quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Algumas bugigangas trazidas do outro lado do rio


Tínhamos uma nuvem de silêncio no nosso quarto, andorinhas e algumas bugigangas trazidas do outro lado do rio, alguns caixotes desaromados, alguma roupa e um sonho, acreditávamos no amanhecer junto à geada, a esfera do caos esbranquiçada poisada na nossa mão, eu era uma criança mimada, filho único, Africano de nascença, apátrida e desapontado pelas raízes do poder, tinha medo, meu pai, tinha medo da tua terra…

E sem o perceber

Assim temos mais prazer, penso nos teus seios, imagino os teus broches literários sobre a velha secretária em madeira, gemes, ouvem-se os gonzos da solidão salitrarem sobre a cancela da noite,

E que noite, meu amor, e que noite,

E sem o perceber acordei junto a um dos caixotes, sentia o vento do mar a entranhar-se nos meus frágeis ossos, chorava, gritava… nem um mabeco em meu auxílio,

E sem o perceber, tínhamos uma nuvem de silêncio no nosso quarto, andorinhas e algumas bugigangas trazidas do outro lado do rio, e soníferos beijos, lembras-te, meu amor, o cheiro intenso da madeira envelhecida e triste, os pregos enferrujados de tédio, e algumas frestas de solidão, ninguém, ninguém imagina este concerto de sons melódicos e metálicos do sofrimento, a morte, a ressurreição e a alvorada,

A tristeza de não saber quem és…

 

 

 

(ficção)

Francisco Luís Fontinha – Alijó

domingo, 19 de novembro de 2017

Noite na alvorada de ninguém


A noite começa a perder-se nas tuas mãos, entre montanhas sinto os teus lábios emagrecidos pela solidão, adormecidos, tristes… perdidos, abençoadas estrelas que me iluminam sem qualquer tipo de perdão, uma carta não escrita, algumas palavras semeadas no teu olhar, quando lá longe, oiço o assassino do mar, mãos ensanguentadas, lágrimas disparadas pela espingarda do sono,

Um canhão evapora-se debaixo do luar, escrevo-te para me sentir feliz, invento-te para me sentir livre, rebelde e desemparado nas ruelas nocturnas do cansaço, oiço-os

Vomitam insónias, dormem no desassossego dos pássaros envenenados pelos teus lábios, os livros sofrem, os livros morrem ao nascer do Sol, e tenho no corpo um solstício amedrontado, oiço-os

Marcham Calçada abaixo, rumam aos bares não iluminados, estátuas de sombra sentadas numa esplanada, debaixo, em cima, e, no entanto, sou um soldado desgraçado, moribundo, procurando barcos nas tuas pálpebras…

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 19 de Novembro de 2017

sábado, 18 de novembro de 2017


Poesia...

Hoje centenas de iões dentro de um quarto escuro, sem janelas, sem porta

Cadeia?

A cárcere, da palavra, sem porta, sem.… vida, mesmo assim sou feliz naquele local, chamar-lhe-ás... cemitério, jazigo, mas não, meu amor, a cárcere da palavra, como?

A cárcere, da palavra, ou, A cárcere da palavra?

Narcisos, viajantes bagagem, imponderáveis poetas, nos beijos, nas bocas sideradas pela saliva, em pequeno, ele, imaginava a escola um grande navio, o porão

Tão fundo, mãe,

Meu amor, as palavras cinza das minhas mãos, ter-te e não te ter, nos meus braços, as imagens a preto-e-branco dos teus olhos, existes?

Tão fundo, mãe...

A paixão e o amor, o centeio correndo em redor do pôr-do-sol, e ele

Coitado, imaginar uma escola um grande barco...

Louco, e ele, mãe, dizia-me que os sonhos são desenhos de um qualquer pintor em desespero, a renda de casa, luz, pouco mais do que isso

Pobres homens e mulheres...!

Tão fundo, mãe... a paixão e o amor, o centeio correndo em redor do pôr-do-sol, e ele... e ele embrulhado em sonhos, sonhos, mãe...

As três ciganas do deserto, os homens buscam a sina do silêncio, imaginam-se uma criança de prata, frágil, brincando nas palavras rochosas da poesia, João perde-se nas cartas,

O jogo,

A mentira

Fugir para outros continentes, outras galáxias... os homens, apaixonados pelos berros, da menopausa, o sal brincando nas encostas do abutre negro, sobre ela o beijo desenhado na areia, colorido, embrulhava-a numa estrofe envergonhada, levava-a para as cabanas dos sonhos adormecidos, cerrou os olhos

Foi bom, amor,

Só?


As pálpebras de solidão gritando pela liberdade, amanhã vou recomeçar a viver, a sonhar, a.… a escrever nos teus olhos,

Como são os teus olhos, meu amor!

Perdi-me,

Só?

Deus, cambaleando pelas ruas do sofrimento, olha-me e pergunta-me

Meu filho!

Sim, pai...

O corpo, meu filho, o corpo...

Três ciganas abraçadas à ardósia da tarde, os homens, conversas, e...

Palavras...

E, sim pai, não percebo as tuas palavras e não percebo os teus poemas,

Desculpa-me.… meu filho,

Palavras...

Só?

O falso rico esquecido no asilo do dinheiro, porque incha o corpo do rico e míngua o corpo do pobre?

As palavras,

Só. eu?

E.…, e sim, o cemitério engasgado nos ossos de António, o meu melhor amigo, companheiro, e.… e nem me avisou que ia viajar, de veleiro ao ombro, meia dúzia de bicuatas... e nunca

A fome dentro de um subscrito, lembrava-se das tardes de infância inventando barcos em esferovite e sonhos, ele

As palavras?

Ele sorria, percebia-se no seu rosto o esqueleto e a alma da alegria, e, no entanto, morreu...

E nunca, e nunca mais conversou comigo...

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 15 de novembro de 2017


Partiram, levaram o miúdo dos calões e o caixote em madeira,

Alguns tarecos, pouca coisa e fotocópias de fotografias envenenadas pelo silêncio, na algibeira, o amor, o desejo do mar, dos barcos e das coisas

Simples?

Os livros,

E das coisas sem nome,

Sombras de mangueira?

E beijos, das coisas travestidas de saudade, dos livros lidos nas entranhas do desejo, caminhávamos entre quatro círculos de luz, abraçavas-me como se abraçam os pássaros, as acácias e os pindéricos cabelos de nata,

Amanhã amo-te...

Partiram, fugiram das noites embriagadas com direito a limonada e a sexo, construíram cubatas nos musseques da alegria, saltaram muros e muros, tinha medo das curvas da vida, adivinhava os beijos como sendo abelhas em flor, sobre as casas sem nome, idade, e

Sexo?

Só depois das seis,

E sonhos, de um dia regressar...

Regressar, mãe?

O texto escreve-se no teu corpo, a partida pertence ao passado, triste, tão triste como fazer amor num vão de escada,

Os gemidos,

Os silêncios mergulhados na algibeira do cansaço, amanhã saberei se me pertences, maldito caixote em madeira,

Alguns tarecos, meia dúzia de fotocópias de fotografias,

O mar, mãe?

O mar.… morreu,

Como morrem todas as coisas belas,

Sinto-me um caixote em madeira, um socalco em lágrimas descendo até ao Douro, uma eira, imaginada em Carvalhais – S. Pedro do Sul, sinto-me a noite vestida de negro, abraçada aos meus sonhos, sem poder mais,

Amanhã, meu amor!

O circo, os palhaços narcisados nas palavras escritas pelo fantasma do silêncio, a minha vida uma “merda” comparada com a vida dos meus vizinhos, hoje sonhei que a pobreza tinha morrido... como se a pobreza tenha morte... este momento embriagado em poemas de amor,

Poder mais...

Os sorrisos, a mentira do soneto sobre os ombros vergados de uma enxada, o cristal opaco que sobressai nas fotografias de infância, a dor, e a doença

Sinto-me

E a doença sifilítica nos dedos do artista, adormece a tela, o poema e a musa do poeta,

Sinto-me.… um suicidado cadáver de esperma, um transeunte canalha com suspensórios e gravata, e sapatos de ponta delgada,

Um café Doutor?

Café...

Faltam-me os cigarros...

E a doença sifilítica nos dedos do artista, adormece a tela, o poema e a musa do poeta,

Sinto-me.… um suicidado cadáver de esperma, um transeunte canalha com suspensórios e gravata, e sapatos de ponta delgada,

Faltam-me as tuas mãos, mãe,

Café?

Viajo na tua saia e percebo que não temos regresso, regressar é um suicídio sem palavras, uma carta escrita, os motivos da tua ausência, as faltas da tua presença na Igreja, sinto-me quando abres a janela do quarto e tenho a certeza que estou vivo,

Bom dia, mãe...

Meu querido filho!

O livro cresce nas ardósias cinzentas da memória,

Que és enigmático, meu filho...

Que sim, minha mãe,

Que sim,

Telefonaram da Rua dos Mendigos?

Para mim, mãe?

A cidade embriagada nas sandálias do pescador, o mar, sempre o apaixonado mar, a paixão azul, do azul literário e poético..., sabes com é, mãe,

Pois,

Sei que sempre sonhaste comigo,

Eu?

Sim, tu, mãe,

Quando dizias que aos três anos de idade já voava...

domingo, 12 de novembro de 2017

O eterno acusado


Acusais-me de tudo e de nada.

Acusais-me da chuva e do sol,

Das províncias desgovernadas,

Dos socalcos inanimados,

Tristes…

Cansados.

 

Acusais-me do cansaço,

De ser o menino dos papagaios

E das estrelas em sombreados tentáculos,

Acusais-me de o mar não regressar…

 

E de matar.

Acusais-me do eterno ventrículo agachado no musseque,

Das palmeiras envenenadas pelo silêncio,

Acusais-me das palavras gastas,

Tontas,

Nas paredes da solidão.

 

Acusais-me de tudo e de nada.

Acusais-me do medo,

Da morte em segredo,

Acusais-me do sofrimento

Nas montanhas solidificas dos livros

E dos momentos passados na escuridão de um velho bar.

 

Acusais-me da dor,

Das metástases ensanguentadas de um corpo em delírio…

Acusais-me de nada,

De tudo,

Até da triste madrugada…

Que a sombra alimenta.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 12 de Novembro de 2017