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quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Falsa memória nos braços da paixão

(desenho de Francisco Luís Fontinha)


A mentira dos homens
mergulhada na falsa memória,
a solidão das palavras,
escritas e semeadas,
nos longínquos corredores da insónia,
o imperfeito corpo do espelho que alimenta a paixão...
em pedaços,
tão pequeninos... como grãos de areia em pleno voo matinal,
as telas amordaçadas que habitam a minha casa, ardem,
sinto o fumo de néon quando pego numa caneta,
tenho uma carta para escrever...
mas,

mas mergulho na falsa memória,
sem destinatário,
sem remetente...
tão sós...
o subscrito,
e a folha de papel oferecida por um pindérico pássaro de cigarro nos lábios...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 15 de Janeiro de 2015


quinta-feira, 15 de agosto de 2013

E não fizemos nada para terminar o sofrimento dele

foto de: A&M ART and Photos

Sentíamos o peso invisível da morte sobre o esqueleto verde das amoreiras em flor, tínhamos acabado de conhecer o Artur, num daqueles bares onde bebíamos..., e ao outro dia, já o bar tinha desaparecido de nós, vivíamos desesperados como duas raízes escondidas nas profundezas, enganas-te a ti mesma, inventas personagens, algumas, sem o sabres, vestes-las de perfume mentira, outras, enterras-las nas cavernas doirados das coxas rosa púrpura,
Sabíamos-lo,
E não fizemos nada para terminar o sofrimento dele,
Havia uma lanterna que basicamente nos servia para...
Afugentar as mentiras, minhas?
Sim, embriago o Artur encostado ao balcão de mármores com um livro em granito onde algumas palavras brincavam às escondidas,
“Aqui Jaz Artur Prior”, e nada mais do que isso,
Mentiras que eu entendo, que eu descubro e fico calado, cabisbaixo, envenenado pelas árvores com as pequenas folhas comestíveis, e bebíamos, e fazíamos como se de dois corpos suspensos na madrugada se tratasse, e não o éramos, porque há muito que deixamos de ser corpos, hoje somos caules brincalhões, balões de naftalina,
Porquê, Artur?
Não sei, sei... meu querido...
Porquê, quê?
Sabíamos-lo,
E não fizemos nada para terminar o sofrimento dele,
Havia uma lanterna que basicamente nos servia para...
Afugentar as mentiras, minhas? E devíamos estar loucos, tu, e eu, porque de nada havia para ancorar ao porto de embarque, perdi a âncora, abandonei as cordas de nylon, e travesti-me de petroleiro desgovernado, só, felizmente...
Só?
Porquê, Porquê... Artur Prior?
Porque tínhamos descoberto a verdade, porque tínhamos encontrado o carrossel do Amor, todo ele em oiro maciço e comestíveis os cavalos, estes em algodão doce, porque, meu amor, tínhamos descoberto o bar onde éramos verdadeiramente... felizes,
Só?
Só... e nada mais do que isso,
Tínhamos acabado de conhecer a manhã, e havia uma estranha lanterna, uma lanterna que detectava as tuas, as minhas mentiras, que tu me inventavas, e quando me dizias que eu era
Sabíamos-lo,
E não fizemos nada para terminar o sofrimento dele,
Havia uma lanterna que basicamente nos servia para...
E era, e sempre fui, um fútil e medíocre livro de granito onde alguém escreveu
“Aqui Jaz... Artur Prior”
E
Nada
Só?
Não, nada e nada mais do que isso, meu querido, e apenas, só, tínhamos acabado de conhecer a manhã, e havia uma estranha lanterna, uma lanterna que detectava as tuas, as minhas mentiras, que tu me inventavas, e quando me dizias que eu era feliz, eu acreditava que
Eu era feliz,
E quando me dizias que eu era um livro em granito, eu acreditava que
Eu sou um livro em granito, meu querido, granito com bolinhas encarnadas,
E acreditava,
E deixamos de acreditar porque sentíamos o peso invisível da morte sobre o esqueleto verde das amoreiras em flor, tínhamos acabado de conhecer o Artur, num daqueles bares onde bebíamos...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
quinta-feira, 15 de Agosto de 2013