sábado, 14 de janeiro de 2023

O trezentos milhões

 Descobri agora que sou o espermatozóide número trezentos milhões, ao meu lado, já algo cansado, tinha o espermatozóide número duzentos milhões; e quase ao mesmo tempo, quando chegados ao óvulo, pimba.

Éramos dois à entrada, depois, passado algum tempo, e devido a uma qualquer avaria na linha de montagem (parece que o engenheiro responsável tinha saído e o operador da DEX34CD, máquina de grandiosa importância, tinha ido cagar às traseiras), ficamos apenas um.

Isto tudo para o autor demonstrar que dentro dele vivem dois gajos; o mesmo corpo, os mesmos lábios, o mesmo pénis e de feitios diferentes.

O meu pai, homem de muita sorte, porque tendo dois rapazes habitando ambos apenas um corpo, só teria de fazer uma única despesa. Só teria no futuro de comprar um par de calças em vez de dois, um par de sapatos em vez de dois e assim por diante…

Crescemos, um gostava do mar, o outro, pelo contrário, não gostava do mar. Um gostava do dia, quanto ao outro, odiava o dia e amava a noite, enquanto o outro que amava o dia, e de vez em quando, amava a noite, fugiu um dia do dia e abraçou-se também ele à noite.

Enquanto um fode o outro olha e enquanto o outro olha o outro fode.

E assim temos vivido e assim vamos morrer; um a foder o outro.

 

 

 

 

 

Alijó, 14/01/2023

Francisco Luís Fontinha

A máquina

 Mecanismos

Braços e abraços

Pernas

Pedaços de aço

Rodas e roldanas

Veias

Dedos

Nos teus lábios

Máquinas

Volantes,

 

Máquinas de barbear

Na mão

Parecem um vibrador

Também uma máquina,

 

Máquinas de partir pedra

Máquinas de sonhar

Máquinas de voar

Nas máquinas fotográficas,

 

Máquinas de fazer pão

Nas máquinas de dormir

Máquinas

Vielas

Dedos

Abraços

E braços,

 

Máquinas

Máquinas de terraplanagem

Máquinas de insónia

Nas máquinas de amar

Das máquinas de morrer,

 

Somos máquinas

Máquinas de viver

Nas máquinas de inventar

As máquinas,

 

Somos máquinas

Nas máquinas

Das máquinas que não são as máquinas

E que fodem as outras máquinas,

 

Máquinas de acariciar

Entre as máquinas

Nas máquinas,

 

Somos máquinas

E de máquinas e máquinas

O uísque em máquina

Do cigarro de máquina,

 

Máquinas

Das máquinas e máquinas limitada

Em trabalho

No trabalho da máquina,

 

Máquinas infinitas

Nas máquinas sem combustão

Das máquinas eléctricas,

 

Somos máquinas

Máquinas de viver

Nas máquinas de foder,

 

As máquinas,

 

Nas máquinas que somos.

 

 

 

 

Alijó, 14/01/2023

Francisco Luís Fontinha

O paraíso – Continuação

 Adão olha para Deus, acaricia o cabelo de Eva e responde à questão colocada por Deus; e se para Eva tinha sido maravilhoso, para Adão

Um poema mergulhado no sono, onde as palavras são facas afiadas na boca do luar, uma mão que desce da alvorada e poisa nas margens do rio.

Deus, sorriu.

Convém dizer que Deus já tinha criado a nespereira, a pedra, o homem e a mulher e a vagina, e claro, a maquineta de fotocópias e os cigarros.

Faltava criar o mar, os peixes, todas as restantes árvores e arbustos, os pássaros, a literatura e a poesia.

Adão em silêncio, pega na mão de Eva e leva-a até ao rio (o autor alerta que os rios já tinham sido criados por Deus), senta-se sobre a pedra onde tinha passado a noite anterior a fotocopiar a vagina e num pequeno sussurro diz a Eva,

Sabes meu amor, agora sei o significado do desejo e do prazer e da paixão e do amor.

Eva olha-o e responde-lhe que também ela, também ela tinha descoberto o desejo e a alegria de ser desejada; dois corpos que se desejam e se perdem na neblina de um olhar.

Enquanto Deus olhava pôr-do-sol desenhado nos olhos de Eva, dá-se conta que ambos tinha acabado de descobrir a poesia.

A poesia das pequenas gotículas que crescem nos corpos quando em desejo, estes, se transforma num só e o corpo deixa de ser corpo, o corpo veste-se de poema, grita, geme e ama.

 

 

 

Alijó, 14/01/2023

Francisco Luís Fontinha

(ficção)

Gemidos nocturnos

 No silêncio da noite

Abraço-me às cinzas do teu olhar

Derradeiro desejo que toca a tua pele incandescente

Que no lençol do prazer

Deixa ficar as palavras murmuradas,

 

Na lareira

Os meus ossos desistem da madrugada

E a terra arável das minhas mãos

Evapora-se nos teus seios,

 

Como são transparentes as tuas mãos que me tocam

Num infinito gesto de protecção

Como são belos os teus olhos que me excitam

E desenham em mim as estrelas sem nome

E me oferecem os gemidos nocturnos da paixão,

 

Do silêncio da tua pele

Pedacinhos de mar escondem-se nas tuas coxas de insónia

E da lareira onde os meus ossos desistem da madrugada

Vem a mim o teu orgasmo disfarçado de sono,

E a manhã acorda numa fotografia

E traz a prisão das Pirâmides

E os dedos que te excitam nas noites envergonhadas…

 

 

 

 

Alijó, 14/01/2023

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

O paraíso

 Uma certa noite, Deus percebeu que não tinha mais nada para fazer, meteu as mãos na algibeira e pensou,

Que faço agora?

Pensou, pensou, pensou…

E de tanto pensar, resolveu criar o homem (Adão).

Não contente com a sua criação, começou a caminhar em pequenos círculos às voltas de uma fogueira e pensou…

Isto não me agrada nada, mesmo nada.

Até que teve a brilhante ideia de criar a mulher (Eva), e depois a vagina.

Adão olha a mulher, olha a vagina, ficou um pouco acabrunhado e em cortinados de timidez porque era a primeira vez que via algo de tão belo, e pergunta a Deus,

Meu Deus, elas são tão belas.

Deus olho-o e responde-lhe

Sim, sim, elas são muito belas, mas agora tens de trabalhar, vês aquela pedra, ao lado da nespereira que mesmo à pouco criei?

Sim, meu Deus, vejo.

Vais até lá, sentas-te sobre a pedra e com a maquineta das fotocópias vais ficar a noite toda a fotocopiar a mulher (Eva) e a vagina.

Adão dirigiu-se até ao pedregulho, sentou-se, puxou de um cigarro, ligou à corrente eléctrica a maquineta das fotocópias e vai nisso,

Toca a fotocopiar vaginas.

Concluindo ao romper da manhã que todas as vaginas eram iguais, e que a única diferença estava nas vaginas cerebrais, estas sim, diferentes de corpo para corpo, subiu o talude e deitou-se junto a Eva.

(é sempre bom relembrar que o autor deste texto adora a mulher, a vagina, mas entre as duas vaginas, às vezes, a vagina cerebral é aquela que nos dá mais prazer)

E Deus fez o homem e a mulher com o intuito de estes procriarem e que a espécie humana continuasse por muitos milhões de anos, mas Deus esqueceu-se de explicar ao nosso querido Adão e à nossa querida Eva o que era o prazer, e assim, ambos, aos poucos, enquanto a noite se masturbava nos lábios da lua, foram descobrindo o significado do prazer.

Adão, olha para as mãos, e com elas começa a acariciar todo o corpo de Eva, e esta em pedacinhos de gemido, de olhos cerrados, contorcia-se parecendo um arbusto quando o vento incide e em pequenos círculos, este, inicia uma dança geométrica e infinita como

se houvesse uma pauta, pauta essa onde constavam todas as notas do prazer.

Depois cobriu-a de beijos, beijando cada pedacinho do corpo de Eva.

Adão sentia-se nas nuvens,

Deus já dormia, acordou com todos aqueles gemidos, sentou-se na cama e tapou os ouvidos com as mãos,

Adão sorria-lhe, Eva desenhava um pequeno sorriso; o resultado da resolução da equação do prazer; o primeiro orgasmo.

(quer o autor salientar que sendo a mulher e a vagina a maior criação de Deus, porque todo o resto que criou é merda, o autor considera que a vagina cerebral é sem dúvida a maior criação de Deus)

Quem nunca sentiu prazer enquanto lê um texto, um poema ou enquanto olha para uma qualquer obra de arte?

A esse prazer todo, Deus todo-Poderoso, criador do céu e da terra, chamou-lhe de orgasmo cultural.

Pela manhã, Deus acorda, levanta-se da cama e quando sai para a rua e acende um cigarro, vê o Adão e a Eva, deitados no chão, abraçados, acorda-os e pergunta-lhes,

Então, meus filhos?

Eva olha-o e responde-lhe,

Maravilhoso, meu Deus. Maravilhoso.

 

(não acreditando o autor em Deus, e respeitando o autor todos os credos e fés, e respeitando muito o autor a mulher e tudo  oque ela representa, pede o autor desculpa a todos aqueles que possam sentir-se ofendidos; não é o intuito deste texto de ficção ofender nada nem ninguém)

 

 

 

 

 

Alijó, 13/01/2023

Francisco Luís Fontinha

(ficção)

Vinil

 

Um vinil nas mãos de uma criança

Que gira

Que dança,

Um vinil revoltado

Triste

Muito triste

E cansado.

 

Um vinil que gira

Que dá voltas á Terra,

Um vinil sem sorte

Na pouca sorte de girar,

Um vinil que grita

As canções de embalar.

 

Um vinil que traz a morte

A infância

E a espingarda desassossegada,

 

Um vinil vestido de poema

Que foge

Que se esconde na tua cama

E nunca viu a madrugada,

 

Um vinil refractário

Desobediente,

Um vinil que habita no armário

E está sempre doente.

 

 

Alijó, 13/01/2023

Francisco Luís Fontinha

Lágrimas

 

Abraço-me às tuas lágrimas de sono

Que incendeiam as estelas do teu olhar

Enquanto o sono

E o teu olhar

Desistem de acordar pela manhã,

 

Abraço-me às flores do teu sorriso

(e que lindo sorriso)

Das pétalas em luar

Nas frias madrugadas,

 

Abraço-me às tuas lágrimas

Gotinhas de água que semeias no mar,

Das minhas palavras

Nas palavras de amar,

 

Abraço-me às tuas lágrimas em flor de esperança

Nas lágrimas que morrem

Das lágrimas no rosto de uma criança.

 

 

 

Alijó, 13/01/2023

Francisco Luís Fontinha