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sexta-feira, 14 de abril de 2023

Partida

 Escondíamo-nos dos tristes candeeiros nocturnos

Quando a paixão espiava o acordar da noite,

Sabíamos que dentro daquele rio,

Envenenado até à foz,

Escondia-se o inferno de amar,

E cada palavra que semeávamos na árida terra de ninguém…

Uma gaivota de luz poisava-nos sobre os ombros estonteantes,

 

Éramos novos,

Passávamos a tarde a contar cacilheiros,

Linhas rectas traçadas no olhar…

E só acordávamos do outro lado do rio,

Quando ouvíamos os apitos em despedida…

A despedida,

A eterna despedida,

A ausência do corpo…

Quando o corpo pede o silêncio,

E da boca,

Chegava-nos o desejo…

E um longo beijo se erguia na alvorada,

 

Era triste o teu olhar,

Madrugada da simplicidade…

Eram tristes as manhãs junto às tuas mãos,

Quando do teu rosto,

As lágrimas se despediam da tua sombra,

 

Eram tristes as nossas tardes,

Como eram tristes todas as nossas bebedeiras e voos frenéticos junto ao mar…

Como ainda são tristes as tuas palavras,

Que escondo dentro de mim,

Como se pertencessem a uma lápide de luz…

Invisível,

Que apenas eu tenho acesso,

 

Eram tristes os poemas que te escrevia,

Como tristes se sentiam as minhas esferográficas…

Quando percebiam que te ia escrever,

E no entanto,

Escrevia-te…

Sem saber se junto ao rio,

O teu rosto de gaivota,

Ainda brinca com as crianças…

Ou se também ele já partiu,

 

Éramos tristes,

Éramos a ausência de uma cidade que constantemente vomitava silêncios…

E sempre que um de nós tombava no pavimento do medo,

Sentíamos a presença das estrelas que nos davam a mão…

E nos levantava…

Ora a mim,

Depois…

Depois,

 

Partiram todos os milhafres do nosso olhar,

Caravela quinhentista,

Gavião da minha tristeza,

Partiram todos…

Partiram sem se despedirem de nós…

Assim…

Como partem as andorinhas quando termina a Primavera,

Nunca se despedem,

Partem.

 

 

 

Alijó, 14/04/2023

Francisco Luís Fontinha

sábado, 8 de abril de 2023

Incenso da vida

 Regressam as primeiras equações de sono

E se Deus quiser

Todas as fogueiras

Onde ardem todos os corpos

São

Equações mergulhadas em pequenas equações de sono

 

Revolta-se porque a tristeza aportou em sua mão

Não o faças gazela do mato

Milhafre enfartado…

Nunca peças o perdão

Quando a montanha desce a calçada

E um círculo de luz

Leva-te até às profundezas do Tejo

 

Podias ter-te abraçado a esse rio

Podias dormir nesse rio

Peixe carnívoro de todas as abelhas em flor

Que do salgado sangue

Mergulham na tua boca

Os restos de esperma da noite anterior

 

Às palavras

Abraçam-se os cadáveres de prata que a manhã vomita sobre a geada

Cavaleiro e cavaleira

Madre

Padre

Filho e filhos

(da puta e não só)

Às palavras

Das lápides de sono

Que tal como as equações…

A calçada hoje é um dormitório de espermas ressequidos pelo incenso da vida.

 

 

 

08/04/2023

Francisco 

segunda-feira, 27 de março de 2023

O cálice de cicuta

 Bebo o cálice de cicuta

Peço ao diabo que coloque mais lenha na fogueira

Escrevo a última carta

Puxo de um cigarro

Desenho nos lábios da paixão

A forca

Depois

Recebo a visita do criador

Quer que eu me transforme em árvore

Digo-lhe que não me apetece

Digo-lhe que vá para o caralho…

 

Sento-me à porta do cemitério

E conto os barcos que passam

Desenho na mão os barcos que passam

E os barcos que choram

E de todos eles…

Sinto a falta do meu pequeno barco a motor

Que colocava numa pequena poça… junto ao mar

E passava as tardes em círculos

Toda a tarde

Em círculos

 

Termino o cigarro

Ainda respiro

Graças a Deus

Levanto-me da cadeira onde me sentava

Em frente ao cemitério…

E começo a escrever no sorriso da noite

Enquanto a noite ainda me sorri

Enquanto a noite…

É noite

 

Depois…

Depois sei que a noite se vai travestir de puta

Que a noite vai correr pelas ruas de Lisboa

Que a noite se vende por um cigarro…

E que o magala de ontem

É o magala de hoje

Que o magala de ontem

Fode o magala de hoje

E que todos os barcos de ontem

São a sucata de hoje

Que os miúdos de ontem

Hoje

Alguns

São assassinos

Bêbados e drogados

Putas e travestis…

 

Bebo o cálice de cicuta

Peço ao diabo que coloque mais lenha na fogueira

Escrevo a última carta

Puxo de um cigarro

E finalmente oiço a voz do silêncio

Pego na espada que transporto junto ao peito

Olho-a

Ela olha-me

E dou-me conta…

Que o triciclo com que eu brincava

Hoje é um monstro

De madeira

Tem olhos azuis

E come todos os magalas que brincaram junto ao Tejo.

 

 

 

Alijó, 27/03/2023

Francisco

sábado, 25 de março de 2023

Os pequenos sorrisos da infância

 Semeávamos as palavras nas lágrimas do Tejo, enquanto junto a nós, um velho cacilheiro se perdia de amores pelo primeiro raio de Sol da manhã, e em cada punhado de palavras que lançávamos ao rio, um pedacinho de silêncio partia em direcção ao mar,

Tínhamos dentro de nós todos os sonhos, tínhamos dentro de nós todas as brincadeiras de um novo dia que brevemente começaria, que brevemente partiria, também ele, como partiram todos os sorrisos que conhecíamos.

Abraçava-a, pegava-lhe no cabelo de Primavera e sabia que do outro lado do rio, que do outro lado do rio havia um barco com mãos de prata e lábios de sangue; era o barco que me trouxe do outro lado do Oceano.

Uma criança chorava. Uma criança desiludida com os dias e com as noites e com os machimbombos…

O Tejo sabia que um dia, que um dia o meu corpo seria absorvido pelas suas mãos, e desde então, procuram nas suas águas um esqueleto sem nome, um esqueleto com asas, um esqueleto de vidro…

Semeávamos as palavras nas lágrimas do Tejo, enquanto junto a nós, um velho cacilheiro se perdia de amores pelo primeiro raio de Sol da manhã, os cigarros entre pequenas pausas para o café, levitavam e desapareciam como pássaros depois da tempestade, e nunca soube o nome daquela tempestade; como deixei de saber o nome das coisas, de todas as coisas.

Bebíamos pequenos tragos de uísque, dançávamos sobre a relva de Belém, à nossa volta, outros esqueletos preenchiam a tarde com piqueniques e outras coisas banais, fumávamos e bebíamos, e voávamos sobre uma Lisboa em construção,

Porque me mataram os esqueletos de prata?

Os barcos de regresso, diziam-nos que amanhã era o futuro, pequenos sorrisos num espelhos com janela para a Calçada da Ajuda, e ela, e ela percebia, aos poucos, que o meu esqueleto nunca mais seria encontrado naquele rio, naquele lugar, naquela cidade.

Hoje, hoje sou procurado pelas sombras daquela cidade, daquelas ruas, hoje sou maias uma das sombras que habitam os jardins onde crescem os pequenos sorrisos da infância.

Ergui-me da cama, abri a janela, puxei por um cigarro e ouvi da boca dela:

Vou embora.

Continuei a fumar, continuei a olhar o Tejo… até que ouvi o som desengonçado e perro da porta do quarto a fechar-se, como se fosse o fecho da tampa do meu caixão.

Depois, depois fechei a janela, escondi-me debaixo do chuveiro, e algumas horas depois, quando já de saída do quarto e chegando à rua, percebi que durante a noite alguém tinha mudado o nome daquela rua; e fiquei sem saber onde estava.

Apenas fiquei com o perfume de um rio, de um rio que pouco a pouco… morre dentro de mim, como morrem todas as coisas em que toco.

 

 

 

 

Alijó, 25/03/2023

Francisco

sexta-feira, 24 de março de 2023

Meia dúzia de retractos

 Enquanto escrevo, morro, enquanto escrevo, suicido-me na tristeza do poema, enforco-me na agonia de uma tela sem nome, suspensa numa manhã junto ao Tejo, do rio, vêm a mim os tristes cacilheiros, que entre viagens, me trazem o silêncio da despedida,

E despeço-me sem ter de quem me despedir, apenas me restam meia dúzia de retractos, meia dúzia de sombras…

E muitas dúzias de sonhos; morram todos os sonhos.

Morram todos os sonhos e todos os sonhadores e todos os poetas e todos os pássaros… e que morram também todas as noites com luar.

E já agora, que morram todos os cacilheiros e todos os barcos da minha infância.

Puxo do último cigarro. O veneno que me mantêm vivo e de boa saúde…

Inesperadamente, começo a odiar todos aqueles que morreram e que amei. Inesperadamente, começo a odiar-me, começo a odiar as minhas palavras, os meus desenhos… e todos os meus sonhos.

Enquanto escrevo, morro.

Suicido-me na tristeza do poema, enforco-me na agonia de uma tela sem nome como todas as minhas telas, sem nome.

De que serve um nome?

 

 

 

Alijó, 24/03/2023

Francisco

terça-feira, 3 de janeiro de 2023

O castelo das noites fumadas

 De todas as minhas telas

Nenhuma tem nome

Para quê dar o nome a uma tela

Se ela é prisoneira de uma parede

(nunca irá sair da parede)

E mesmo as que tenho amontoadas

Encostadas à parede

Não possuem nome

(vou levá-las a passear ao parque infantil?),

 

Menina Primavera

Não corra com pressa

Pode cair,

 

Ou

 

Menino orvalho

Se faz favor

Coma a sopa toda,

 

Ou

 

Sabe, infinito?

Sim, pai…

E o infinito nada sabe,

 

Portanto

Todas as minhas telas não têm nome,

 

Eu

O artista

Que desenha

Que pinta

Que dou vida a todas estas telas

Também como elas

Não queria ter nome,

 

Poderiam ter-me apelidado

De zero três um seis seis nove oito sete (03166987)

RH mais

Nascido a dezoito de Maio de mil novecentos e oitenta e sete
E falecido a nove de Agosto de mil novecentos e oitenta e oito

Residente no primeiro esquerdo

Porque no primeiro direito vivia a velhinha

Que tinha dois cães

Três gatos

E a neta era trapezista

(par-time)

Num circo que costumava estar estacionado junto ao Castelo,

 

E o zero três um seis seis nove oito sete

Numa linda noite junto ao Tejo

Estávamos em Julho

Enquanto a neta da velhinha passeava um dos felinos

(penso que seria o Alfredo)

Sentou-se à minha beira

(Primeiro pedindo sua licença)

E pediu-me que lhe escrevesse um poema…

 

E disse-lhe

Olhe menina

Poemas não escrevo

Poemas leio-os

E quando estou empanturrado

(gosto de escrever cartas à lua)

(e quanto a poemas costumo beber os de AL Berto e fumar os poemas de Cesariny),

 

Ela sorriu

Disse que eu era louco

(pois quem é que escreve cartas à lua?)

 

E continuando a ser o zero três um seis seis nove oito sete

(até nove de Agosto de mil novecentos e oitenta e oito)

Comecei a vender os dias

Vendia-os na rua

Na feira da ladra

Por aí

Por aqui

Até que quando me dei conta

Já não tinha os dias

E quanto às noites

(já estava empenhados em algumas horas)

Quanto às noites foi um autêntico desastre

Hoje diria um desastre ecológico,

 

Sabe, infinito?

Sim, pai…

E o infinito nada sabe,

 

Porque o infinito nunca quis saber de mim…

E eu

Diga-se

Também não

(só penso nele quando fumo os poemas de Cesariny e bebo os poemas de AL Berto).

 

 

 

 

 

 

Alijó, 3/01/2023

Francisco Luís Fontinha

(zero três um seis seis nove oito sete)

domingo, 25 de dezembro de 2022

A espuma do dia

 Ninguém sem dias

Uns com dias

E alguns com os dias dos outros.

 

Quando o dia é filho único

Um só dia

Pequenino dia

Ninguém apenas só

Quando o dia

Do outro dia

Ninguém sem dias

Nos dias de alguém.

 

Temos alguns dias

O dia em que nascemos

O dia em que morremos

O dia quando nasce um filho

Do dia de quando morre um filho

O dia primeiro do primeiro beijo desejado

No dia do primeiro orgasmo da manhã

Os dias de uns

Nos dias de outros

E outros dias mais.

 

O dia da morte do pai

O dia da morte da mãe

O dia do primeiro poema

Quando se olha o mar

O dia primeiro da primeira fotografia

O primeiro barco

O dia

Noutro dia

Quando o dia

Não passa de um dia.

 

O dia da primeira solidão

O primeiro desgosto do dia

O dia último

Do outro dia.

 

O dia da primeira comunhão

O dia do baptismo

(por acaso fui baptizado a 25/12/67)

O dia da primeira lágrima

No dia da primeira ejaculação

O dia

Do outro dia

No dia da primeira caricia

Quando o dia do primeiro dia no dia do serviço militar

O dia primeiro do último Tejo até Belém

O outro dia do primeiro dia de uma Calçada

Que de Ajuda nada tinha

A não ser

O dia

Quando o dia acordava embriagado

E todos os cacilheiros resolviam

Todos ao mesmo tempo

Num único dia

Assombrarem-me a cabeça.

 

O dia primeiro

Do dia em primeiro charro

No primeiro cigarro

Quando o último dia

Do dia da primeira castanha

No dia após a última branca

E da loucura do primeiro dia

Vem o último dia

Do primeiro filho

Sem dia

E em dia.

 

O dia do primeiro dia quando o dia não queria ser dia

O dia do primeiro uísque

No primeiro comboio do dia

E de Cais do Sodré até Belém levava um dia

Sem que o dia

Terminasse nas lágrimas do dia

Da primeira puta do dia.

 

O dia da primeira espingarda do dia

O dia no primeiro dia do primeiro canhão de areia

Na espuma do dia

Ao outro dia

Em dia

E de dia

Um cão que ladrava ao dia

E uma vaca comia a primeira erva do dia.

 

A ponte no primeiro dia

Ao dia de todos os defuntos

Em dia

Todos

Lá esperam que um dia

Deixe de ser este dia

E acorde um novo dia.

 

E se num dia eu sentia

No outro dia

Eu não sabia

Que do dia

No primeiro dia

O dia é apenas um dia…

 

E o que será um dia sem dia?

 

 

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 25/12/2022

segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

O crucifixo da paixão enquanto respirava

 Senta-se à secretária

Semeia os cotovelos sobre a mesa

Puxa de um cigarro

Enquanto procura o isqueiro na algibeira

Pensa

Volta a pensar

Escreve algo rápido com o olhar

Na estante recheada de livros

E encontra “o medo de AL Berto”

E recorda os tempos em que começou a ler AL Berto

Finais de oitenta

Princípios de noventa

(há muito temo)

Mas ele está lá

(E todas as noites oiço-o)

Ele acende o cigarro

Desenha um círculo

E de uma ou duas baforadas

Percebe que valeu a pena.

 

Ele continua sentado

Cotovelos apoiados na invisível linha do Equador

E recorda-se de quando regressou de Angola

Num enorme paquete de sono

Ter as mãos apoiadas no gradeamento

E tenta com o olhar

Descobrir a linha imaginária do Equador;

Acreditou que era

Sorriu tanto

Mas hoje

Ele percebe que não era a linha imaginária do Equador…

Podia lá ser.

 

Às vezes

Muitas vezes

Também sinto o medo

E quando tenho medo

Abro-o

Abro o medo de AL Berto.

 

Ele

De olhar perdido na estante recheada

Recorda a vizinha do segundo esquerdo

Falecida na semana passada

Senhora de oitenta e quatro anos

Bibliotecária quando da sua vida activa

E o que dizer da dona Guilhermina

Tudo

Nada

Talvez pouco quando se nasce

E muita coisa quando se está de partida

Coitada da senhora

Boa piquena

Ainda virgem (apenas de signo)

Muito educada

Blá-blá-blá

E finou-se numa noite de Dezembro

Sem electricidade

Sem nada

Com tudo

Coitada da senhora

E quando perguntei ao sobrinho

Morreu de quê a dona Guilhermina

Ele

Triste

Respondeu-me que…

Olhe

Morreu de tristeza.

 

E um poeta como eu

Que de nada percebe de certidões de óbito

Ou de metástases

Ou de toda essa merda…

Não sabia que se morria de tristeza.

 

Andando que se faz tarde.

 

Ele foi tomar o duche do fim de tarde

Vestiu a farda

Calçou as pesadíssimas botas militares

E zumba

Portão fora

Patrão dentro

E vai ele rumo à cidade,

 

Desce a calçada

Apressadamente

Ao fundo da calçada

Vira à direita

Marcha

E enquanto marchava

Ouvia os piropos dos gajos que procuravam sexo

Diziam que bem pago

E com medo

Não o medo de AL Berto

Mas com o medo de ser enrabado

A sangue-frio

E no final receber cinco mil escudos

(diziam que o broche era mais caro)

Desatava a correr

E só parava numa esplanada

E já dentro dela

A menina

A menina escondia-o na despensa;

Quase com o coração a saltar-lhe pelas goelas

Suspirava baixinho

Foda-se. Foda-se.

 

(onde vim eu estacionar)

 

E eu

E eu habituei-me a estacionar em muitos locais da cidade

Gostava do perigo

E claro

Conversar com o medo.

 

Engoliu o penúltimo silêncio de fumo

E pensou

E talvez não tenha pensando em nada

Porque enquanto contava os silêncios de fumo que lhe restavam

Perdeu-se nos pensamentos

Perdeu-se na cidade

Abre um pequeno livro com o olhar

Começa a ouvir A Tabacaria

A tabacaria do Senhor Álvaro de Campos

Na voz do grande Mário Viegas

Parou

Mexeu os cotovelos

Colocou o que restava do cigarro

No cinzeiro de madeira

Porque o cinzeiro de prata já o tinha vendido

Algures na feira da Ladra

Onde tudo se compra

Onde tudo se vende

(e um dia quase que me vendi a uma velhinha)

E depois de fazer o funeral ao que restava do cigarro

Pensou então

Pensou que o medo está para o poeta

Tal como a chuva está para o magala;

É tudo uma questão de psicologia.

 

(a chuva o frio o medo o caralho que te foda e é tudo uma questão de psicologia)

 

A roupa que o diga (quando chove) (grandes filhos da puta)

 

Levanta-se da secretária

Vai até à janela

Abre-a cuidadosamente

Com medo

Com o medo

Com medo que o mar lhe entrasse pela janela

(este parvalhão não percebe que o mar nunca chegará ao terceiro andar)

E percebe que já é noite

Que alguém roubou todas as estrelas da noite

Que no Tejo um petroleiro apeado

Esperava que regressasse a madrugada para se abraçar a terra.

 

E lá está ela

Suspensa na parede

Pregada a uma cruz de luz

Cinzenta

Verde

Laranja

STOP

E morreu de quê a menina Guilhermina

Entre a voz do Mário Viegas a declamar a Tabacaria

E o silêncio do segundo esquerdo

É perfeitamente audível

Morreu de tristeza

Queria que ela morresse de quê

Sou parvalhão

Calmeirão,

 

(TRISTEZA)

 

O senhor oficial

Bem fardado

Diga-se

Com uma mão no volante

A outra

E com a outra entre a manete de velocidades

E o pénis do rapaz que seguia a seu lado

Tentava engatá-lo com promessas de falso oiro

E meia-dúzia de camelos

Ele cerrou as pernas

E enquanto a cidade se perdia em direcção Santa Apolónia

O carro parou

O gajo saiu apressadamente

Deixou cair a mochila no pavimento

E só parou dentro da estação.

 

(há coisas do caralho

Pensou)

 

E continuando com a

E lá está ela

Suspensa na parede

Pregada a uma cruz de luz

Cinzenta

Verde

Laranja

Encarnada

Encarnada sim senhor que eu bem vi com estes que a terra há-de comer

Pensou novamente no medo

Agora no medo de AL Berto

E não sabia se o pior medo da sua vida era que o mar lhe entrasse pela janela

Ou

Ou a doce donzela suspensa na parede do escritório

(Pregada a uma cruz de luz

Cinzenta

Verde

Laranja

Encarnada)

Tanto faz…

 

Tanto faz quando a noite é uma merda

Com estrelas

Sem estrelas

Com palavras

Sem palavras

Com lua

Sem lua

Com sol

Com sol

Quando o rabo está em direcção a Norte…

E um lindo crucifixo nos olha;

 

(E lá está ela

Suspensa na parede

Pregada a uma cruz de luz

Cinzenta

Verde

Laranja

Encarnada).

 

Encarnada de mini-saia e de cigarro ao canto da boca.

 

 

 

 

 

 

Alijó, 12/11/2022

Francisco Luís Fontinha