Deixei de sonhar,
a vida entranha-se
nos meus ossos tridimensionalmente aos soluços,
e eu, às vezes,
percebia que havia uma parábola no meu olhar,
comecei a despedaçar
imagens, comecei a desperdiçar curvas, quadrados e triângulos,
os sonhos iam
desaparecendo, como a chuva, aos poucos, misturada com finíssimos
raios de sol,
e em vez de sonhar,
comprava num
quiosque das redondezas algumas gramas de noite,
pensava eu que era o
esqueleto de verniz mais feliz da minha cidade,
não o era,
e... e nunca o fui,
depois regressaram
aqueles malditos pássaros de aço,
tão esfomeados que,
que comecei a trocar os poucos beijos que me sobejaram por andorinhas
de papel,
(batem à porta)
É o meu vizinho a
queixar-se que os meus sonhos não o deixam adormecer,
respondo-lhe que...,
que eu não sonho,
que... que há muito
deixei de sonhar,
escrever,
e amar,
(o tipo ateima que
sim, que são os meus sonhos,
canso-me...
e mando-o foder com
todas as letras...)
São tristes os
candeeiros da minha rua,
não respondem às
minhas questões e anseios,
ignoram-me...
e quantas vezes...
nem servem para me iluminarem,
abaixo os candeeiros
da minha rua,
a minha rua...
e esta estonteante
cidade,
a que pertenço e
que me engole a cada milímetro de solidão,
(batem à porta)
(o tipo ateima que
sim, que são os meus sonhos,
canso-me...
e mando-o foder com
todas as letras...)
Deixei de sonhar,
deixei de ver as
sanzalas iluminadas pelo doce luar,
deixei de ouvir o
melódico som dos mabecos,
e da espuma
brilhante do mar do Mussulo,
dois ou três
caixotes em madeira apodrecida,
e apenas uma pequena
caixa de sapatos com um, com... com dois, talvez três sonhos,
um avião
telecomandado,
e livros do meu pai,
um par de calções,
e... e alguns
tarecos,
e os sonhos?
Deixei de sonhar e
voava, e voava quando calçava as minhas sandálias de couro...
(batem à porta)
É o carteiro!
Francisco Luís
Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 11 de
Junho de 2014