(…)
Amanhã
amar-me-ás como hoje?
Mas
hoje... não existe, um caixote em madeira, alguns tarecos e meia dúzia de
fotografias,
Todas,
Todas
a preto e branco...
Partiram,
levaram o miúdo dos calões e o caixote em madeira,
Alguns
tarecos, pouca coisa e fotocópias de fotografias envenenadas pelo silêncio, na
algibeira, o amor, o desejo do mar, dos barcos e das coisas
Simples?
Os
livros,
E
das coisas sem nome,
Sombras
de mangueira?
E
beijos, das coisas travestidas de saudade, dos livros lidos nas entranhas do
desejo, caminhávamos entre quatro círculos de luz, abraçavas-me como se abraçam
os pássaros, as acácias e os pindéricos cabelos de nata,
Amanhã
amo-te...
Partiram,
fugiram das noites embriagadas com direito a limonada e a sexo, construíram
cubatas nos musseques da alegria, saltaram muros e muros, tinha medo das curvas
da vida, adivinhava os beijos como sendo abelhas em flor, sobre as casas sem
nome, idade, e
Sexo?
Só
depois das seis,
E
sonhos, de um dia regressar...
Regressar,
mãe?
O
texto escreve-se no teu corpo, a partida pertence ao passado, triste, tão
triste como fazer amor num vão de escada,
Os
gemidos,
Os
silêncios mergulhados na algibeira do cansaço, amanhã saberei se me pertences,
maldito caixote em madeira,
Alguns
tarecos, meia dúzia de fotocópias de fotografias,
O
mar, mãe?
O
mar.… morreu,
Como
morrem todas as coisas belas,
Sinto-me
um caixote em madeira, um socalco em lágrimas descendo até ao Douro, uma eira,
imaginada em Carvalhais – S. Pedro do Sul, sinto-me a noite vestida de negro,
abraçada aos meus sonhos, sem poder mais,
Amanhã,
meu amor!
O
circo, os palhaços narcisados nas palavras escritas pelo fantasma do silêncio,
a minha vida uma “merda” comparada com a vida dos meus vizinhos, hoje sonhei
que a pobreza tinha morrido... como se a pobreza tenha morte... este momento
embriagado em poemas de amor,
Poder
mais...
Os
sorrisos, a mentira do soneto sobre os ombros vergados de uma enxada, o cristal
opaco que sobressai nas fotografias de infância, a dor, e a doença
Sinto-me
E
a doença sifilítica nos dedos do artista, adormece a tela, o poema e a musa do
poeta,
Sinto-me.…
um suicidado cadáver de esperma, um transeunte canalha com suspensórios e gravata,
e sapatos de ponta delgada,
Um
café Doutor?
Café...
Faltam-me
os cigarros...
E
a doença sifilítica nos dedos do artista, adormece a tela, o poema e a musa do
poeta,
Sinto-me.…
um suicidado cadáver de esperma, um transeunte canalha com suspensórios e
gravata, e sapatos de ponta delgada,
Faltam-me
as tuas mãos, mãe,
Café?
Viajo
na tua saia e percebo que não temos regresso, regressar é um suicídio sem
palavras, uma carta escrita, os motivos da tua ausência, as faltas da tua
presença na Igreja, sinto-me quando abres a janela do quarto e tenho a certeza
que estou vivo,
Bom
dia, mãe...
Meu
querido filho!
O
livro cresce nas ardósias cinzentas da memória,
Que
és enigmático, meu filho...
Que
sim, minha mãe,
Que
sim,
Telefonaram
da Rua dos Mendigos?
Para
mim, mãe?
A
cidade embriagada nas sandálias do pescador, o mar, sempre o apaixonado mar, a
paixão azul, do azul literário e poético..., sabes com é, mãe,
Pois,
Sei
que sempre sonhaste comigo,
Eu?
Sim,
tu, mãe,
Quando
dizias que aos três anos de idade já voava...
Eles
chegaram, o caixão ainda cheirava à tinta fresca da manhã, brincava um silêncio
de olhos verdes no vão de escada,
Foder
num vão escada, como fodem todas as palavras do poema...
Sabíamos
que o corpo não pertencia às nossas vidas,
Clandestino,
eréctil nas disciplinas do abismo, o poema esfomeado esperando o amante
suicidado,
amanhã,
amanhã nascerá um cansaço de medo no afastamento dos círculos das cidades
embriagadas,
Sem
iluminação, sem mulheres ou bares para combater a distracção, uns panfletos
expostos na parede xistosa,
Há
Tripas,
O
caixão dançava no centro da sala de estar,
Confesso,
Nunca
tinha assistido à dança de um caixão...
Já
imaginaram o dançar de um caixão?
Há
tripas e...
Moelas,
A
aldeia padece de claridade, existem fios de escuridão nos telhados cansados das
palhotas de algodão,
Enigmático,
eu?
Nunca
tinha assistido à dança de um caixão...
Já
imaginaram o dançar de um caixão?
Há
tripas e...
Moelas,
E
palavras sem coração, sentia-me embriagado nas mãos do amanhecer, sentia-me um
miúdo encostado à sonolência da idade,
A
aldeia em chamas, os campos esbranquiçados na tela do desejo imaginavam canções
de moluscos e alguns grãos de areia,
O
desenho teu na cidade dos alicerces alienados, os bares em combustão, as miúdas
dançando canções de solidão,
Amas-me?
Que
não,
Que
a arte vive e vai morrer no teu olhar,
Ouves-me?
E
palavras sem coração, avenidas nuas, travestidas de machimbombos reumáticos
voando sobre a cidade, eu... eu... adormecia,
Inventava
beijos nos teus braços, a minha primeira paixão, imaginava-te uma flor triste e
cansada, nos circos ambulantes da saudade,
Os
sete orgasmos do Mussulo, a liberdade sobre as palmeiras invisíveis que me
atormentavam, como campânulas de sofrimento, ao deitar, o caixão que dançava
deixou de o fazer, dificuldades com o cachê, dispensa de artistas e cadáveres
de cera, um altar recheado de almas, tantas almas como os versos do sem-abrigo
quando sentado numa cadeira apodrecida de um circo ambulante,
Quero
ser artista, mãe!
Nem
penses..., nem... penses...
Filho
meu não é artista!
(…)
(ficção)
Francisco
Luís Fontinha
in
“Amargos Lábios do Poema”