quinta-feira, 16 de março de 2017
Pálpebras de xisto
Saboreei a paixão convexa do desejo
Percorri os caminhos esconderijos do sofrimento
Como os livros que escrevi
E os que não quero escrever…
Saltei a ponte do esquecimento
Num voo frenético nunca antes alcançado
Em direcção ao mar
Em direcção ao abismo
Senti no corpo o peso do amanhecer
Senti nas mãos a enxada da vergonha
Descendo socalcos
Saltando montanhas desenhadas…
E as palavras
As palavras do sono inventando pálpebras de xisto
Como se inventam os rios
Quando cai a noite sobre a escuridão.
Francisco Luís Fontinha
16/03/17
domingo, 12 de março de 2017
Porta encerrada
Há
sempre uma porta encerrada
Nos
fragosos lábios da madrugada
Uma
canção desesperada
Ou
um poema envenenado pela alvorada…
Sinto
o peso do corpo nas lápides do xisto amanhecer
Que
uma enxada revoltada consegue levantar
E
nas palavras ficam o ser
O
ser amaldiçoado do mar
E
o amar?
Uma
jangada que levita sobre as montanhas de brincar
E
só uma criança sabe desenhar
Sobre
a fina areia do sonho despertar
Depois
o sono que aparece na janela do sofrimento
Como
palmadinhas secretas de vento
Contra
o meu olhar desonesto e profano
Há
sempre uma porta encerrada
Ou
um veneno…
Há
sempre nos fragosos lábios de incenso
Uma
porcelana palavra em lágrimas
Que
morrem no livro sagrado
Amado
Desamado…
Alimento-me
do teu sorriso leviano
Que
numa qualquer página de jornal adormece
E
esquece
O
significado alterno do amor secreto…
O
dia que não morre mais nas minhas mãos de silício
E
do silêncio o suicídio anunciado
Uma
faca apontada à minha sombra enfeitada de farrapos
Trapos
E
velharias tantas… que esqueço o lençol do luar
Nas
avenidas nuas desta cidade endiabrada.
Francisco
Luís Fontinha
12/03/17
terça-feira, 28 de fevereiro de 2017
Chuva da desgraça
Chove
dentro de mim
O
silêncio da madrugada,
Habito
este corpo de porcelana queimada,
Como
os pássaros do meu quintal ao entardecer…
Ardem,
Fogem
da minha mão até se esconderem no infinito,
O
deserto regressa numa jangada em pedra polida…
Triste,
Cansada,
Triste,
Amordaçada,
Chove
dentro de mim
O
silêncio da madrugada,
E
das noites embriagadas,
Oiço
o teu ventre sorrir na alvorada,
Uma
lágrima de sono,
Não
é nada,
Apenas
o reflexo das palavras em suicídio
Que
alimentam o poema da desgraça,
Tudo
é triste,
E
tudo morre numa tábua triturada pela solidão,
Que
não resiste,
E
assiste…
Ao
complexo rio da saudade,
Faço-me
à estrada,
Levanto
as amarras deste porto nocturno do desgosto
Que
trago sobre os ombros,
Vivo
na cidade cansada,
Vivo
na rua das esplanadas de vidro
Que
a morte inventa na minha voz,
Este
sítio vadio que não vem nos livros,
Este
cansaço de pedra que tritura o pequeno-almoço ao acordar,
Triste,
Cansada,
Amordaçada…
esta barcaça em delírio,
Este
simples rio
Que
traz nos lábios o frio,
A
ardósia do desassossego na ponta dos dedos,
A
mão alicerçada no medo encapuçado pelo destino,
Morro,
Vivo,
E
sinto… e sinto a explosão do sofrimento
Sobre
os rochedos dos tristes milagres enjoados…
Este
cansaço,
Meu
amigo,
Este
cansaço meu amigo que me atormenta dia e noite…
Sem
que eu saiba
Que
chove dentro de mim
O
silêncio da madrugada,
Stop.
Amanhã
será outro dia nas páginas da desgraça…
Francisco
Luís Fontinha
28/02/17
segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017
Cansaço
Canso-me das palavras que não dizes
E escondes nas paredes do silêncio,
Canso-me das palavras que não escreves
E semeias nas searas abandonadas do sono,
Canso-me da ausência
Quando o meu corpo tem peso, centro de massa…
E voa em redor das andorinhas em flor,
Canso-me dos beijos desenhados
Na tela da solidão, e tão ínfima é a minha mão
Que afaga o teu rosto de xisto,
Canso-me das planícies onde te escondes,
Como se fosses uma criança amedrontada,
Palavras,
Cansaço,
Canso-me dos rios obsoletos das cidades embriagadas…
Depois da despedida,
Canso-me tanto, tanto meu amor,
Que até me canso de ti…
Canso-me do sol,
Da lua,
E da noite,
Canso-me da escrita,
Canso-me da leitura e dos desenhos sem nexo…
Que brotam do meu sorriso,
Canso-me da luz,
Canso-me da luz e das ruas sem saída,
Que se perdem numa qualquer avenida,
Canso-me,
Canso-me das palavras daninhas, nos terrenos baldios,
Canso-me, tanto meu amor,
Que este cansaço vai acompanhar-me até à morte…
Francisco Luís Fontinha
20/02/17
sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017
Vida de marinheiro
Triste
a vida de marinheiro,
Prisioneiro
Neste
porto sem nome,
Estes
socalcos me enganam
E
abraçam o rio da saudade,
Estes
socalcos lapidados na sombra da noite
Quando
regressa a verdade,
E
tenho no corpo o medo da revolta,
E
tenho nas mãos o silêncio que não volta,
Estes
socalcos da triste vida de marinheiro,
Prisioneiro
Neste
porto sem nome…
E
distante da madrugada,
Nem
idade,
Nem
dinheiro,
Triste,
Triste
a vida de marinheiro
Assombrado
pelo amanhecer do desejo
Que
se perde num beijo…
Nem
cidade,
Nem
dinheiro,
E
no tempo se esquece o coração de prata
Das
marés loiras que o mar desajeita
E
rejeita
Contra
a corrente,
Triste
a vida de marinheiro…
Triste,
Triste
na cidade ausente.
Francisco
Luís Fontinha
17/02/17
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