quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Sem horário

(desenho de Francisco Luís Fontinha)


Que faço a estas flores...
se tu, se tu já não existes,
voaste em direcção ao Tejo,
suicidaste-te na Calçada da Ajuda,
sem ajuda nenhuma,
sem perceberes que habita na noite o amor,
a literatura, a poesia,
e a pintura...
que faço, meu amor,
a estas flores de névoa, a estes silêncios sem horário,
que faço a estas flores...
diz-me...
diz-me por favor,
e a pintura,
se tu, se tu já não existes,
e agora, e agora és uma flor sem leitura...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 15 de Janeiro de 2015


Falsa memória nos braços da paixão

(desenho de Francisco Luís Fontinha)


A mentira dos homens
mergulhada na falsa memória,
a solidão das palavras,
escritas e semeadas,
nos longínquos corredores da insónia,
o imperfeito corpo do espelho que alimenta a paixão...
em pedaços,
tão pequeninos... como grãos de areia em pleno voo matinal,
as telas amordaçadas que habitam a minha casa, ardem,
sinto o fumo de néon quando pego numa caneta,
tenho uma carta para escrever...
mas,

mas mergulho na falsa memória,
sem destinatário,
sem remetente...
tão sós...
o subscrito,
e a folha de papel oferecida por um pindérico pássaro de cigarro nos lábios...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 15 de Janeiro de 2015


quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

O ardina das janelas de vidro

(desenho de Francisco Luís Fontinha)


Sou o ardina das janelas de vidro,
dizem-me que nas palavras habitam os teus lábios,
da lua oiço os teus recados,
as tuas lamentações,
sou ardina,
cancioneiro dos jardins perdidos,
sou a jangada invisível dos teus seios
masturbados na claridade da ausência,
dizem-me que do poema
nasces nua,
em granito esculpido,
pelos meus olhos... sou o ardina das janelas de vidro.


Francisco Luís Rodrigues Fontinha
Quarta-feira, 14 de Janeiro de 2015


Circo ambulante

(desenho de Francisco Luís Fontinha)


Inventas-me no silêncio pergaminho,
permaneço desorganizado nos teus lábios,
sou um palhaço,
um circo ambulante
comendo amêndoas
e figuras geométricas,
as equações dos teus seios
adensam-se nas ardósias do meu corpo,
não sei se te amo,
não sei se me amas...
permaneço inconstante,
volátil...
surpreso ambulante,
figurante,
poeta insignificante,
espelho de nata...
o Tejo na minha mão,
o teu corpo despido solicitando o regresso da noite,
o porteiro gritando.... “Foda-se o amor”,
a paixão
o desenho
e a poesia da solidão,
dos socalcos em orgasmos vínicos...
e a fotografia dos meus pais
descendo ao poço da morte
abraçando-me loucamente só, como uma equação anónima,
como um prego em aço.



Francisco Luís Fontinha
Quarta-feira, 14 de Janeiro de 2015


terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Lágrimas cor-de-rosa...

(desenho de Francisco Luís Fontinha)


A cidade camuflada pela espingarda das palavras,
o homem vestido de madrugada
esconde-se entre os candeeiros sem nome,
no cais,
encontra a solidão
e alguns cigarros de triste olhar,
há sobre ele o cheiro da saudade
e dos machimbombos puxados pelo cordel invisível do capim,
ouvem-se canções no musseque,
e dançam
e dançam
e dançam...
dançam em redor dos mabecos em fúria,
dançam imaginando pequenos charcos de água
como se o dia não tivesse acordado,
a cidade,
acorrentada,
o homem,
sufocado,
ele,
ela...
e não há poesia nos triciclos de madeira apodrecida, e não há poesia nos papagaios de papel,
esta cidade está infestada de sombras
e de lágrimas cor-de-rosa...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 13 de Janeiro de 2015


segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Ausência

(desenho de Francisco Luís Fontinha)


Sinto a tua ausência
como se fosse sempre noite
como se o dia transportasse no sorriso
a tempestade
travestida de saudade...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 12 de Janeiro de 2015


Porta com acesso à paixão

(desenho de Francisco Luís Fontinha)


Não me ouves da tua lápide
inventada por um louco
acreditas que as minhas palavras são húmus
resíduos inorgânicos
da paixão secreta
do sol pela poesia
não me ouves porque não existes
ou... ou... ou porque sou eu que não existo
ou talvez
eu
tu
nunca existimos
somos riscos
fumo desvairado de um cigarro amordaçado
somos riscos suspensos numa parede invisível
onde algures habita uma porta com acesso à paixão
eu
o medo
tu
o medo
e dos cortinados cinzentos dos teus cabelos...
o medo apodrece sobre os nossos ombros embrulhados no cacimbo da infância
procurando as sombras de um rio
com barcos de papel e gaivotas em cartão...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 12 de Janeiro de 2015