segunda-feira, 9 de agosto de 2021

Todas as pedras do sono

 

Dizem que o vento o levou e, semeou nas páginas da insónia o poema paixão.

 

Poema paixão

 

Escrevo a minha última carta

Para as longínquas estrelas.

Flores que se amam, há muitas,

Desde que as palavras escritas,

Adormeçam nas extintas lágrimas da noite;

A paixão levou-o num barco em papel

Dançando nas pequenas sílabas

Do Outono passado.

O dia desaparece na página de um velho livro,

O velho mendigo, de cigarro na algibeira,

Dá aulas de Filosofia numa esplanada invisível, junto ao Rio;

O pequeno-almoço, morreu-lhe

E sempre que se recorda do retracto junto ao pôr-do-sol,

O mar parece doido, cansado, de tanto vigiar os rochedos da morte.

Traz no rosto as lágrimas da saudade,

Reza religiosamente às sombras da cidade e,

Uma estátua aparece a cada vez que o mesmo mendigo

Consulta o relógio da ausente do pêndulo uniformemente acelerado.

Calcula a velocidade da queda,

Verifica que a aceleração é contante,

Dentro de uma máquina fotográfica.

Semeia imagens nos socalcos da infância,

Desenha tentáculos de esperma

Nas nuvens de antigamente e,

Travestido de sonífero, foge da cidade.

Cada noite é um colchão envenenado pelo silêncio,

Cada beijo,

Uma flor perfumada no sorriso da areia,

- “Escrevo a minha última carta

Para as longínquas estrelas”

Pudera;

A paixão é uma lágrima na cara do objecto,

Desenho tranquilo,

Deserto,

Faminto.

Ama-se de quê?

Como a morte.

Morre-se.

E, ama-se.

 

 

A noite é um emaranhado de fios condutores, vêem-se todas as lágrimas de electrões, protões e todos os cabrões das vaidades incompreendidas, a esmola é muito e, de gorro na cabeça, depois de nascer o sol, vomita as equações que silenciaram durante a noite; o cio.

A dor da mão quando escreve na terra húmida, todas as coisas mortas, visivelmente como uma janela virada para o mar.

Quatorze horas de fome, almoços cansados sobre a mesa e, o velho mendigo, de tanta Filosofia, entoirido de medos e lagartos sem nome. Primeiro vem o beijo desejado pelas palavras escritas, metáforas e animais mamíferos, toca o despertador;

- Morreu entre as duas e as três -
Entalado?

Cercado por uma cerca eléctrica, que só as cidades conseguem construir.

- É isto a loucura? -
Uma laranja embriagada nas cinzas de uma eira abandonada. E, toca o despertador para a ordinária equação de todos os gomos envenenados, desertores de uma guerra de palavras, sobre a cabeça dos homens.

- Isso dói? -
Mais rápido que a velocidade da luz, o anzol procurando a sua presa acabada de se enforcar nos seios de uma aranha, há música sobre os ombros dos alicerces não terminados, o carpinteiro procura a enxada, vomita pequenas línguas de fogos, aquece as mãos durante o Inverno

- Que horas são, meu primeiro poema? -
Ontem pertencias aos mares navegados por petroleiros de ossos, gaivotas de vidro e, pequenos adornos ao pescoço.

Durante o Inverno, perto da noitinha abençoada, acende a lareira do sono, deita a cabeça sobre o peito dela e,

Segreda-lhe muito baixinho;

Amo-te.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 09/08/2021

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