sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Algumas palavras em pálpebras de vidro

O que dizer quando todas as coisas, visíveis e invisíveis, morrem dentro de uma chaminé de vidro com pequenos grãos de gelo, o que dizer
Olha, sinto muito, morri,
E no entanto, ninguém, sentiria a tua falta, a não ser, a não ser os cortinados de renda que uma velha costurou na tua ausência, ainda tu, ainda tu brincavas com os calções, a camisola de alças e as sandálias de couro, e havia pequenas flores em cima da mesa do pequeno-almoço, é como os livros que ardem na fogueira
Dir-me-ás tu, louca paixão absorvida pelo magma e ouvem-se ao longe os pavios mergulhados na parafina em fios de luz descendo teu corpo abaixo, e novamente
Dir-me-ás
Novamente a ressonância magnética infiltra-se pela janela dos olhos verdes, e novamente, dir-me-ás que as coxas dos fantasmas têm seios de vento como algumas árvores têm voz de criança dentro de uma garganta de aço, e o teu corpo que há pouco era engolido por fios de luz, hoje, agora entra na fogueira juntamente com os livros por escrever, das labaredas libertam-se algumas palavras, poucas, como
Dir-me-ás amanhã
Estou louca por ti,
E eu
E tu
Sabemos que tudo é uma mentira que nós inventamos numa noite de nevoeiro, havia barcos pintados de espuma como o tesão das gaivotas contra os mastros de fibra de vidro, a loucura existe, eu sou louco, mas a tua loucura nada tem com o amor, com a saudade, com a lua, com as estrelas dos céus nocturnos vagueando docemente sobre o púbis uma cabeça de linho, as telas ardiam, e as imagens em sombras de rancor pélvico, encostavam-se ao muro de cimento-armado,
Ou os caixote de lixo esquecidos pela cidade,
Dir-me-ás que apaixonadamente pelos meus olhos verdes vives enclausurada entre paredes de gesso e finas placas de vidro, o que tu não sabes
(Dir-me-ás tu, louca paixão absorvida pelo magma e ouvem-se ao longe os pavios mergulhados na parafina em fios de luz descendo teu corpo abaixo, e novamente)
Desconheces que deixei de ter olhos e de verdes passaram a encarnados, será isto possível? Estarei grávido? Não sei,
Não sei
E ninguém saberá,
Quando se vão revoltar os caixote de lixo esquecidos pela cidade, desconheces que as minhas mãos, hoje, agora, são rosas de vento balançando como sexos murchos na areia da praia, e no entanto
Das labaredas libertam-se algumas palavras, poucas, como
Dir-me-ás amanhã
Estou louca por ti,
E eu
E tu
Não sei, e no entanto somos sílabas defeituosas suspensas na página 1525 do livro da paixão, mergulhas nos dias embainhados como águias feridas pelas balas de prata dos grandiosos destinos que a cama sobre o mar deixa sobre as conclaves dores dos corações de semanas sem descanso, e no entanto, ainda acreditas que tenho asas e que sei voar, que tenho duzentos e seis ossos e trinta e dois dentes, e sobre a cabeça um chapéu de palha
E no entanto
Dir-me-ás amanhã
Estou louca por ti (espantalho),
E eu
E tu
Não sei,
Sabemos que não o estás, como os esqueletos de arame dos homens de xisto que durante a noite me visitam e comem as luzes dos candeeiros semeados por uma louco, mesmo no centro dos passeios, e dizes-me, e dizem-me
Não sabemos, hoje não, tente novamente amanhã,
E amanhã dizem-me...
Se o senhor tivesse vindo ontem...
O Ping-pong entre duas paredes com grades de ferro forjado e sofás revestidos a tecidos importados da longínqua China, as luzes e as mesas vindas dos sonhos baratos de um musseque de Luanda, e as bebidas, dispensamos as bebidas em prol da literatura
E a literatura e os cigarros e os caixote de lixo esquecidos pela cidade, desconheces que as minhas mãos, hoje, agora, são rosas de vento balançando como sexos murchos na areia da praia, e no entanto
Das labaredas libertam-se algumas palavras, poucas, como
Dir-me-ás amanhã
Estou louca por ti,
E eu
E tu
Mortos como as paixões proibidas pelas manhãs de Outono, quando de um quinto andar sem varandas, ouvem-se todas as máquinas de sibilar que o homem de arame foi deixando pelos destinos sonhos adormecidos nos guindastes murmúrios dos lábios em desassossego Inverno... em pálpebras húmidas de vidro.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

(E no entanto, ninguém, sentiria a tua falta, a não ser, a não ser os cortinados de renda que uma velha costurou na tua ausência, ainda tu, ainda tu brincavas com os calções, a camisola de alças e as sandálias de couro, e havia pequenas flores em cima da mesa do pequeno-almoço, é como os livros que ardem na fogueira)

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Os barcos de quilha adocicada

Dizias que o silêncio era uma árvore onde viviam laranjas, e que a solidão, quando aparecia, nunca vinha só, e sempre acompanhada, subia as escadas sumarentas de artrose e reumático, às vezes ouviam-se-lhe os suspiros dos dejectos indesejados que os insectos deixam ficar sobre a clarabóia de onde se via o céu, via-se claro que sim
Porque hoje acabo de saber que este, por ordem superior, foi privatizado e levado para outras paragens, ouvem-se os lamentos dos angustiados
Filhos da Puta,
Mas de nada servem os insultos, porque o céu, esse, tal como a água, essa,
Dizem que “Já Era”, como os cadáveres sonolentos dos impostores vaidosos que se fazem passear pelas avenidas da cidade, uns coitados de uma classe de “Mete Nojo” que só sobrevive à custa das escadas do Papá ou da mamã, ou do vovô... ou da “puta que os pariu”, mas sobrevivem, tudo têm e dizem que são felizes,
Tirando os barcos de quilha adocicada e com profundas modificações nas mãos com unhas de gel, nada de importante aconteceu hoje, o País continua na sua agonia morte lenta como os doentes que a tombola da sorte sorteou, e vivem desgraçadamente até deixarem de respirar, os Países Ditatoriais precisam de um povo inculto e de um exercito forte, o povo cala, e o exercito impõem a força, e para tal, o corrupto do chefe de estado precisa de generais fortes, corruptos, ricos
Ricos Monetariamente,
Filhos da Puta,
“Já era”,
Mas de nada servem os insultos, porque o céu, esse, tal como a água, essa, “já Foram”, e qualquer dia até Deus, até esse vão conseguir privatizar, e vimos Senhores Ministros do Reino em apertos de mãos a “Filhos da Puta” de ditadores, e o povo, lá, a morrer de fome, e o povo, lá, desprotegido dos mais essências bens dispensáveis a qualquer ser humano; saúde, justiça, educação...
Mas
Tirando os barcos de quilha adocicada e com profundas modificações nas mãos com unhas de gel, nada de importante aconteceu hoje, a Teresa ofereceu-me um livro “Diários – AL Berto”, talvez porque hoje é quinta-feira, talvez porque o fim-de-semana está a caminho, talvez
Dia dos namorados,
Não conheço, peço desculpa, e na melhor das hipóteses é entrar na barbearia ali junto ao quiosque das amêndoas em flor e perguntar a barbeiro, esses, esses quase que sabem de tudo, agora eu, não, não sei nada sobre o dia dos namorados; isso é o quê?
Mas Ricos Monetariamente, as Ditaduras de “Merda” que em troca do dinheiro tudo lhes é permitido; até roubar os sonhos das crianças...

(não revisto; a única coisa verdadeira neste texto é o livro de AL Berto “Diários”, tudo o resto é pura coincidência com a realidade)
@Francisco Luís Fontinha

Isso é amor


Se os teus olhos de poesia
um dia dormirem com o luar,
isso é,
isso é amor,

Se a tua boca de ficção
um dia sorrir,
isso é,
isso é amor,

Se as tuas mãos de papel tricolor
um dia aparecerem com palavras escritas,
isso é,
isso é amor.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

COSTUREIRO OU BAILARINO

A minha casa,
Quatro paredes em cartão, do fino, que é mais chique, não tenho janelas para o mar, porque infelizmente ele vive longe de mim, não tem telhado, felizmente para mim, porque às vezes falta-me o ar e tenho grande dificuldade em respirar, ela, a minha casinha, não tem mobílias luxuosas, e tirando a máquina de costura Singer que herdei de uma bisavó que deve ter mais de setenta anos, talvez mais
Nada a acrescentar, nasci longe e vim de longe, e quando regressar, irei regressar para longe, talvez encontre outra casinha modesta com esta, mas aqui
Não vou ficar mais,
Mas aqui falta-me o mar, os barcos em passeios nocturnos quando terminavam as sessões das duas da madrugada, os cinema recheados de gajos em desejo, às vezes sentiam-se-lhes os gemidos entre as portas de madeira do Hall e a sala de fumo, percebia-se pelo comportamento dos cigarros que havia um perfume de mulher algures nos cortinados das janelas viradas para os telhados adormecidos de uma cidade abandonada, mas lá eu
Tu lá eras feliz, tinhas sonhos, brincavas com personagens invisíveis e desenhavas em todas as paredes da casa, excepto na casa de banho, talvez por ser o único compartimento que quase sempre estava ocupado, passavas tardes intermináveis a construir vestidos para bonecos loucos, pegavas na agulha da tua mãe, nas linhas, e dos tecidos
Lindos vestidos e quando te perguntavam o que querias ser quando fosses grandes, algumas vezes respondias
NADA,
Outras que
QUERO SER COSTUREIRO OU BAILARINO,
E afinal
E afinal não fui uma coisa nem outra, sou um homem descomplexado, pobre, sem palavras, sem ideias, sem o amor vestido de qualquer coisa, de morte
Outras que
QUERO SER COSTUREIRO OU BAILARINO,
E
E afinal vivo numa casa com quatro paredes em cartão, do fino, que é mais chique, não tenho janelas para o mar, porque infelizmente ele vive longe de mim, não tem telhado, felizmente para mim, porque às vezes falta-me o ar e tenho grande dificuldade em respirar, ela, a minha casinha, não tem mobílias luxuosas, e tirando a máquina de costura Singer que herdei de uma bisavó que deve ter mais de setenta anos, talvez mais
Outras?
E
E ainda acredito nos olhos disfarçados em poemas, e ainda acredito nos lábios com tonalidade de sílabas adormecidas, como as rochas do amor, como os orifícios das portas com vista para um corredor comprido, fino e escuro, onde
Brincam
Onde e
Barcas vestidas de barcos com âncoras de aço e correntes em oiro, às vezes oiço-os masturbarem-se no tecto embaciado do Domingo de prata, e do calendário ordinário com gajas nuas que o sapateiro suspende todos os anos desde que começou a trabalhar
Murcham as palavras do amor proibido, cansado do azul sobre os joelhos com rosas amarelas, vestias-te de cinzento para te confundirem com os candeeiros de silício amargurado que caem nas noites de celibato, e os homens aproveitavam-se das tuas mãos para roubarem o telhado da minha pobre casinha,
A trabalhar um pedaço de sola como o pão duro das sobras que durante a noite dormem nos caixotes de luxo, e que muita gente teima em apelidar de lixo, duro, robusto, sapatos de luxo para exportação, e quem sabe
NADA,
Outras que
QUERO SER COSTUREIRO OU BAILARINO,
E afinal
E afinal não fui uma coisa nem outra, sou um homem descomplexado, pobre, sem palavras, sem ideias, sem o amor vestido de qualquer coisa, de morte
Outras que
QUERO SER COSTUREIRO OU BAILARINO,
De fatias de pão nasçam sapatos de luxo...

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Outras coisas

Parecias-me tão entretido com as tuas coisas banias que nem me dei ao trabalho de verificar se a janela da sala estava bem fechada, zumbia solenemente o vento que soprava de cima para baixo, em pequenos círculos, como as moedas quando caem de uma altura superior e aterram nas algibeiras erradas, nunca tiveste sorte, queixavas-te todos os dias, em todos os jantares, em todos os serões, e à lareira, dizias-me
Vou-me embora daqui, para sempre, e nunca mais voltarei a este País, eu, confesso, nunca acreditei, como nunca acreditei que conseguisses deixar de fumar, cigarros, heroína, esbelta, finíssima com saia curta e camisa branca, sei que não pensas nela, que já não tem importância para ti, mas confesso, que às vezes,
Medo, o medo, o medo que voltes a apaixonares-te por ela, me troques por uma prata com bolhas castanhas em corridas de carrossel, o taxímetro sempre a rolar como um carro de rolamentos a descer a calçada em direcção ao Tejo, os edifícios de Santa Maria de Belém, tremem, encostam-se às trincheiras submersas nas clareiras da morte, e uma menina com tranças aborda-me
Pai?
Fico quieto, impávido, e pergunto-lhe
Eu?
Que sim, claro, tu, o medo, e penso
Talvez seja uma brincadeira de Carnaval...
Talvez?
Olha para mim e diz-me se tenho cara de brincadeira de Carnaval, e confesso que nunca vi uma menina com rosto de Carnaval, e respondo-lhe que não, não sei, nunca vi um, talvez não tenha, talvez seja verdade, talvez
Pai?
Finíssima com saia curta e camisa branca, cabelos loiros voando sobre a cidade de areia, lilases barcos em madeira prensada rompem as agulhas desgovernadas dos carris de manteiga, oiço-a dentro de mim com as cores da paleta recheada de uma espessa e fina e brilhante atmosfera com cheiro a Barcelona, dormia e acordava em sandes de cartão
Finalmente, eu, o teu pai, o feliz mendigo vestido de rochedos esponjoso e flores de plástico, sempre são mais baratas, dizias-me antes de eu ter partido de casa, de cidade, de vida, de
(Parecias-me tão entretido com as tuas coisas banias que nem me dei ao trabalho de verificar se a janela da sala estava bem fechada, zumbia solenemente o vento que soprava de cima para baixo, em pequenos círculos, como as moedas quando caem de uma altura superior e aterram nas algibeiras erradas, nunca tiveste sorte, queixavas-te todos os dias, em todos os jantares, em todos os serões, e à lareira, dizias-me)
Amanhã não temos lenha para a lareira, respondia-te que tínhamos muitas portas e janelas e mobílias que quase nunca utilizávamos,
Voltavas à carga,
Amanhã não temos nada para comer, respondia-te que enquanto tivéssemos as galinhas da vizinha, para uma canja e um arroz com os miúdos não haveria de faltar, e depois logo se via, ah e ainda podemos aproveitar o restante para um churrasco, como vez, há sempre uma solução para tudo, menos para a miúda de tranças com rosto de Carnaval, Rosto? Não, com cara de Carnaval, e eu imaginava-a pendurada numa árvore a olhar as algibeiras recheadas com as moedas de às vezes
Caem como os tordos depois do jantar,
De às vezes uma silenciosa ânsia melancólica saltitar sobre o muro de xisto que divide o dia da noite, de às vezes esqueceres-te de ligar o interruptor do nosso esquerdo lado, e sempre noite dentro de nós, como as flores que colocavas sobre a minha lápide e eu preenchido com as pratas de alumínio em busca da dama de saia curta e camisa branca, dos cabelos um perfume estranho, vazio, entranhava-se como se entranha, às vezes, as lágrimas miudinhas das tardes de Inverno, à parte disso
Tenho os meus sonhos em consideração e demito-me das funções que me foram confiadas, estou farto desta cidade, desta terra e deste mar, como todos os pássaros, partiremos daqui a poucos dias, pouca coisa entre nós, duas ou três mudas de roupa, o livro de Bernardo Soares, e uma gabardine de senhora
No caso de ela aparecer,
Pai?
Fico quieto, impávido, e pergunto-lhe
Eu?
Que sim, claro, tu, o medo, e penso
Talvez seja uma brincadeira de Carnaval...

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Pedra moribunda


Sou de pedra
como os muros que circundam os sorrisos das rosas
deste verdejante cenário jardim
ouvindo os longínquos sons das tristes pálpebras
dos ventos soprados pelas chaminés de vidro
rijos os pedaços de enxada mergulhadas nas palavras cansadas,

A pedra moribunda
à doce saliva dos pequenos repteis enforcados nas lilases telas de linho
porque da noite nua e escura e apetitosa
poucas ou nenhumas coisas sobrevivem às tempestades de areia
que os poemas provocam nos seios das andorinhas
com asas de porcelana,

E as cabeças ocas
delas
poucas ou nenhumas árvores de papel
na despedida das horas assassinadas por um velho relógio de parede
à pedra
o pó das sílabas dentro de um sobretudo negro.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Planeta X-321

Uma fresta da noite copia-se e cola-se no branco papel com pontos de suor, chamavas-me parvalhão, estúpido, ou
Paspalho?
Nunca me interessaram as alcunhas, porque são apenas palavras, e com o vento, elas, voam como voaram as gaivotas do teu curto cabelo nas sombras do Tejo, nos jardins uma fina camada de relvas onde nos deitávamos, e olhávamos o céu nocturno das mãos entrelaçadas, ouvíamos
Paspalho, eu?
Ouvíamos os gemidos das árvores em cio, e dentro de água sentíamos os alicerces dos corações de aço a derreterem, como derretem as nuvens de açúcar na boca de uma criança, como derretiam as nuvens de açúcar na tua boca fingindo Primaveras e rosas de abelha, éramos os únicos habitantes do planeta X-321 e
Parvalhão, estúpido, ou
Paspalho?
E acreditávamos nas cartas perfumadas que enviávamos ao final da tarde nos olhos de uma andorinha, e
Eu?
Três dias depois ela regressava, estava cá, na caixa de chapa zincada com uma portinha mínima, e mal dava para entrarem os dedos, finos, meus, como os varões de aço no estômago de um pilar ou de uma viga, levantávamos-nos cedo, como se as máscaras de Carnaval que na noite anterior tínhamos deixado em cima da mesa-de-cabeceira fossem um espelho que saltara do guarda-fato, e dávamos conta que eram apenas os nossos rostos disfarçados de meninas do mar,
No nosso planeta X-321 não havia nada, água, vento, pássaros ou barcos com asas, apenas dois corpos se misturavam no salitre húmido das madrugadas acabadas de fazer, e ainda quentes, comíamos-as, todas, sem percebermos que elas
Eu?
Que elas eram filhas de um Deus poderoso, teimoso, arrogante, como as paixões entrelaçadas nos céus do planeta X-321, como os pregos do leito da morte das flores embalsamadas, e tínhamos dentro de nós pedaços de vidro, em placas, finas, que serviam para quando viesse a noite, nós, eu, tu, eu e tu, rasparmos o velho mármore dos muros que o sono deixava sobre os versos em arame forjado, tristes, nós, à procura do sossego, e das acácias em flor,
Hoje,
Uma fresta da noite copia-se e cola-se no branco papel com pontos de suor, chamavas-me parvalhão, estúpido, ou
Dois cadáveres dissecados pela caneta de um poeta, inventa-nos quando a solidão o abraça e a insónia lhe bate à porta, quase que me atrevo a afirmar que
Eu e tu, nós,
Somos as lágrimas de fantasia dele, somos os restos de tinta e papel mata-borrão, como duas candeias de poemas suspensos nas janelas do planeta X-321, um espaço vazio, eu e tu, nós,
Que este poeta nos ama, como nos amávamos sentados junto à margem do Tejo a cilindrar cigarros e a diluirmos cerveja e vodka nas nossas bocas cansadas dos tormentos que vagueavam nos pinheiros entre xistos e socalcos, os vidros, em placas, finas, começavam a romperem-nos como o poeta rompia as pequenas folhas de papel e destruía os poemas escritos, e percebíamos que também nós, eu, tu, nós
Dois poemas escritos pelo louco poeta.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

blogue Cachimbo de Água em destaque


(O menino húmido com pétalas de papel crepe)

blogue Cachimbo de Água em destaque
Sapo Angola

domingo, 10 de fevereiro de 2013

O sótão das histórias sem palavras


As safiras em moedas de olhares
como os crisântemos em rubi que vivem nas árvores da saudade
inventaste-me como inventaste o vento numa tarde de cacimbo
com nuvens de porcelana
e azeitonas em conserva,

Eras conhecida como a raiz de pólen
de abelha em abelha
às flores dispersas pelos pedaços de pólvora seca
que incendiavam as lanternas invisíveis
dos pinheiros abandonados pelas aranhas de vidro,

Percebiam-se-lhes as dissolvidas manhãs de inferno
dentro de um cubo de chapa
zinco
como as pedras polidas pelas mãos da neblina
e desciam o rio as escadas de acesso à lua,

Comiam-se os homens e as mulheres
porque a fome de amar era tanta tanta que o vento se transformava
em jangada
ou madrugada
húmida como os corpos de papel que voavam em volta do silêncio,

E tirando as safiras em moedas de olhares
nada
ninguém
como a vida de um esqueleto apaixonado
pelos ossos da vizinha amiga que vive no sótão das histórias sem palavras...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Uma cratera de saliva no vulcão da insónia

Um dia, quem sabe, todos os poemas de Inverno se transformem em rosas, um dia, talvez amanhã, ou, poderá ser mesmo num Sábado qualquer, um dia qualquer, apenas um, de um calendário de papel, ou daqueles virtuais que os nossos portáteis inventam para nós, e tão parvos, eles, que se nós quisermos hoje não é hoje, e se nós quisermos hoje é ontem, Dezembro de 1966, ou, ou se eles quiserem amanhã, amanhã terça-feira de Março de 2015, um dia, quem sabe, todos os poemas
Fiquem como as minhas mãos, pérfidas, com perfume de vulcão estacionado no centro de uma cratera, com nuvem de vapor que fingem ser cortinados, das janelas das palavras, quando chega o murmúrio das imagens a preto e branco do álbum de fotografias do Pai Fernando, Angola está lá, como estão os carris onde ontem passeavam comboios para Mirandela, e hoje, hoje apenas linhas curvas, rectas, círculos de lágrimas das rochas metamórficas com sombras de pedra, ele acompanhava a linha de bicicleta pela mão, chegava ao Tua, e subias as curvas inclinadas com sabor a saudade, apenas, apenas para dar um beijo à mãe, fiquem todas, hoje não, hoje
Os carris e os túneis da saudade dentro de um álbum de fotografias,
Hoje, hoje não, quem sabe amanhã, todos os poemas se transformem em rosas de papel, quem sabe, ontem as flores tenham conspirado contra o homem dos livros de granito, quem sabe, hoje sim, eu, ele, nós os dois, sejamos esqueletos de vidros com mãos de arame, hoje quem sabe, eu, ele, eu e ele, os dois, sejamos pedaços de pedra mármore do túmulo de um dos manuscritos de Gogol que ardeu na fogueira, louco, tu e eu, dentro de um buraco de areia, os nossos corpos parecem raios de sol mergulhados em barcos de esferovite com um motor de um carro de brincar, comprávamos pilhas com sabor a limão, e ele, e eu, e eu e ele e o barco de esferovite, perdidamente apaixonados como as águias nocturnas do chocolate amargo,
Os carris e os túneis, que têm?
Um dia, a escuridão transformar-se-á em lençóis de prata com almofadas de oiro, E os carris? pergunta ele, que têm? Respondo-lhe eu, Nada... Responde-nos os barco de esferovite com o velho motor do carrinho de brincar, as pilhas, sabiam a limão, amargo, o dia quando regressei e descobri que era um esqueleto de vidro com mãos de arame, pergunto-lhe
Lembras-te? Claro que sim, como me lembro do dia quando disfarçada de água da chuva entraste em mim, numa tarde de Agosto, tinhas livros numa das mãos ínfimas, pequenas, como os rochedos das praias imaginárias da nossa infância, e claro que
Não me recordo dos vidros partidos no recreio da escola,
Amanhã, amanhã, amanhã terça-feira de Março de 2015, um dia, quem sabe, todos os poemas vestidos de arame-farpado, em redor de um campo de minas como os seios camuflados dos grandes edifícios que se escondem nas cidades e dão abrigo aos sem-abrigo, todos, amanhã, quem sabe um dia destes, no calendário virtual do meu portátil, eu, eu encontre os restos de saliva que sobejaram das palavras mordidas pela serpente do envenenado homem das luzes de linho, cansei-me, cansei-me dos calendários de papel com números complexos, matrizes, equações diferenciais loucas de amor por integrais triplas, e no entanto, ninguém, ninguém à espera delas na cama nua das quadriculas de insónia,
Calçavas uns sapatos rabugentos, ouvia-os enquanto descias o passeio que aproveitavas para observares distraidamente os manequins nus, esqueléticos, das montras com roupas adormecidas pelos candeeiros da noite embaciada pelo perfume das rosas junto à cabine telefónica, de vidro, alumínio, e palavras que desconhecíamos, e não sabíamos que dias depois
Os carris e os túneis, que têm?
Debaixo do braço transportavas um livro de Érico Veríssimo “Clarissa”, a chave de acesso ao teu cofre, eu, hoje, hoje talvez não, amanhã, amanhã sim, eu já o tinha lido, e confesso que enquanto conversávamos sobre o livro íamos caminhando em direcção ao tempo-espaço de Einstein, e hoje percebo, amanhã, amanhã talvez, terça-feira de Março de 2015, o murmúrio das imagens a preto e branco do álbum de fotografias do Pai Fernando, Angola está lá, como estão os carris onde ontem passeavam comboios para Mirandela, e hoje, hoje apenas linhas curvas, rectas, círculos de lágrimas das rochas metamórficas com sombras de pedra, ele acompanhava a linha de bicicleta pela mão, chegava ao Tua, e subias as curvas inclinadas com sabor a saudade, apenas, apenas para dar um beijo à mãe, fiquem todas, hoje não, hoje
Os carris e os túneis da saudade dentro de um álbum de fotografias,
Como ficaram as tuas palavras dentro de mim, todas, elas, disfarçadas de chuva de Agosto em final de tarde.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha