O cachimbo suicida-se nas mãos do poeta.
Era noite, caminhava pelos trilhos que a geada tinha
desenhado e, na mão, o caderno embalsamado pelas palavras da morte, tinha medo
do escuro, tinha medo dos versos envenenados pelo luar e, mesmo assim,
caminhava, caminhava,
O cachimbo embrulhado em metástases desesperadas pela
fadiga do corpo, do fígado saía o camuflado texto das palavras inventadas pelas
crianças da aldeia, às vezes, poucas, tinha fome e,
Fumas?
E fumava desalmadamente até o nascer do Sol, poisava a
caneta sobre a mesa-de-cabeceira, atirava o caderno contra o espelho, sonhava;
Sonhava!
O cabelo que outrora lhe tinha pertencido, fugiu para
a praia mais distante, ficando ele, apenas com o usufruto do rio, uma enxada,
rangia lá longe, nos socalcos e, o cachimbo
Sonhava!
E o cachimbo de mão dada com o caderno, como o amor de
duas flores, uma roseira e um craveiro, uma sombra de luz poisava na boquilha,
marinheiro agreste dos oceanos enlouquecidos, o falso milagre,
Sonhava…
E suicidou-se na minha mão.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 12/03/2019