sábado, 2 de dezembro de 2017

A espuma que embrulha o teu jardim


O silêncio de espuma que embrulha o teu jardim, o banho imaginário nas traseiras da casa onde habita o teu jardim, o teu corpo é um esqueleto de veludo, fossilizado nos fantasmas da noite, regressa o mar, traz na algibeira as flores da madrugada, simples, magoadas, como as sentinelas da morte,

O ausentado menino dos socalcos de xisto, que brinca nas margens do rio envenenado pelas enxadas da insónia, tenho medo, tenho medo dos alicerces da dor quando do teu corpo apenas consigo observar estrelas e fumo…

Ao amanhecer,

A trovoada que abraça a parede granítica do sonho, o miúdo complexo em círculos no quintal infestado de Mangueiras e Mangas, e quando ele percebe, tem um papagaio em papel brincando entre os finos dedos, não chove, deixou de chover nesta terra, deixei de ouvir o cheiro da terra queimada, e o poço é cada vez mais fundo, observo-o, alimento-o, e sinto o peso das plumas nocturnas dos bares de Lisboa,

Ao amanhecer, os vidros das janelas rangem de frio, a lareira morta na esperança de acordar de madrugada, e o silêncio de espuma que embrulha o teu jardim, o banho imaginário nas traseiras da casa onde habita o teu jardim, cobertos por um finíssimo cobertor de geada.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 2 de Dezembro de 2017

domingo, 26 de novembro de 2017

Nas palavras, o silêncio.


Nas palavras, o silêncio.

Da noite camuflada pelos Oceanos perdidos, os pindéricos sorrisos da alma,

Os esqueletos de luz que vagueiam na triste Avenida, sem palavras, a distância dos osos na escuridão do mar,

Recordo o teu olhar de pálpebras silenciadas pelo vento. Os rochedos onde me deito.

A madrugada. Acordar em ti os sonhos de ontem, a difícil caminhada em direcção ao mar, dois corpos saturados da neblina, dois corpos misturados nas ínfimas luzes da cidade. Não durmo. Finjo brincar numa praia em papel, desenhada por uma criança, triste, como as estátuas de sal,

Os meus dedos na tua boca, quando libertas os livros aprisionados pelo tempo, liberta-te também de mim; desacorrenta-te, e desiste de lutar.

Amanhã lá estarei, desintegrado nas salas exíguas dos mortos jardins, pequenas árvores, pequenos arbustos no teu peito, esperando o veneno, escondo-me.

Nas palavras, o silêncio.

A solidão da manhã quando trazes nas mãos a chuva miudinha, pesadíssima, e, travestida de soldado, brinco em ti, comigo sentado numa pedra adormecida, à deriva na rua deserta da tua sombra…

Palavras, nas palavras, o silêncio, o prateado desassossego que a vida constrói no amanhecer, como os poemas, entre morto e mortos; o fim.

Ai que a vida parece um círculo, cada vez mais longínquo da cidade,

Como todos os sons da tarde, ao cair a noite,

Os sonhos, vagueiam no teu solstício medo de me deixar junto ao rio,

Felizes, aqueles que acreditam em Deus…

Porque os que não acreditam, morrem, e nunca compreenderão o silêncio.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 26 de Novembro de 2017

sábado, 25 de novembro de 2017

Entre quatro paredes


Entre quatro paredes, tenho o meu esqueleto de granito infestado de lágrimas, e, quando o meu pobre relógio acorda, todas as noites, fujo para as sombreadas ruas da Avenida, pinto as árvores no meu olhar, semeio na lapela as frágeis sementes da morte, sempre que o vento regressa do mar,

A janela do sofrimento rasgada na penumbra madrugada, o silêncio das acácias misturado com os soníferos orgasmos de prata, e esta terra me alimenta das esmolas não recebidas, tenho medo, medo de perder-te no infinito amanhecer, porque nas tuas mãos habitam as flores da despedida, lamento, fico cansado de olhar-te no espelho caduco do meu quatro, e, os livros empilhados junto à madrugada, lamento, que todas as tardes sejam em pedaços de sofrimento, como as jangadas dos pilares de areia da tua voz,

Entre quatro paredes, de vidro, o silêncio amanha, dorme… e morre na alvorada.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 25 de Novembro de 2017

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Algumas bugigangas trazidas do outro lado do rio


Tínhamos uma nuvem de silêncio no nosso quarto, andorinhas e algumas bugigangas trazidas do outro lado do rio, alguns caixotes desaromados, alguma roupa e um sonho, acreditávamos no amanhecer junto à geada, a esfera do caos esbranquiçada poisada na nossa mão, eu era uma criança mimada, filho único, Africano de nascença, apátrida e desapontado pelas raízes do poder, tinha medo, meu pai, tinha medo da tua terra…

E sem o perceber

Assim temos mais prazer, penso nos teus seios, imagino os teus broches literários sobre a velha secretária em madeira, gemes, ouvem-se os gonzos da solidão salitrarem sobre a cancela da noite,

E que noite, meu amor, e que noite,

E sem o perceber acordei junto a um dos caixotes, sentia o vento do mar a entranhar-se nos meus frágeis ossos, chorava, gritava… nem um mabeco em meu auxílio,

E sem o perceber, tínhamos uma nuvem de silêncio no nosso quarto, andorinhas e algumas bugigangas trazidas do outro lado do rio, e soníferos beijos, lembras-te, meu amor, o cheiro intenso da madeira envelhecida e triste, os pregos enferrujados de tédio, e algumas frestas de solidão, ninguém, ninguém imagina este concerto de sons melódicos e metálicos do sofrimento, a morte, a ressurreição e a alvorada,

A tristeza de não saber quem és…

 

 

 

(ficção)

Francisco Luís Fontinha – Alijó

domingo, 19 de novembro de 2017

Noite na alvorada de ninguém


A noite começa a perder-se nas tuas mãos, entre montanhas sinto os teus lábios emagrecidos pela solidão, adormecidos, tristes… perdidos, abençoadas estrelas que me iluminam sem qualquer tipo de perdão, uma carta não escrita, algumas palavras semeadas no teu olhar, quando lá longe, oiço o assassino do mar, mãos ensanguentadas, lágrimas disparadas pela espingarda do sono,

Um canhão evapora-se debaixo do luar, escrevo-te para me sentir feliz, invento-te para me sentir livre, rebelde e desemparado nas ruelas nocturnas do cansaço, oiço-os

Vomitam insónias, dormem no desassossego dos pássaros envenenados pelos teus lábios, os livros sofrem, os livros morrem ao nascer do Sol, e tenho no corpo um solstício amedrontado, oiço-os

Marcham Calçada abaixo, rumam aos bares não iluminados, estátuas de sombra sentadas numa esplanada, debaixo, em cima, e, no entanto, sou um soldado desgraçado, moribundo, procurando barcos nas tuas pálpebras…

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 19 de Novembro de 2017