domingo, 18 de junho de 2023

 Antigamente,

Antigamente vendia coisas…

Coisas minhas,

Coisas dos meus pais…

Vendia coisas para comprar heroína,

Hoje vendo coisas,

Para outras coisas,

Não para comprar heroína porque cansei-me dessa paixão de mulher…

E nunca mais a quero ver,

Mas vendo coisas,

Para outras coisas quaisquer.

 

(todos os quadros em exposição no Hotel Ribadouro em Alijó são para venda; 50€ cada um)

 

O artista,

 

Francisco


 

Tratado filosófico do [Matrafoines]

 

Do tudo,

O nada…

Quando o tudo é um conjunto de pontos coloridos,

Que marcham sobre o pavimento laminado de uma recta infinita…

E quando o nada,

O nada não é mais do que uma equação complexa,

Muito mais complexa do que as equações diferenciais do terceiro grau…

Que o professor Mário Abrantes nos falava,

Dessas,

Dessas não tinha eu medo…

Agora das outras…!

 

Querem-me fazer acreditar

Que do nada,

Do perfeito vazio…

Alguma coisa pode acordar…

Não,

Não poderá ser,

Nunca.

 

Acredito em tudo,

Acredito que toda a matéria do Universo se expandiu,

Antes explodiu…

Que até provavelmente Adão tenha dado a sua melhor queca…

Com a adorada Eva…

Mas do nada,

Do nada acordar alguma coisa?

Não…

 

Nasci para ser rico e lindo.

Rico sei sou,

Apesar de ainda não ter encontrado a fonte monetária em que os meus pais investiram…

Já procurei em algumas,

Em Euros ainda não procurei,

Não vai adiantar…

Porque quando nasci ainda não existiam…

Talvez mais logo procure nos [Matrafoines],

Isto é,

A moeda oficial de Marte…

Quem sabe?

Diziam-me que o meu pai era pintas…

Quem sabe,

 

Quem sabe se o sol nasça sem olhos,

Ou a lua…

Quem sabe se logo a lua apareça sem lábios…

Ou as estrelas,

Ou as estrelas sem ninguém,

Quando do perfeito juízo

Acorda uma pequena borboleta.

O sono eleva-se sobre a coroa invisível da saudade,

E diga-se que esta…

Que esta também pertence às equações complexas…

Mas que fazer,

Quando uma fotografia morre…

Passa a ser o nada,

A ausência…

E depois,

E depois querem-me fazer acreditar…

Que deste pequeno nada…

Um dia,

Biliões de dias depois…

Acorde alguma coisa…

Que quer ser tudo…

E que nunca foi nada.

Não,

Não posso acreditar.

 

Mesmo assim, desenho sobre estes pontos coloridos que marcham sobre uma recta infinita…

Que apelidaram de tudo,

Desenho sobre estes pontos coloridos o beijo,

Quando a mãe beija o filho…

E o filho…

Por mais que procure a mãe para a beijar…

Nunca a encontrará…

Porque também ela,

Também ela pertence ao nada.

 

E depois que sim,

Que sou um parvalhão,

Assim-e-assado,

Mais cozido do que passado,

Abro a janela…

E do nada…

Do nada… aparece na minha mão o primeiro capitulo da solidão.

 

Afinal…

Afinal do nada pode sempre acordar alguma coisa…

 

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

18/06/2023


 Se um silêncio, durante a noite te olhar…

Ignora-o, ignora-o enquanto a noite se despede de ti,

 

E tu, e tu te despedes do silêncio.

Não querias ser noite,

E nunca,

Nunca pretendas ser o silêncio.

Carta aos pássaros

 

Meus queridos,

 

Podia Deus extinguir agora mesmo o Universo, porque eu, porque eu não me levantava desta pedra cinzenta,

Onde me sento,

E penso.

O que me interessa a mim o Universo…

Quero lá eu saber do Universo…

O que me interessa a mim do meu vizinho, vizinha, ou do filho de ambos, ou se há crianças com fome…

Deus que cuide deles, se ele quiser.

Levantei-me cedo, fui até ao campo colocar as armadilhas perfumadas, talvez ainda hoje consiga apanhar algumas pétalas de qualquer coisa…, ou apenas, ou apenas pedaços de lenha, e agora, e agora engano o tempo com algumas lâminas de silêncio que por aqui brincam.

Podia ser pior, meus queridos.

Podia ser pior…

Mais logo, mais logo não farei nada, como amanhã, como depois de amanhã, fazer o quê, meus queridos?

A não ser, pensar.

Mas pensar em quê?

Se o pensamento é apenas um momento repetitivo…

Não.

Mais logo, mais logo não farei nada, como amanhã, como depois de amanhã, fazer o quê, meus queridos?

Nem pensar?

Nem pensar, meus queridos.

Nem pensar…

 

 

 

Francisco

18/06/2023

Aos ausentes

 

Aos poucos…

Aos poucos despeço-me da vida,

Não da vida, vida,

Mas da minha vida.

Aos poucos despeço-me destes livros,

Quem gosta de livros…

Ninguém,

E os poetas,

São todos odiados…

Porque dizem o que sentem,

Porque escrevem…

Porque escrevem o que não dizem e escondem o que deviam dizer,

No fundo…

São uns idiotas.

 

Aos poucos despeço-me,

Aos poucos ainda tenho paciência para ouvir AL Berto…

Oiço-o a todo o dia,

Oiço-o a toda a hora…

Durante a noite,

E sim,

Sei lá eu…

 

Aos poucos despeço-me destes traços que semeio no branco papel,

São horríveis, confesso,

Horríveis,

Horríveis são os meus poemas…

E não me queixo,

E não me queixo…

Não me queixo com aquilo que não quis da vida,

E também não queixo…

Com o que a vida me quer tirar…

Ou dar,

E sim,

Sei lá eu…

 

Oiço-o…

E penso.

Que me despeço,

Não da vida,

Mas da minha vida,

Que só escrevo marda,

Que só desenho merda…

E sim,

Sei lá eu…

 

Aos poucos,

Aos poucos penso,

O que poderá pensar,

Um idiota como eu?

E que sim…

Que pensa…

Sei lá eu…

Em que pensa,

Sei lá eu em que pensa um idiota,

Sendo eu outro idiota…

Não sei…

Não sei em que pensa um idiota … um idiota como eu.

 

Mas a terra roda,

Deita-se, dorme e sonha…

E de tantas vezes,

Muitas vezes…

E quando oiço o AL Berto a declarar…

“o mar todo, entra pela janela” …

Abro a janela,

Espero…

Espero.

E mar algum entrou pela minha janela.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

18/06/2023

sábado, 17 de junho de 2023

Do dia nas mãos do dia

 O dia não sabe

Que dentro do dia

Existe um outro dia

Com vida

Em poesia,

 

O dia

Do outro dia

Não sabe

Nem quer saber

Que do dia

Em poesia

Há um livro para ler

Que há um livro para escrever,

 

O dia

Deste pequeno dia

Que arde

Que incendeia o outro dia

Esconde-se neste dia

Que é apenas um dia…

No dia de morrer.

 

 

(às vezes, às vezes é possível partir de (A) para (B), nunca ter estado em (A)… sabendo que um dia, que um dia chegará a (B)

 

Luís

17/06/2023