terça-feira, 10 de agosto de 2021

Um menino de porcelana

 

Em criança, os meus pais, ofereceram-me um barco com motor,

Passava tardes intermináveis a construir vestidos para um estúpido boneco que baptizei numa qualquer igreja clandestina, numa tarde em Luanda; o “chapelhudo”.

Colocava uma enorme bacia com água e deliciava-me com o meu barco em pequenos círculos com olhos verdes, nos bracinhos tinha uma pequena almofada embebida em ar para não afundar, e divertia-me até que as pilhas falecessem.

Nada a fazer, perguntava-me,

Sempre fui apaixonado por barcos, papagaios em papel e, vestidos para o meu amigo “chapelhudo”. Do mar, um imenso cardume de estrelas, verdes, encarnadas e, cinzentas,

Extintas as portas de entrada, aos poucos, o paquete ausentava-se de mim, mar adentro, confinado pela tempestade, segredava ao meu pai,

- Tenho fome,

Os cigarros engasgavam-se na garganta inflamada pela nafta, do outro lado, na piscina, meninas brincavam com bóias de sabão, o mar fugia e, Luanda desparecia no horizonte; alto mar.

Tenho fome do Mussulo, das palmeiras eternas nas noites recheadas de neblina e, como sempre, nos meus versos, uma saudade enorme de um rio que mais tarde me viu suicidar; junto ao Tejo,

Passei uma noite debaixo da ponte Oliveira Salazar, quase não me lembro das estrelas, manhã cedo, em direcção ao Porto de Lisboa, vi um magala dilacerado pelo silêncio, suicidava-se aos poucos com shots de Vodka e Uísque, mais tarde,

Ontem,

Percebi que aquele palhaço era eu, vinte anos depois.

Sentei-me, peguei-lhe na mão e, com pequenos toques infundados por debaixo da mesa, sem que ninguém percebesse, ia escrevendo o poema da saudade,

E, da saudade,

Um menino de porcelana, loiro com caracóis que o pai resolveu numa tarde dizimar (cabelo à homem),

Coisas dele,

Minha sina foi ser caixeiro-viajante, de terra em terra, de Oceano em Oceano, percorri todas as palavras escritas com o olhar,

Amanhã

Amanhã reescrevo o poema da saudade,

Pincelados de cinzento, nos olhos a nostalgia do silêncio, olhos rasgados pela tempestade, ao longe, S. Tomé e Príncipe, Las Palmas de Gran Canaria e, Ilha da Madeira, Lisboa aproximava-se, dentro dos caixotes em madeira, coisa nenhuma, meia dúzia de tarecos e saudades.

- Tenho fome do Mussulo, uma saudade enorme de um rio que mais tarde me viu suicidar; junto ao Tejo, conheço-te desde sempre, aqui, acolá, além-mar,

Âncoras ao pescoço, drageias de incenso para adormecer, porque nas mãos trazia sempre a cartilha da sanzala abandonada,

Dorme.

Ai que dorme.

E, dorme desde então; dizem que abraçado ao pescoço dela.

Chorou. Dentro das lágrimas viam-se os botões de rosa da madrugada, da pensão, alguns gemidos, friestas no gesso apodrecido e, apagou-se nos braços da amante.

O coração tinha recusado horas extraordinárias e, no pulso, o relógio do sono.

O mar.

A mãe segurava-o enquanto ele desenhava gaivotas coloridas em papel envelhecido; notícia de última hora!

O mar, também ele, tinha morrido nas lágrimas envergonhadas das manhãs junto à Fortaleza; barcos e canhões limitados, com sede na Rua do Azeite, número quatorze.

De herança, deixou três búzios e uma enxada de prata.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 10/08/2021

segunda-feira, 9 de agosto de 2021

Todas as pedras do sono

 

Dizem que o vento o levou e, semeou nas páginas da insónia o poema paixão.

 

Poema paixão

 

Escrevo a minha última carta

Para as longínquas estrelas.

Flores que se amam, há muitas,

Desde que as palavras escritas,

Adormeçam nas extintas lágrimas da noite;

A paixão levou-o num barco em papel

Dançando nas pequenas sílabas

Do Outono passado.

O dia desaparece na página de um velho livro,

O velho mendigo, de cigarro na algibeira,

Dá aulas de Filosofia numa esplanada invisível, junto ao Rio;

O pequeno-almoço, morreu-lhe

E sempre que se recorda do retracto junto ao pôr-do-sol,

O mar parece doido, cansado, de tanto vigiar os rochedos da morte.

Traz no rosto as lágrimas da saudade,

Reza religiosamente às sombras da cidade e,

Uma estátua aparece a cada vez que o mesmo mendigo

Consulta o relógio da ausente do pêndulo uniformemente acelerado.

Calcula a velocidade da queda,

Verifica que a aceleração é contante,

Dentro de uma máquina fotográfica.

Semeia imagens nos socalcos da infância,

Desenha tentáculos de esperma

Nas nuvens de antigamente e,

Travestido de sonífero, foge da cidade.

Cada noite é um colchão envenenado pelo silêncio,

Cada beijo,

Uma flor perfumada no sorriso da areia,

- “Escrevo a minha última carta

Para as longínquas estrelas”

Pudera;

A paixão é uma lágrima na cara do objecto,

Desenho tranquilo,

Deserto,

Faminto.

Ama-se de quê?

Como a morte.

Morre-se.

E, ama-se.

 

 

A noite é um emaranhado de fios condutores, vêem-se todas as lágrimas de electrões, protões e todos os cabrões das vaidades incompreendidas, a esmola é muito e, de gorro na cabeça, depois de nascer o sol, vomita as equações que silenciaram durante a noite; o cio.

A dor da mão quando escreve na terra húmida, todas as coisas mortas, visivelmente como uma janela virada para o mar.

Quatorze horas de fome, almoços cansados sobre a mesa e, o velho mendigo, de tanta Filosofia, entoirido de medos e lagartos sem nome. Primeiro vem o beijo desejado pelas palavras escritas, metáforas e animais mamíferos, toca o despertador;

- Morreu entre as duas e as três -
Entalado?

Cercado por uma cerca eléctrica, que só as cidades conseguem construir.

- É isto a loucura? -
Uma laranja embriagada nas cinzas de uma eira abandonada. E, toca o despertador para a ordinária equação de todos os gomos envenenados, desertores de uma guerra de palavras, sobre a cabeça dos homens.

- Isso dói? -
Mais rápido que a velocidade da luz, o anzol procurando a sua presa acabada de se enforcar nos seios de uma aranha, há música sobre os ombros dos alicerces não terminados, o carpinteiro procura a enxada, vomita pequenas línguas de fogos, aquece as mãos durante o Inverno

- Que horas são, meu primeiro poema? -
Ontem pertencias aos mares navegados por petroleiros de ossos, gaivotas de vidro e, pequenos adornos ao pescoço.

Durante o Inverno, perto da noitinha abençoada, acende a lareira do sono, deita a cabeça sobre o peito dela e,

Segreda-lhe muito baixinho;

Amo-te.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 09/08/2021

sábado, 7 de agosto de 2021

Os livros da minha infância

 

Trazes nos lábios

O silêncio

Onde habitam os peixes da minha infância,

Das tuas mãos

Oiço

O baloiço

Dos meninos da minha infância,

E, desenho a saudade

Na sombra sonolenta

Das palavras

Da minha infância.

Capto o sorriso que de ti

Palmilha as montanhas da minha infância,

Porque ontem

Percebi

Que já brincavas nas sombras da minha infância.

Oiço-te quando do longínquo oceano

Regressam as flores da minha infância,

E, talvez seja a chuva

Que deixei na minha infância,

Te liberte das palavras minhas,

Quando escrevia na laranja

O poema da minha infância.

Sinto o teu corpo

Nas fotografias da minha infância,

Um esbranquiçado preto e branco no silêncio infinito,

Quando dentro da cidade,

A janela da minha infância…

Brincava na montanha.

Sinto os pássaros da minha infância

Desajeitados como a minha boca,

Escrevendo beijos

Beijos e coisa pouca.

E, o rio.

O rio da minha infância,

Descendo a sanzala,

Uma cubata aqui,

Palhota acolá,

Mas na minha infância

Já sabia que os teus lábios

Eram desejos,

Desejos

Todos beijos.

 

Trazes nos lábios

O silêncio

 

No olhar as minhas palavras,

 

Sinto-o

E, alimento-me de ti,

Sempre que nasce a madrugada.

 

 

Francisco Luís Fontinha, Alijó/07-08-2021

sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Dos pássaros em cio às palavras envergonhadas

 

Do oiro imaginário às sete drageias do destino, sobe a montanha em direcção ao céu, senta-se à sua direita e, adormece. O vento arranca-lhe os rochedos aprisionados ao olhar magnético que a divina montanha desenho quando nasceu. A casa, dorme.

Sinto-lhe a mão suspensa numa imagem a preto e branco

Assim morreu depois do sono.

O mar entra-lhe pela janela da paixão, a imagem a preto e branco alicerça-se ao cansaço matinal, acordava sempre maldisposto, noites de insónia ventiladas pelo sexo das flores, cinco imagens dormem sobre o velho cabelo e, sempre que imaginava o mar

O mar dança na sua mão.

Dizem que o mar é um velho preguiçoso, mulherengo durante a noite, insatisfeito ao pôr-do-sol; tínhamos desenhado as estrelas sobra a areia fina do Mussulo, ela, dançava em cima da sombra cansada das palmeiras, e ele, vestido de marinheiro, fazia-se ao mar, todas as sextas-feiras, o barco voava nas montanhas pinceladas de carvão.

Tenho fome, mãe.

Come pão.

Quero uma sandes.

Só tenho pão.

O pai, zangado, oferecia-lhe sandes de pão com pão, dizem aqueles que experimentaram ser sem dúvida o melhor manjar da ilha dos amores.

A ilha tinha uma janela voltada para os lábios da solidão, quando acordava travestido nos calções de porcelana, dos braços saiam-lhe palavras que mais tarde, depois da caminhada improvável sobre a areia, deitava sobre os seios da madrugada; tirava fotografias aos barcos acabados de morrer.

Um dia, depois de sepultar a tarde numa jarra com água-benta, foi de encontro aos retractos deixados numa caixa em papelão, pelo pai, quando este fugiu para Ambriz, numa bela tarde de finados. Ontem tudo parecia uma folha em papel envenenada pelo desejo,

Comeu-as todas,

E, não só de desejo vivia ele, também acariciava as palavras embriagadas pelo mordomo, que de enxada não mão, fazia dirigir as cabras para o areal; todos os dias, o medo de que alguém estivesse abraçado à tristeza.

Os desenhos queriam sair das paredes velhas de um café em ruínas, lia o jornal, vaticinava sobre o fim da guerra e, quando se deitava, sempre à procura do medo de não acordar ao outro dia, dizia-se Ateu, apenas para enganar a solidão,

Hoje, não.

A cabeça pesada, os vómitos das curvas endiabradas e, sempre que questionava se faltava muito,

Dizia-lhe, estamos quase, estamos quase.

As laranjas sabiam a saudade, de todos os livros que tinha, um deles era sobre o mar

Abraça-a todas as noites.

Havia um louco que não sabia andar de bicicleta, transportava-se num velho triciclo que tinha pertencido a uma família de gaivotas, acabadas de partir devido à guerra, hoje

Nada sei de o doce olhar do amanhecer.

Hoje, sinto uma fina angústia de sono junto aos tornozelos, os cigarros são sombras inventadas pelo velho cozinheiro da aldeia e, em todas as ruas, uma estátua de luz dorme.

“O sexo entre duas pedras de gelo e uma doze de uísque”

- Do oiro imaginário às sete drageias do destino, sobe a montanha em direcção ao céu, senta-se à sua direita e, adormece. O vento arranca-lhe os rochedos aprisionados ao olhar magnético que a divina montanha desenho quando nasceu. A casa, dorme.

Sinto-lhe a mão suspensa numa imagem a preto e branco

Não sei, talvez,

E, sempre que pode, senta-se numa pedra junto ao mar.

 

 

Francisco Luís Fontinha, Alijó 06-08-2021

terça-feira, 3 de agosto de 2021

Corpo silêncio de rosas amanhecer

 

Há um corpo de rosas

Pincelando os meus braços.

Lábios de espuma

Abraçados ao meu sorriso,

Há um corpo recheado de palavras

Que brincam no meu olhar,

A bruma,

Nos seios do mar.

Há um silêncio amanhecer

Que me ilumina,

Desenha e,

Alimenta na alvorada,

Há um corpo de rosas

Pincelando a madrugada.

Há a sombra das sílabas

Voando sobre o meu cabelo,

De vento em vento,

De socalco em socalco,

Semeando o medo,

O medo invisível dos rochedos envenenados pela paixão;

Há o teu corpo veneno,

Descendo a noite cinzenta da cidade,

Há no teu corpo o sorriso…

O sorriso da felicidade.

Há na minha janela o retracto de uma infância feliz,

Quando as palavras te pertenciam,

Há no teu corpo um grito,

Do cio que pincelo até às nuvens que fugiam.

Há um corpo vazio,

Recheado de flores,

Palavras,

Amores;

Há um corpo. O teu. Todas as noites na minha mão.

Há um corpo a preto e branco,

Que só a tela da saudade consegue escrever,

Na noite,

A mão que te faz crescer.

 

 

Francisco Luís Fontinha, Alijó – 03/08/2021

terça-feira, 27 de julho de 2021

A cidade das palavras

 

Onde estão os grãos de areia da minha infância, esqueço-me enquanto me olho no espelho da saudade,

Em criança, desenhava nas tardes límpidas e sonolentas, os barcos da minha infância, procurava pelas sombras da minha infância, sem perceber, que um dia, junto ao tejo, morreria engasgado com uma tigela de caldo.

Couves, coma muitas couves. Dizem que durante a noite conversam com o intestino e, fazem-se passear pelas avenidas desertas da cidade.

Nunca acreditei nas tuas palavras; disseste-me, algures numa cidade que já nem recordo o seu nome que

Um dia vamos regressar,

Um dia peguei num punhado de grãos de areia, lancei-os ao mar, estava feliz. Muito feliz.

Tinha galinhas e pombas. Enquanto desenhava no sorriso das galinhas os socalcos que um dia me ia apaixonar, escrevia nos lábios das pombas, gatafunhos, coisas que só eu percebia. Diziam-me que todos os barcos tinham no coração uma cancela e, apenas os meninos que comiam a sopa lá entravam; mentira. Nunca consegui lá entrar.

O meu pai, quando havia treinos de hóquei, levava-me aos Coqueiros, nunca entendi a razão de ter alguma simpatia por este desporto, pois paixão por desporto tenho nenhuma.

Havia pássaros em papel no meu quintal, todas as noites, silêncio de assobios telintavam no zinco do galinheiro, depois das chuvas torrenciais, um pedacinho de capim saltitava junto ao meu triciclo, nada de novo, como ontem, nas mãos de um soldado. Vi muito. Eram todos meninos como eu; tinham pai, mãe, irmãos, irmãs, filhos, filhas, mulher e, muitas cartas sem remetente. A guerra foi uma merda, pai. Uma merda.

Comecei a coleccionar palavras e desenhos nas paredes de nossa casa. Comecei a acreditar que cá, também habitavam mangueiras e, que uma Bedford amarela se passeava pelas ruas, mas o tempo foi passando, a Bedford, aos poucos, foi sucumbindo às tempestades de areia e, morreu numa noite de geada.

Hoje percebo porque passava horas intermináveis, no portão do quintal, à espera de uma Bedford amarela, era a saudade que se embrulhava no meu cabelo, o avô Domingos dizia-me logo logo ela estava ao virar da esquina, mas com o tempo, com as lágrima da alegre infância, deixou de aparecer na rua.

Dizem-me hoje que morreu de cansaço.

O Domingo de Janeiro estava escaldante, e já nessa altura, acreditava que existiam papagaios em papel, que mais tarde, muito mais tarde, a minha mãe construía para mim. Trapos. Farrapos que eu aproveitava para vestir um velho amigo e algo estúpido, um boneco que baptizei num dia de neblinas matinais e, junto ao porto de mar, um paquete olhava-me, parecia que me queria comer, mas, não

Nunca entrei no coração de um barco.

Hoje, aqui sentado, olhando esta belíssima Baia, recordo os calções vestidos de menino e, um menino vomitando línguas de gato, enquanto aos poucos, o avô Domingos deixava a cidade levando pelas mãos o velho machimbombo: gosto de ti.

Assim.

Como esta Lua que nos separa.

Pudera.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha, Alijó – 27/07/2021

sábado, 24 de julho de 2021

O pássaro que não sabia voar

 

Das asas pigmentadas de silêncio, ouviam-se os uivos apitos que voavam sobre os socalcos pincelados de sombras e sonoras alegrias, que de vez em quando, ao longe, de um barco, às vezes assombrado, alicerçava a tristeza da partida,

Começa o dia na mão dele, de entre os dedos carrancudos, o cigarro avermelhava-se entre cinzas e lágrimas, chamavam-lhe; a saudade.

Partiu sem dizer adeus, nem um beijo, nenhum amigo presente na fala da sua sombra, quando se adivinhava que a morte é apenas uma viagem até ao infinito, de voos baixos, de ziguezague em ziguezague, de socalco a socalco, uma mísera nuvem de espuma brincava na sua mão,

Tinha medo,

Às vezes travestia-se de homem, outras, nem muitas, aparecia nas estantes amorfas dos livros de poesia,

O poema morrer e, ele nem sempre sabia o que significava a morte.

A morte é uma merda, dizia-lhe o pai pássaro, outro, o espantalho, costumava escrever nas rochas do Douro, sabes, meu filho, o cancro é uma merda,

A viagem, o vento levava-o pelas sanzalas da infância, num orgulho que só ele sabia descrever, sentava-se junto ao mar, puxava de um cigarro reutilizado do dia anterior e, em pequenos silêncios segredava ao pássaro alegria; sabes? Sou a criança mais feliz de Luanda.

Todos tínhamos nas mãos o cansaço das equações, das ínfimas matrizes que sobre o caderno adormeciam como crianças pintadas na tela da Mutamba,

Às vezes dá-me sono as palavras tuas,

Nunca soube voar.

Vestia uns calções, sentava-se nas sandálias de couro e, começava a correr até ao Mussulo, desagregado da saliva entre apitos e rumores; um dia vou regressar, um dia,

Nunca regressei.

Hoje, acordei abraçado à mangueira da minha infância, junto a mim, o triciclo da saudade e, mais além, as cartas que nunca tive coragem de te escrever, sabes, meu amor, as palavras parecem-me falsas alegrias, arrotos anónimos nas mãos do carrasco.

As espingardas vomitavam sílabas de azoto, o soldado-menino, escondia-se debaixo do embondeiro mais velho da planície, algures, outro menino-soldado, deslaço devido à preguiça, rebolava-se ribanceira abaixo, até que alguém lhe dizia; oh menino, a espingarda? E, ele, timidamente, respondia,

Fugiu, meu senhor, fugiu como uma bala em direcção ao nada.

Nunca soube voar. Aprendi as primeiras letras e números debaixo de um zincado telho telhado, talvez hoje, seja apenas uma igreja imaginária, apenas sombra, apenas nada.

O poema voava na sua mão. Entre os dedos, desenhava-lhe os seios colocando-lhes pequenas aspas, ou inúmeras saliências, ou apenas nada.

Nada tudo dentro de uma louca equação de areia. O barco recheado de fumo, levante e de um outro adeus; amanhã saberei o seu nome.

Amanhã, meu amor.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 24/07/2021