecessem as tão desejadas garras celestiais, e
pobres cenários de seda bordados com linha fina e transparente sobre
as mangas do destino cansado que uma personagem de arame vive quando
a grande noite do reino, lá fora, uma lareira com grandes folhas de
papel, arde, e lágrimas de fumo caem sobre as poucas ou nenhumas
mãos humanas,
Tínhamos fugido todos, e todas partiram antes da
anunciada chegada do grande mestre dos visíveis penhascos com carris
e cancelas de madeira, um comboio de ferro galgava as paredes do
sonho, e uma escada de pedra conduzia-nos até ao silêncio dos
desenhos, que ele
Eu deixei ficar debaixo da cama sonolenta e triste
do quarto da saudade, vivíamos cansados dos espelhos com sorriso de
marfim, vivíamos cansados das caves de cartão com janelas de
porcelana, e mesmo assim
Tínhamos fugido, e todas partiram antes da
anunciada chegada do grande mestre dos visíveis penhascos com carris
e cancelas de madeira, e nunca tínhamos experimentado o amor, a
paixão dos corpos com migalhas de vento, e mesmo assim
Sentia-te sobre os oito telhados de colmo, e ouvia
os pássaros dos teus seios de ramo em ramo, à procura das abelhas
com asas de silício, e dizias-me que tudo tinha um final, umas vezes
alegre, outras
Triste,
Mas tudo tem um final triste, não achas? Apenas por
tratar-se do fim...
Claro que não, dizes tu, e tudo é reciclado, mas
será o amor reciclado? E as palavras? Serão as palavras, também
elas tal como os desenhos, coisas que podemos reciclar? E os cabelos?
E a vida? O abismo? A morte? E Deus?
Triste,
Drageias de medo mergulhadas em cianeto, prata,
verdes canções com olhos azuis, altos e magros, e finos, e novos, o
comboio rasga a montanha em direcção ao abismo, e sentia-te
Sobre os telhados de colmo, voavas em pequenos
quadrados, como os pássaros quadrangulares que a geometria atira
contra as nuvens desertas, magras, fúteis, pássaros muito parvos,
muito mais para o triangular do que quadrangular, e mesmo assim, a
vida constante clama da paixão uma garganta de vozes divinas,
drageias
Tristes,
Outras,
Às vezes, também, deixava ficar debaixo da cama
sonolenta e triste do quarto da saudade, vivíamos cansados dos
espelhos com sorriso de marfim, outras, nunca foram pintadas, nunca
foram escritas, parecem cadernos abandonados na mochila de uma
criança, ou, escondidas na pasta de couro, pesadíssima, com uma
ardósia de vaidade e um ponteiro de insónia, as tuas, porque te
sobejam as noites e faltam-te os dias, ou, tristes, e outras, dizias
tu, alegres
Mas, não será tudo um fim? Independentemente de
ser ou não ser alegre...
Como as plantas quando morrem, dizes-me que foram as
plantas mais lindas que tiveste, e depois?
Estão mortas,
Tenho medo do mar, e das ondas de cristal, sinto-os
como se eles vivessem dentro de mim, como se eles fizessem parte do
meu pobre esqueleto, e sabes perfeitamente que não, e nunca o farão,
e nunca o permitirei que ele e ela entrem em mim, mas sinto-os cá
dentro, este triste paradoxo da vida construída com pedaços de
papel, uns em branco, outros já escritos, e outros tão pequeninos
Que nem as labaredas da fogueira que arde junto às
oito casas em círculo conseguem atravessar o limite definido pela
destruição, as lágrimas, e o cansaço de amar sem ser amado, como
os fantasmas com sorrisos de marfim, que os espelhos reflectem nas
searas abandonadas,
Chovem tristes palavras sobre mim, chovem alegres
degraus de inocência que o tempo alimentou quando das tempestades de
tristeza, e todas as cancelas de madeira, um comboio de ferro galgava
as paredes do sonho, e uma escada de pedra conduzia-nos até ao
silêncio dos desenhos, que ela inventava sobre o clitóris da
paixão,
Gemias os sons poéticos que o poema transpira, e o
poema acaba de ser despedido pelo filho da mãe do poeta, morre, e a
fome das palavras, simplesmente o comeu, como se comem todos os
homens vestidos de poema, quando desce a noite à sinfonia do amor
entre os parêntesis do texto, também ele, acabado de morrer e
despedido...
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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