O trânsito infernal, o (pára arranca) leva-me a
imaginar uma rua sem saída, e muitas pessoas a caminharem em
direcção, não sei, e não mo perguntes
Em direcção ao vazio,
Ao nada, ando uns míseros milímetros, agacho-me,
sinto o próprio vazio da rua sem saída a coexistir dentro de mim,
ruas, pessoas
Em direcção ao vazio, nuas
Muitas pessoas,
Em direcção ao vazio, os edifícios agachados
também, tal como eu, e as árvores voam, fogem para longe, levam as
folhas e as flores, muitas pessoas
Vazio,
Que transportam pele e osso, quilogramas de lixo
cinzento, cigarros made in China, com sabor a Primavera, procura nos
bolsos, não as encontra, as chaves, de casa, do carro, procuro-os
nos bolsos
Os edifícios, não os encontro, os carros, as
casas, procura nos bolsos as pessoas, fugiram, deixaram de pertencer
à rua B do número trinta e três, outra vez, repita comigo
Trinta e três, rua B, quito esquerdo, e ela
repetia, Trinta e três, rua B, quito esquerdo, abria as asas e
começava a voar sobre a cidade, deixei de a ver, deixei de a ouvir
Perguntas-me se à cidade ou a ela, à rua B
E eu simplesmente tinha saudades, da rua B, dos
alicerces, as pessoas, os pássaros, o trânsito infernal, o (pára
arranca) leva-me a imaginar uma rua sem saída, e muitas pessoas a
caminharem em direcção, não sei, e não mo perguntes, hoje, não,
amanhã talvez, saio de casa, sais de casa, encontras no bolso
As chaves do carro,
Os cigarros, as chaves de casa, os edifícios, não
os encontro, os carros, as casas, procura nos bolsos as pessoas,
fugiram, deixaram de pertencer à rua B, os ciganos em exames à
volta de uma fogueira, três ou quatro tendas, alguns animais, cães
e burros, e uma leve e fina cortina de vento, silêncio, grito-te
Não te oiço, respondes-me, trinta e três, como?
Chegas a casa, e desapareces como desapareceram todas as pratas e
porcelanas que tínhamos na sala de jantar, entras, não te percebo
As chaves do carro,
Não percebes, não te percebo dizes-me e eu não me
esqueço, não temos carro, não te percebo dizes-me e eu não me
esqueço, que nunca tivemos
Um carro,
Não te percebo, que nunca tivemos
Um burro e uma carroça,
Não te percebo, que nunca tivemos
Nada, casa, que nunca vivemos
Na rua B? Não percebes, não te percebo dizes-me e
eu não me esqueço, não temos carro, não te percebo dizes-me e eu
não me esqueço, que nunca tivemos
Nada
Chegas a casa, não te conheço, perguntas-me se o
jantar já está pronto, olho-te, olho-te e não te percebo
Porquê se não tenho, Porquê se nunca ti, Porquê
marido,
Um carro,
Um burro e uma carroça,
Assistíamos à dança dos ciganos à volta da
fogueira, lembras-te, perguntavas-me e eu juro que não, na rua B
deve ser engano, não conheço, não sei
Não te oiço, respondes-me, trinta e três, como?
Chegas a casa, e desapareces como desapareceram todas as pratas e
porcelanas que tínhamos na sala de jantar, entras, não te percebo
As chaves do carro,
Não percebes, não te percebo dizes-me e eu não me
esqueço, não temos carro, não te percebo dizes-me e eu não me
esqueço, que nunca tivemos
Um carro,
Não te percebo, que nunca tivemos
Um burro e uma carroça,
Não te percebo, que nunca tivemos
Nada, casa, que nunca vivemos na rua B deve ser
engano, não conheço, não sei, chegas a casa, entras em cada
compartimento de luz, não me encontras, finjo-me invisível, e tu
perguntas-me
Como se faz Rafael?
Não te percebo, que nunca tivemos
Um burro e uma carroça,
Que eu me lembre, apenas uma rua sem saída, e
muitas pessoas a caminharem em direcção, não sei, e não mo
perguntes
Em direcção ao vazio.
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó