sábado, 3 de junho de 2017

Tempestade


Não me interessa quem me apedreja,

Sou um desgostoso filho da noite branca,

Sou filho do feitiço amordaçado das tempestades sem nome,

Caminho nos teus braços como uma serpente sem veneno…

Despois do entardecer,

Vivo vivendo a vida quotidiana das amoreiras em flor,

E das tormentas encarnadas do amor…

Amanhã vou zarpar para a montanha desconhecida,

Levarei comigo um ramo de flores adormecidas pela tempestade,

E não haverá lágrimas no meu rosto,

Nem palavras nos meus livros desgraçados…

Um sonâmbulo pede-me lume,

Faço uma fogueira com a minha tristeza,

Sem perceber que durante o amanhecer

Uma árvore me visita,

E me abraça fortemente,

E a noite me incendeia…

 

O dia termina na minha mão,

Os teus dedos entrelaçados nos meus…

Sempre que o sol acorda livremente

Nos rochedos da solidão,

 

É tarde,

O tempo dorme docemente no meu ventre

Enquanto junto ao rio o voo das gaivotas me atormentam…

E tenho medo do teu sorriso pela madrugada,

Alimento-me de nada,

Alimento-me de uma vazia esplanada

Ancorada na sombra da Primavera,

 

(Não me interessa quem me apedreja),

 

E das pedras invisíveis…

Ergue-se a paisagem nocturna da janela sem cortinados,

Sente-se o teu desgostoso perfume

Contra o meu peito desajeitado,

Sem nome,

Sem morada…

Como sou,

Sem nada,

Despedido dos teus sonhos…

Me suicido na escuridão.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 3 de Junho de 2017

domingo, 28 de maio de 2017

As cordas da saudade


As cordas da saudade são invisíveis nos meus braços,

Oiço o apito dos barcos apedrejados pela maré quando o meu corpo envelhece no teu peito,

Sou fraco, sou fraco como uma simples folha amarrotada de papel encharcado de lágrimas,

E lá longe, os livros entranham-se no meu olhar,

Dançam nas minhas mãos as cansadas palavras da vaidade,

Oiço, oiço a pobreza das ruas em flor,

Me mato, parto em direcção ao rio subterrâneo da solidão.

Desço ao poço do sofrimento como uma gaivota envenenada…

Bebe, bebe sem a noção do tempo embriagado pelo sangue,

E escreve uma carta de despedida,

Sinto o desejo enjoado pela ondulação das nuvens prateadas,

E esqueço-me da tua ausência…

Adormeço em ti,

Adormeço como um sonâmbulo ruivo construído de barro nauseabundo do silêncio,

Ergo-me diante do espelho,

Vejo um cadáver sem nome,

Perdi-me,

Envelheci nos olhos das flores abraçadas pela noite,

Envelheci nos olhos das pedras dos alicerces da penumbra,

Os barcos nas minhas veias encostados ao coração…

Eu criança,

E brinco com as algemas de alvenaria da brincadeira,

Como um puto deambulando pelas ruas, livre como um pássaro,

Lindo como o pôr-do-sol,

Quando os amigos se despedem da minha sombra,

Sinto no meu caixão o mar da saudade invisível nos meus braços…

E caminho sobre a areia adormecida da limpidez dos beijos que um caderno quadriculado guarda na algibeira do remoto silêncio das ruinas…

E o medo envelhece a tristeza da partida,

Sempre se perde nos sonhos escoriados das palavras deitadas na fogueira,

Há na tua morte um sentimento de esquecimento,

Uma palavra estonteante que se alicerça às tuas coxas…

E no caixão dorme o meu olhar.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 28 de Maio de 2017

quarta-feira, 24 de maio de 2017

Os dias falhados


Os dias passados

Esqueleticamente abraçados aos dias sofridos

Quando bem lá no alto das montanhas cansadas

Os dias argamassados aos dias coloridos…

 

Safados.

 

Os dias perdidos na esplanada do adeus

Quando sobre uma pobre mesa de sombra, um livro, voa nos dias premeditados

Por uma lâmina finíssima de luz…

Os dias entre dias,

Os dias encalhados nos petroleiros da fortuna…

Os dias revoltados

Com a forma circunflexa do sangue perfumado,

O dia apaixonado,

Ou coisa nenhuma…

Os dias as mãos e as mãos dos dias,

A forca dos dias desesperados

Numa árvore dispersa na alvorada,

Há dias assim,

Como hoje,

Dias de alecrim,

Dias de clarinete…

E assim,

Os dias dos relógios moribundos,

Meu Deus! Meu Deus, tantos mundos…

Com dias,

Sem dias,

Cem dias dispersados pelas tristes avenidas dos dias desalmados,

E eu, minha querida, por aqui… brincando com os teus dias…

Os dias sem melodia.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 24 de Maio de 2017

sábado, 20 de maio de 2017

Cartas sem remetente


Nas asas do teu ventre construi caminhos incertos,

Percursos amestrados suspensos na solidão de um bar,

Um copo explode, e morre nos meus lábios…

Ai como eu gostava de pernoitar nos teus olhos verdes!

Escrevia cartas sem remetente,

Palavras sem significado,

Abstractas cidades nos rochedos da morte,

Quando as ruas absorvem as pontes da liberdade,

Amar-te-ei?

Não o sei…

Regressa a noite ao teu sexo,

Funde-se no luar a escuridão das tuas coxas,

E o poeta desalentado, morre, parte para o infinito,

Sinto no teu perfume a fragância da manhã,

Levanto-me tardíssimo, ao pôr-do-sol…

A voz levita nos planaltos da inocência,

Vive-se caminhando na tua sombra doirada,

Uma varanda de néon com vista para o jardim,

Vive-se no insignificante sorriso da distância,

Lá longe, aí vem o levante sonolento homem da infâmia…

E esconde-se na tua pele.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 20 de Maio de 2017

sábado, 13 de maio de 2017

Sonho numa noite de suicídio


Nada disto sonhei

Quando te abracei pela última vez,

Havia silêncio,

Havia uma imensurável espada de luz

Descendo o meu corpo desnudo,

Sabia que todas as palavras repetidas nas janelas do teu olhar

Eram apenas sombras debaixo do luar,

Um flácido orgasmo de solidão iluminava-nos

Nas ranhuras ténues dos túneis da vergonha,

Partiram, todos,

Hei-de escrever no teu peito o velho poema da solidão,

A passadeira encarnada pronta a ser pisada pela tua mão

Como um petroleiro em cio,

Hei-de esculpir nos teus seios a presença da minha ausência…

Um vazio poema arrancado da ingrime folha em papel,

O sono voltou,

E nada disto sonhei…

Afligi-me a paixão dos desertos,

Afligi-me o tempo perdido que a tua boca construiu neste muro em xisto,

Abraças-me pela última vez,

Havia silêncio,

E nada disto sonhei na áurea madrugada da morte.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 13 de Maio de 2017

sábado, 6 de maio de 2017

Os dias das noites cem dias


Os dias entre dias

Nos dias sem dias…

Cem dias passaram

E sem noites

Cem noites me acorrentaram

Aos livros perdidos nos dias

Aos livros perdidos nas noites

Sem dias

Cem dias passaram

E sem noites acordaram

Os dias

Sem dias

E cem noites

Acordados

Nos escombros do papel queimado…

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 6 de Maio de 2017

segunda-feira, 1 de maio de 2017

Os barcos em mim


Recordo o teu olhar

Nas planícies das amoreiras ancoradas

Sinto no peito a alegria de sofrer

Enquanto o mar se despede de mim

Estou só!

 

Muito só!

 

As fogueiras da noite

Hipnotizam o suor cansado das madrugadas adormecidas

Os barcos em mim

As cordas em mim

E as âncoras da solidão descem-me pelo corpo bordado pelas tuas mãos…

Muito só!

Estou só!

 

Regressa a insónia nocturna da boca

Enquanto na taberna ele encharca o melódico corpo em papéis de uísque

E pedacinhos pigmentos de uma caneta envelhecida

Meu querido

Porque partiste?

 

As palavras em vão

As palavras embriagadas pelo teu sorriso

Navegando no meu peito

Sempre que uma nuvem me abraça,

 

Sem vertigens…

 

A voz sonolenta que desencanta a ferrugem dos teus cabelos

Na sombra de um jardim abandonado por ti

Sento-me no teu colo

Imagino o vento nas tuas coxas

Quando se diluem nas escarpas de um poema…

 

Estou só!

 

Muito só!

 

Invento pontes em esparguete para te fazer feliz…

 

O medo

As algibeiras desterradas nos rochedos da morte

Porque partiste?

Tínhamos tanto para desenhar no teu silêncio

Tínhamos tantos locais para aportarmos…

E partiste…

Estou só!

 

Muito só!

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 1 de Maio de 2017

domingo, 30 de abril de 2017

Feitiço da madrugada


O desgostoso ancorado

Autómato desajeitado das tardes infelizes

O corpo fumado

Entre paredes de xisto e perdizes…

Da montanha de areia

Descendo pela veia

No braço do enforcado

O desgostoso

E desamado

Feitiço da madrugada

O corpo encostado

Aos pilares sombreados da falsa calçada…

E do rio vem a semiófora rebelião do desempregado

Malditos carneiros

Pastando na planície do amortecido emplastro desassossegado

A fotografia rima com preto-e-branco

Mais branco do que preto

Os olhos pintados de sonâmbulas bolhas de luar

O desgostoso

E desamado

Feiticeiro da noite

Volátil cansaço dos silêncios abandonados

Quando regressam os rochedos

Aos claustros fumados…

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 30 de Abril de 2017

sábado, 29 de abril de 2017

Sombra de viver o infinito sorriso do vento


Em direcção à morte

O vento se despede da solidão

Sem perceber que a manhã se suicidou contra os rochedos da insónia

A noite chegou

Trazia na algibeira o Universo remendado pelos papéis da agonia…

E um homem espera desesperadamente pelo seu amante,

Escrevo-te,

Junto ao mar

Os petroleiros do desejo em soluços

Como as estrelas pregadas no Céu nocturno das fotografias prateadas,

Escrevo-te,

Espero pela alegria da distância abrupta da imensidão do tempo,

Espero pela ausência do teu peito

Fundeado num qualquer porto esquecido numa qualquer cidade…

Em direcção à morte

Os alicerces do medo entre pergaminhos e livros de veludo

Correndo a calçada que abraça o rio,

A areia do teu corpo semeado nas mãos do teu rosto,

E não sabias que do fogo da inocência

Um suspiro se ergue até ao pôr-do-sol,

Desisto,

Sento-me no jardim com vista para a tristeza,

E um copo de uísque se despede de ti,

Até logo,

E escrevo-te nesta angustia de viver

No sonho do veleiro abandonado,

Fujo com o barco,

Deixo-te,

Abandono-te…

Sem perceber o desejo do meu corpo

Nos parêntesis da memória,

Escrevo-te,

Junto ao mar…

E escondo-me da tua sombra.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 29 de Abril de 2017

sábado, 22 de abril de 2017

De tudo ou nada; estou farto.


De tudo estou farto,

Às vezes, quando regressa timidamente o amanhecer, sinto as ruas sem saída desta cidade envenenada pelo tempo esquecido na minha mão,

Um livro desajeitado mergulha no olhar da tua presença, e ao longe, imagino as clareiras em construção que se afundam nos rochedos teus seios…

As noites são claras, as noites esperam-nos enquanto lá fora as gaivotas brincam nas tuas livres coxas,

De tudo estou farto,

Do deserto teu nome, do silêncio a tua amargura vestida de nada, e sei que nos trilhos da bênção existem sonolentas cabanas abandonadas,

Perdoa-me, e de tudo estou farto,

Às vezes, o nocturno vento inventando pálpebras de xisto, as janelas encaixadas no embriagado molusco da morte, de tudo estou farto…

Do corpo me afasto, do corpo me ausento saboreando a morte dos peixes sem nome, como se fossem caixotes de madeira com cabeças de ternura suspensas na cama da saudade,

De tudo estou farto, meu amor…

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 22 de Abril de 2017